Jimmy Carter, um presidente atípico que recebeu Nobel por defesa dos direitos humanos
O ex-presidente americano Jimmy Carter, que morreu neste domingo (29) aos 100 anos, é lembrado como um mediador em conflitos globais, defensor dos direitos humanos e estadista, um papel que lhe rendeu o Nobel da Paz.
O presidente democrata, cujo mandato de 1977 a 1981 foi marcado pela crise dos reféns no Irã, deixou a Casa Branca após uma derrota esmagadora nas urnas para o republicano Ronald Reagan.
Considerado ingênuo e fraco nos círculos políticos de Washington, e até mesmo dentro de seu próprio partido, este fervoroso cristão evangélico da Geórgia, que deu aulas na escola dominical até os 90 anos, foi por muito tempo uma espécie de pária.
Porém, com o passar dos anos, sua imagem mudou, graças às suas atividades pós-presidência e aos seus feitos, como a negociação de um acordo de paz entre Israel e Egito.
Carter, conhecido por seu sorriso característico, focou seu mandato como o 39º presidente dos Estados Unidos nos direitos humanos, na justiça social e nos valores democráticos.
Sua política em relação à América Latina refletiu esses princípios. Sua administração denunciou os abusos das ditaduras militares no Cone Sul, retirou o apoio ao regime de Somoza na Nicarágua e comprometeu-se a devolver o Canal do Panamá aos panamenhos.
- Da fazenda à Casa Branca -
James Earl Carter Jr. - seu nome completo que raramente usava - nasceu em 1º de outubro de 1924 em Plains, Geórgia, ao sul de Atlanta, uma pequena cidade onde viveu a maior parte de sua vida.
Após sete anos na Marinha, onde trabalhou no programa de submarinos nucleares e chegou ao posto de tenente, Carter voltou para casa para administrar a fazenda de cultivo de amendoim da família.
Mas a política logo chamou sua atenção. Ele foi senador estadual na Geórgia nos anos 1960 e, em 1971, tornou-se governador. Poucos anos depois, lançou sua candidatura à presidência.
Carter chegou a Washington em 1977 para liderar um país que precisava de um líder capaz de dissipar o pessimismo deixado pela guerra do Vietnã, o escândalo de Watergate e uma profunda recessão.
Sua chegada foi cheia de promessas, e seu Partido Democrata controlava tanto a Casa Branca quanto o Congresso pela primeira vez desde 1968. Ele desfrutou de dois primeiros anos com altos índices de aprovação.
Foi quando conseguiu convencer o Senado, em 1978, a ratificar os tratados assinados um ano antes com o líder panamenho, general Omar Torrijos, para devolver o Canal do Panamá ao país latino-americano. Carter descreveu essa conquista como "a batalha política mais difícil" que já enfrentou.
- "Extraordinariamente difíceis" -
Entre os momentos de destaque de seu mandato estão os históricos Acordos de Camp David de 1978, assinados por Menachem Begin, de Israel, e Anwar Sadat, do Egito, que resultaram em um tratado de paz no ano seguinte.
Carter também estabeleceu relações diplomáticas com a China, após uma aproximação iniciada pelo governo de Richard Nixon, e negociou com o regime de Fidel Castro, em Cuba, a reabertura das sedes diplomáticas na forma de Seções de Interesses.
No entanto, o final de seu mandato foi marcado pela ocupação da embaixada americana em Teerã por islamistas radicais em novembro de 1979, e pelo fracasso da operação de resgate de cerca de 50 reféns americanos em 1980. Eles só foram libertados em 20 de janeiro de 1981, mesmo dia da posse de Reagan.
Sua gestão durante a segunda crise do petróleo, entre 1979 e 1980, também foi alvo de críticas. Imagens de filas de carros nos postos de gasolina ficaram associadas por muito tempo aos "anos Carter".
Após sua derrota eleitoral, os republicanos permaneceram 12 anos na Casa Branca, com Reagan e, em seguida, George H.W. Bush. Até hoje, poucos líderes democratas reivindicam o legado de Carter.
Em uma biografia de 2010, o historiador Julian Zelizer afirmou que Carter foi vítima de "uma série de circunstâncias extraordinariamente difíceis que desafiariam qualquer presidente".
"Ser um 'outsider' em Washington foi tanto uma bênção quanto uma maldição", escreveu Zelizer, professor da Universidade de Princeton.
- "O melhor ex-presidente" -
Mas Carter conseguiu se reinventar e ganhou o apelido de "melhor ex-presidente" dos Estados Unidos. Ao deixar o poder, aos 56 anos, iniciou um novo capítulo como líder do Centro Carter, fundado em Atlanta.
Ele supervisionou dezenas de eleições em todo o mundo, em países como México, Peru, Nicarágua, Haiti e Timor-Leste, e viajou a Cuba em 2002, onde discursou em espanhol sob o olhar atento de Castro.
Em 2002, recebeu o prêmio Nobel da Paz por "suas décadas de esforços incansáveis em favor da resolução pacífica de conflitos internacionais, do avanço da democracia e dos direitos humanos".
Carter manteve uma agenda intensa até os 90 anos. Ele e sua esposa Rosalynn ajudaram a construir casas para a organização beneficente Habitat for Humanity por décadas. O casal teve três filhos e uma filha.
Em agosto de 2015, Carter revelou que tinha câncer no cérebro e estava passando por radioterapia.
Na ocasião, refletiu sobre sua vida: "A presidência foi, sem dúvida, o auge da minha carreira política [...], mas minha vida após deixar a Casa Branca foi mais gratificante no plano pessoal", afirmou.
Quatro anos depois, durante uma celebração em 2019 em sua igreja batista em Plains, compartilhou que pensava que morreria rapidamente.
"Eu não pedi a Deus para viver mais, mas pedi para ter uma atitude digna diante da morte. E percebi que estava completamente em paz com ela", disse.
Carter foi o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a alcançar 100 anos de idade.
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