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Costa do Marfim e Senegal anunciam saída de militares franceses

02/01/2025 14h47

A exemplo de outras nações africanas, os chefes de Estado da Costa do Marfim e do Senegal anunciaram planos para acabar com a presença militar da França em seus países em 2025. Para especialistas consultados pela Agência Brasil, as ex-colônias francesas buscam afirmar sua soberania nacional frente ao antigo colonizador que, após as independências, seguiu com forte influência econômica, política e militar na região.

O presidente do Senegal, Bassirou Diomaye Faye, em pronunciamento à nação no último dia de 2024, anunciou o fim da presença militar estrangeira no país africano.

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"Já pedi ao ministro das Forças Armadas que proponha uma nova doutrina de cooperação em defesa e segurança envolvendo, entre outras consequências, o fim de todas as presenças militares de países estrangeiros no Senegal, a partir de 2025", afirmou Faye, que já vinha defendendo o fechamento de todas as bases militares da França no país.

Anúncio semelhante fez o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, também no pronunciamento de fim de ano feito à população. Segundo Ouattara, a Costa do Marfim está disposta a assumir plenamente a gestão da sua segurança nacional.

"Nos orgulha nosso exército, cuja modernização já está em vigor. É neste contexto que decidimos pela retirada concertada e organizada das forças francesas da Costa do Marfim. O acampamento do 43º batalhão de infantaria de fuzileiros navais de Port-Bouët será entregue às Forças Armadas da Costa do Marfim a partir deste mês de janeiro de 2025", destacou o mandatário costa-marfinense.

Com isso, a Costa do Marfim se une a lista de ex-colônias africanas da França que põe fim a presença militar do país europeu nos seus territórios. Nos últimos anos, Níger, Burkina Faso, Chade e Mali também decidiram acabar com a presença militar francesa nos seus países. 

Descolonização

O professor de relações internacionais e defesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Elídio A. B. Marques, destacou que esses países da África francófona mantiveram, mesmo após as independências nos anos 1960, uma forte dependência francesa, tanto econômica, quanto militar.

"Esse poder neo-imperialista se expressou fortemente no campo militar com 'acordos de cooperação' que significavam a forte presença militar e tecnológica da França nesses territórios", explicou Elídio, acrescentando que essa situação criou um forte sentimento antifrancês na população.

Marques avalia os fracassos das intervenções militares francesas nesses países, nos últimos anos, levaram ao fortalecimento dos movimentos nacionalistas que questionam a presença militar estrangeira. 

O pesquisador do Observatório de Política Externa Brasileira (Opeb) da Universidade Federal do ABC (UFABC), Bruno Fabricio Alcebino da Silva, lembrou que foi muito criticada a Operação Barkhane, iniciada em 2014 para combater o terrorismo na região com a participação da França. 

"Em vez de reduzir a violência, a operação coincidiu com uma escalada de conflitos armados e crises humanitárias, alimentando críticas de que a França utiliza o pretexto da segurança para manter sua influência estratégica e proteger interesses econômicos na região", avaliou.

Para o especialista, esse movimento de saída dos militares franceses da África está inserido em um contexto maior de descolonização prática, em que as nações africanas buscam redefinir suas relações com antigas potências coloniais.

"A África francófona, historicamente submetida à hegemonia francesa, está agora se posicionando como um espaço de contestação e transformação em busca de maior independência política, econômica e cultural", completou.

Novos desafios

O professor da UFRJ Elídio Marques pondera que a França, e demais grandes potências, não devem observar essas mudanças de braços cruzados. "Tanto mais porque no interior da França a pressão exercida pela extrema direita e refletida concretamente pelos últimos sucessivos governos não é pequena", explicou.

Para o pesquisador da UFABC, Bruno Fabricio Alcebino da Silva, os países africanos terão grandes novos desafios daqui para frente com a saída dos militares franceses.

"O fim do neocolonialismo, seja por meios democráticos ou autoritários, é um passo essencial para a soberania africana. No entanto, a retirada das potências coloniais não encerra as disputas pelo Continente. Potências como China e Rússia, além das antigas potências coloniais, continuam a competir pela exploração de recursos naturais e influência política, desafiando a verdadeira autonomia dos países africanos", finalizou.

Entenda

Nos últimos anos, levantes ou golpes militares de cunho nacionalista assumiram o poder em países como Burkina Faso e Níger, aumentando a pressão para saída dos militares franceses da região.

Em setembro de 2023, os governos do Mali, Burkina Faso e Níger formaram um pacto de segurança e criaram a Aliança dos Estados do Sahel (AES) para se protegerem mutualmente em caso de rebeliões ou agressão externa, segundo informou a Reuters

Os países da região lutam para conter insurgentes islâmicos ligados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico. Além disso, países da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Ecowas) ameaçaram usar a força contra o Níger após um grupo militar assumir o controle do Estado, em julho de 2023.

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