Sem leitos, Belém terá de usar dois portos para cruzeiros na COP30
A dez meses da COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), em Belém, a capital paraense enfrenta desafios quanto à hospedagem. Fora da rota de cruzeiros, a cidade precisa garantir a navegação segura de dois transatlânticos, que poderão hospedar 4.500 pessoas durante o evento.
Com um déficit de 43 mil leitos, o plano inicial da organização da COP30 era utilizar navios de cruzeiro como hotéis flutuantes, atracados no Terminal Hidroviário de Belém. No entanto, as obras de dragagem da baía do Guajará, indispensáveis para viabilizar a atracagem, enfrentaram entraves e foram suspensas.
Diante desse impasse, o porto de Outeiro, localizado a 25 quilômetros da capital paraense, foi escolhido como alternativa para receber os navios. Já o Terminal Hidroviário Internacional de Belém ficará reservado para embarcações de outras categorias.
Enquanto cidades da Europa e dos Estados Unidos avançam na restrição de cruzeiros devido aos impactos ambientais, na Amazônia, cresce a preocupação com os efeitos dessa atividade sobre os ecossistemas aquáticos e as comunidades ribeirinhas.
Os rios amazônicos recebem navios de grande porte desde o século 19, com rotas tradicionaindo como principais destinos Manaus (AM) e Santarém (PA). No entanto, a capital paraense perdeu espaço nesse cenário nos últimos 15 anos, o que resultou na falta de investimentos na infraestrutura necessária para receber cruzeiros de maneira sustentável.
Estudo ambiental previne a contaminação da água e morte de peixes
A navegação segura e sustentável depende de medidas preventivas, como estudos ambientais e planos de mitigação de prejuízos. Esses cuidados são cruciais para evitar consequências como contaminação da água e morte de peixes, explica Tiago Marinho, professor do curso de Engenharia de Pesca do Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará).
O especialista cita ainda a importância da inclusão da população que usa esses rios como fonte de renda ou transporte nas discussões do projeto. "É muito importante que, por exemplo, os pescadores, que tiram do peixe a sua renda, e as comunidades tradicionais sejam ouvidos e convidados para Assembleia Legislativa ou Câmara Municipal de Belém para discutir os planos de revitalização de terminais rodoviários da cidade".
Tecnologia auxilia na prevenção de impactos ambientais
A tecnologia é aliada da prevenção dos impactos ambientais, oferecendo alternativas como a implantação de portos de menor impacto nas áreas marginais, estruturas de controle erosivo, além de ações que evitam a excessiva urbanização próxima aos rios, caracterizando uma retirada intensiva da várzea e o aterramento.
A geóloga Aline Meiguins, docente do Programa de Pós-graduação em Gestão de Risco e Desastres Naturais na Amazônia, do Instituto de Geociências da UFPA (Universidade Federal do Pará), destaca a importância de regular a navegação, garantindo segurança e monitoramento. "É Importante que a navegação seja regulada pelos órgãos responsáveis, quanto ao número de passageiros, segurança da embarcação e contato durante o transporte com pontos de apoio, de forma a relatar a possibilidade de quaisquer condições de risco".
Além disso, ela reforça que as comunidades que vivem nessas regiões insulares devem ter mecanismos de comunicação de acidentes (ou ocorrências diversas) e suporte da gestão pública para orientação quanto ao grau de exposição, principalmente nas condições climáticas adversas à navegação.
Navegação segura
Um fator importante para a navegação na região é a necessidade de planos de gestão de risco e de monitoramento da zona costeira, explica Aline. "O primeiro diz respeito principalmente aos sistemas de alerta voltados à navegação, incluindo as condições climáticas e de acidentes entre embarcações. E o segundo é voltado ao planejamento da ocupação da zona costeira do estuário, onde se concentra um grande número de embarcações que transitam entre a região insular, incluindo Marajó, ou que seguem no rio Amazonas em direção a Manaus".
A especialista também alerta ainda para a necessidade de práticos experientes e que conheçam a região, onde predominam bancos de areia, nas margens ou no fundo dos rios. "Se o prático não conhecer a região, a embarcação pode tombar, naufragar ou até colidir com outras, além de estar vulnerável a acidentes em decorrência das condições do tempo, como chuvas intensas e ventos fortes".
Responsabilidade das empresas
As empresas operadoras de cruzeiros também têm um papel crucial na prevenção de qualquer dano ocasionado pela navegação na região. Um único navio pode consumir até 304.593 litros de combustível por dia, e a emissão de CO2 por passageiro é oito vezes maior do que em terra.
"É responsabilidade dos governos cobrar das empresas a mitigação desses danos, que podem ser facilmente sanados com a compra de créditos de carbono, por exemplo. Essa é uma preocupação que não deve ficar restrita só ao uso dos navios de cruzeiro, mas em todas as obras relacionadas à COP30", alerta o professor Tiago Marinho.
A MSC Cruzeiros, responsável por parte da operação na região, informou que está em contato com as autoridades responsáveis pela COP30, mas que não pode dar mais detalhes sobre os projetos.
O governo do Pará afirmou à reportagem que todas as obras de infraestrutura passam pelo licenciamento ambiental estadual e seguem rigorosamente a legislação vigente, incluindo medidas redução de eventuais impactos decorrentes das obras e ações de mudança de árvores para novos espaços públicos da cidade que estão sendo preparados para a COP.