Aumento da Selic não é suficiente para conter inflação, dizem especialistas
O mandato de Roberto Campos Neto à frente do Banco Central foi marcado por alta na taxa de juros. Em última reunião realizada em 2024, o BC aumentou a Selic em um ponto percentual, deixando a taxa a 12,25% ao ano.
Conforme a ata do Copom (Comitê de Política Monetária), a medida foi tomada diante da alta da inflação, que alcançou 4,77% no acumulado deste ano, ultrapassando o limite de tolerância de 4,5%.
Para especialistas ouvidos pelo UOL Economia, no entanto, a medida da elevação da Selic não é suficiente para conter a alta dos preços além de causar impactos bastante negativos para a economia brasileira.
Juros mais altos vão conter a inflação?
Crédito fica mais caro. Juros mais altos encarecem financiamentos e empréstimos, dificultando o acesso ao crédito por consumidores e empresas. Esse encarecimento reduz o consumo e os investimentos, freando o crescimento econômico. A medida busca controlar a demanda, o que pode aliviar pressões inflacionárias em setores onde o crédito tem impacto significativo, como construção civil e bens duráveis.
Aumento da Selic impacta inflação por demanda. Quando a inflação é causada pelo excesso de consumo e investimento em relação ao que a economia pode produzir, juros mais altos atuam como um freio. A Selic, taxa básica de juros, influencia diretamente os custos do crédito e as decisões de consumo e investimento, tornando-se uma ferramenta eficaz contra esse tipo de inflação.
Brasil passa por uma inflação de custo. Dados recentes do IPCA-15 mostram que os preços têm subido em itens essenciais, como alimentos e bebidas (1,34%), além de categorias como despesas pessoais (0,83%) e transportes (0,82%). Esse tipo de inflação, gerada por fatores como aumento de custos de produção, é mais difícil de ser combatida apenas com altas na taxa de juros.
Selic não impacta na inflação de alimentos. O custo dos alimentos não diminui com juros elevados, pois é influenciado por variáveis como clima, safras e condições dos mercados globais. "Alimentos são uma necessidade básica, com demanda pouco sensível ao crédito. Aqui, juros altos têm pouco ou nenhum efeito direto", explica Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. No entanto, Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV, diz que uma maior massa salarial e menor desemprego fazem com que as pessoas consumam mais alimentos, o que pode aumentar a inflação.
Em despesas pessoais, como serviços, os juros podem sim reduzir a demanda, aliviando a pressão sobre os preços. Nos transportes, o impacto é mais indireto: o crédito mais caro pode desestimular a compra de veículos ou o uso de serviços financiados, mas os preços de combustíveis -- que têm grande peso nesse setor -- respondem mais a fatores externos, como o petróleo.
Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Aumento de juros não é suficiente para conter inflação. Controle dos gastos públicos, incentivo à produção por meio do governo federal, reformas estruturais, melhora da comunicação entre o BC e o executivo e restrição da oferta de crédito são outras medidas que tanto o governo quanto o Banco Central podem adotar para que não seja preciso aumentar a taxa de juros para que a meta de inflação seja cumprida.
Um aumento da Selic não resolve todos os problemas; pelo contrário, resolve cada vez menos. Tons inflacionários persistentes acabam dificultando o crédito, o que afeta negativamente as empresas que necessitam de financiamento para reinvestir nos seus negócios. Dessa forma, uma alta da taxa de juros provoca uma redução na atividade econômica e contribui para a desaceleração da economia no próximo ano.
Carla Beni, economista e professora de MBAs da FGV
Efeitos do juros mais altos
Aumento da Selic impacta no PIB. Ao encarecer o crédito, a alta da taxa Selic prejudica setores que dependem de financiamento, como construção civil, varejo de bens duráveis e pequenas empresas. Esses segmentos enfrentam maior dificuldade para investir e crescer, o que reduz o ritmo de expansão do PIB, que é a medida da produção econômica do país.
PIB desacelerado indica crescimento econômico mais lento. Uma economia que cresce menos tende a gerar menos empregos e a reduzir a renda da população. Isso resulta em menor qualidade de vida e amplia a desigualdade social.
Juros altos podem gerar déficit fiscal. Com o consumo retraído, a arrecadação de impostos pelo governo diminui, o que pode levar a um déficit fiscal. Segundo o economista André Perfeito, para equilibrar as contas, o governo pode ser obrigado a cortar investimentos, o que agrava a desaceleração da economia em um ciclo negativo contínuo.
Não faz sentido as expectativas de juros subirem sem um efeito mais claro nos dados de PIB, a não ser que se assuma tacitamente que o governo vai rodar déficits grandes e reiterados fazendo que o fiscal anule o monetário.
André Perfeito, economista
Juros mais altos, por outro lado, podem atrair investimento. "Juros mais altos podem atrair capital estrangeiro, valorizando o real, o que ajuda a reduzir o custo de produtos importados — e isso é importante em um momento de alta nos preços", diz Hugo Garbe.
Aumento da Selic é bom para investidores. Para quem investe, o aumento da Selic beneficia especialmente ativos de renda fixa, como Tesouro Selic, CDBs, e títulos indexados ao IPCA, conforme explica Felipe Uchida, sócio da Equus Capital. "Na renda variável, setores defensivos como energia, saneamento e saúde podem ser boas opções, assim como exportadoras que se beneficiam do câmbio depreciado", diz.