'Serviço funerário agora é negócio', diz Ricardo Nunes sobre privatização
Mais confiante após receber 3,3 milhões de votos no segundo turno das eleições, o prefeito reeleito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), defendeu de forma enfática as concessões realizadas em seu primeiro governo. Em entrevista ao UOL (leia aqui a primeira parte), ele prometeu ampliar as parcerias com a iniciativa privada, classificadas como "exitosas", e dar atenção especial à área da educação, a única sobre a qual diz "não estar satisfeito".
Em uma hora e meia de conversa, Nunes também rebateu as críticas recorrentes em relação a mudanças na lei do magistério, à construção de um túnel na Vila Mariana e à privatização do serviço funerário na cidade.
"Agora, nós estamos falando de um negócio. E esse negócio fica bom quando é bom para o poder público e para o privado. O cara não vai fazer uma doação, ele vai fazer um investimento para poder ter o retorno", afirmou, em relação às concessionárias que assumiram a gestão dos cemitérios municipais.
A 13 dias de tomar posse para mais quatro anos de gestão, Nunes desconversa sobre o futuro, mas já sinaliza a intenção de fazer o seu sucessor e trocar o comando do Edifício Matarazzo pelo Palácio dos Bandeirantes. Sempre em parceria com o governador Tarcísio de Freitas.
Confira abaixo um resumo da conversa, com os principais temas, perguntas feitas e respostas dadas pelo prefeito:
O senhor está satisfeito com o serviço prestado pelas concessionárias que assumiram o serviço funerário?
Primeiro eu tenho que dizer que esse era o pior serviço da prefeitura. E hoje está melhor.
Essa é a avaliação do senhor? Há alguma pesquisa que mostre essa percepção de melhora por parte da população? Porque as reclamações são inúmeras, desde descumprimento da tabela até retomada de jazigos sem aviso prévio.
Tá melhorando. Veja as agências funerárias. A gente tinha 14 antes, e hoje são 40 e poucas. Carros eram 20. Hoje são cerca de 80. Agora, vai resolver de uma hora para a outra? Não tem como, porque tem etapas, né?
Então o senhor reconhece que o serviço prestado ainda não está bom. E tem alguma proposta para acelerar esse processo?
Há uma negociação com as concessionárias para anteciparmos o prazo final de reforma dos cemitérios, que está previsto para 2027. Daí, em troca, eu jogo o pagamento da outorga variável (parcela durante a vigência do contrato) lá para frente. Agora, nós estamos falando de um negócio. E esse negócio fica bom quando é bom para o poder público e para o privado. O cara não vai fazer uma doação, ele vai fazer um investimento para poder ter o retorno.
O senhor vai recorrer novamente sobre a decisão da Justiça de barrar a obra do túnel da rua Sena Madureira, apesar do protesto dos moradores?
Aquela obra tem que acontecer. Está inserida em um projeto que interliga a Avenida Domingos de Morais à avenida Doutor Ricardo Jafet. Tem licença ambiental, tudo, desde lá de trás.
Esse, aliás, é um dos argumentos de quem é contra. A licença ambiental é antiga e o túnel já nasce velho diante das novas demandas da cidade.
Olha, é meia dúzia que discorda. A maioria apoia. A gente tem que fazer obras para melhorar o trânsito dessa cidade. Não vou desistir, vou até a Corte de Haia, se preciso.
E as pessoas que terão suas casas desapropriadas? Vão para onde?
Elas vão para um lugar melhor que estão hoje. Vou dar uma indenização ou mesmo dar outra casa para os moradores. Fui eu que aprovei, aliás, a possibilidade de indenizar famílias de áreas invadidas. É uma obra importante para a cidade e eu vou fazer.
Essa avaliação é muito relativa para quem mora ali há 40 anos, não acha?
Qualquer pessoa que more em um local que seja de interesse público está sujeita a uma desapropriação. Pode morar há 40 ou 200 anos ali. Isso é falta de espírito público. Poxa, vai lá às seis horas da tarde para ver o trânsito. Se a gente tem condições e dinheiro para fazer com que as pessoas fiquem menos tempo no carro, por que não? Eu tive mais de 3 milhões de votos para representar a população.
O senhor cancelou a parceria anunciada para o Largo da Batata, em Pinheiros. Por quê?
A empresa (PepsiCo) anunciou termos diferentes da parceria prevista. Em nenhum momento autorizamos a mudança de nome do Largo da Batata. Era para ser a adoção de uma praça apenas, que é um processo cotidiano. O que eles queriam fazer ali é outra coisa e exige aval da CCPU (Comissão de Proteção à Paisagem Urbana). Temos esse modelo de revitalização do espaço público, mas ele exige chamamento público, projeto etc.
Sobre a Enel, o senhor tem planos de enterrar parte da fiação da cidade neste segundo mandato para evitar apagões?
A gente não conseguirá avançar no enterramento de fios enquanto a Enel cobrar preços absurdos. Pagamos R$ 29 milhões na avenida Santo Amaro. Já pedi para entrarmos com outra ação judicial para enfrentar essa questão, que é impossível de resolver internamente apenas.
O senhor já anunciou que vai ceder a gestão de parte das escolas à iniciativa privada. Como seria?
Eu vou levar o modelo de parceria que fizemos com o colégio Liceu Pasteur para as 50 piores escolas da cidade segundo o Ideb. Vamos fazer um chamamento público para que alguma organização educacional assuma a gestão. Minas Gerais já fez, o Paraná já fez, eu já fiz. Todas as experiências são positivas. Estamos estudando o modelo. Pode ser uma espécie de recuperação no contraturno, por exemplo, comandada por uma entidade, ou mesmo a concessão, como é no Liceu.
A Câmara Municipal aprovou uma alteração da lei do magistério proposta pelo senhor que tira o direito do professor escolher o turno que leciona. Por quê?
Porque o foco é o aluno. Eu preciso ter uma rede onde o objetivo de todo mundo seja o aluno. Vamos continuar valorizando a educação —dei 44% de aumento aos professores e ampliei também o bônus—, mas temos de corrigir alguns pontos. Temos de manter o professor na sala de aula e hoje 10 mil estão afastados.
A intenção é fazer com que o professor cumpra 40 horas semanais na rede?
Não, necessariamente. A gente não tem como tratar isso de forma igual e uniforme para tudo. Você tem situações específicas. Vamos pegar, por exemplo, a região onde eu tenho as cem piores escolas do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Ali eu preciso de um plano. A mesma coisa faremos para alcançarmos o índice de alfabetização ideal no segundo ano. As escolas que alcançarem as metas serão premiadas.
Para isso precisa manter o professor na escola?
E diretores. Temos diretores hoje que são ótimos do ponto de vista do conhecimento (pedagógico), mas não do ponto de vista da gestão. Eu tenho de ter liberdade para fazer trocas e o projeto me dá isso.
Isso inclui mudar o secretário que comanda a pasta de educação?
A permanência de Fernando Padula ainda não está definida. Ele me apresentou um plano para a questão pedagógica, que eu estou avaliando. Mas, mesmo que não mude o secretário, vai mudar a forma de gestão e a cobrança. Não estou satisfeito.
Vai implementar escolas cívico-militares na rede?
A melhor escola do país, que tem o melhor Ideb do Brasil, é uma escola militar do Rio. E eu pretendo ter todas as oportunidades à disposição da rede. Mas essa não é uma prioridade.
Quais outras concessões o senhor estuda para o segundo mandato?
Vamos continuar sendo a cidade que mais tem concessões e PPPs (Parcerias Público-Privadas) no Brasil. Os projetos do segundo mandato incluem o Parque Dom Pedro, a Esplanada da Liberdade, o boulevard do Masp e o VLT do centro. E dentro desse contexto, as oportunidades que vierem surgindo para a cidade, a gente tem uma resposta rápida. O mundo hoje é muito dinâmico.
Considera que a presença de Tarcísio na campanha ajudou em sua vitória ou foi a rejeição de Guilherme Boulos que te levou à vitória?
Foi o meu trabalho. Se a disputa fosse contra o Pablo Marçal a diferença seria maior ainda, tenho certeza.
Quais as prioridades para o segundo mandato? A reforma tributária vai prejudicar muito o caixa da prefeitura ou ainda terá margem alta para investimentos?
A reforma vai reduzir a receita de ISS, sim, mas teremos gás total para o segundo mandato. Vamos ter muitas novas concessões, privatizações, PPPs, investimentos. E eu vou fazer o meu sucessor.
O senhor pensa em se candidatar ao governo do estado?
Não (risos).
Mas haverá um gap nessa programação, né? Se o Tarcísio sair para a disputa presidencial em 2026, por exemplo?
Não. Se ele sair para presidente, vai ser eleito e eu vou ser ministro dele entre 2029 e 2030, quando sairei para governador (risos). Mas ficarei à frente da prefeitura até o fim do mandato, em 2028.