'Não há nada o que conversar' com Trump sobre Canal do Panamá, diz presidente panamenho
O presidente do Panamá, José Raúl Mulino, afirmou, nesta quinta-feira (26), que não negociará nenhuma mudança com os Estados Unidos em relação ao canal interoceânico em seu país, após o presidente eleito americano Donald Trump ameaçar retomar a operação da via comercial.
Mulino também descartou baixar o preço dos pedágios para os navios americanos no canal e negou que a China tenha qualquer influência nessa via de 80 km de extensão, sob soberania panamenha desde 31 de dezembro de 1999.
"Não existe nenhuma possibilidade, por parte deste presidente, de discutir algo que busque reavaliar a realidade jurídico-política do Canal do Panamá nas mãos dos panamenhos. Se essa for a intenção da conversa, não há nada o que conversar", declarou Mulino em sua coletiva de imprensa semanal.
"O canal é panamenho e dos panamenhos, não existe possibilidade de abrir qualquer tipo de conversa sobre essa realidade, que custou lágrimas, suor e sangue ao país", acrescentou.
O Canal do Panamá, construído pelos Estados Unidos e inaugurado em 1914, foi transferido para as mãos panamenhas em 31 de dezembro de 1999, em virtude de tratados assinados em 1977 pelo então presidente americano Jimmy Carter e pelo líder nacionalista panamenho Omar Torrijos.
No sábado, Trump ameaçou retomar o controle do canal caso o preço dos pedágios para os navios americanos não fosse reduzido, apesar de a tarifa paga pelos navios ser determinada por sua capacidade e carga transportada, e não pelo país de origem.
"As tarifas que o Panamá cobra são ridículas (...) Este completo roubo ao nosso país vai cessar imediatamente", declarou Trump.
- EUA pagava "uma miséria" -
Mulino também rejeitou qualquer alteração nos pedágios nesta quinta-feira.
"No canal, os pedágios não são definidos ao gosto do presidente nem do administrador [da via interoceânica]. Existe um processo estabelecido para fixar os pedágios do canal, que tem sido respeitado desde o primeiro dia até hoje, sendo um processo público e aberto", afirmou.
A via, com 80 km de extensão, liga o Oceano Pacífico ao Atlântico. Os Estados Unidos, com 74% da carga, e a China, com 21%, são seus principais usuários. Seguem-nos o Japão, a Coreia do Sul e o Chile.
As tarifas pagas pelas embarcações pelo uso da via são estabelecidas pela Autoridade do Canal do Panamá, um ente público panamenho autônomo, com base nas necessidades do calado e na demanda do comércio internacional.
O sistema de pedágio "se diferencia por segmento de mercado, não importa o país de origem, o de destino, nem o de registro do navio", explicou à AFP o ex-gerente do canal, Jorge Quijano.
"Todo aumento dos pedágios e tarifas ao trânsito de navios deve ser analisado com base na nossa competitividade como país", acrescentou.
O canal representa 6% do PIB do Panamá. No último ano fiscal, passaram por ele mais de 11.200 embarcações, com 423 milhões de toneladas de carga, aportando ao Fisco 2,47 bilhões de dólares (R$ 15,2 bilhões, na cotação atual).
Desde 2000, o canal destinou ao erário panamenho mais de US$ 28 bilhões (R$ 172,6 bilhões), muito mais que nos 85 anos de administração americana (cerca de 1,9 bilhão de dólares ou R$ 12 bilhões).
"Era uma miséria o que nos pagavam como país até 1999", ressaltou Mulino.
Quijano informou que os americanos "se beneficiaram amplamente do canal, agora nestes quase 25 anos de administração panamenha, o que o canal busca é que seus benefícios sejam para os panamenhos".
- "Não há soldados chineses" -
O canal, por onde transitam 5% do comércio marítimo mundial, liga mais de 1.900 portos em 170 países. No último ano, 52% dos navios tinham portos dos Estados Unidos como origem ou destino.
O presidente panamenho também repudiou as acusações de Trump sobre uma suposta interferência chinesa na rota comercial, chegando a afirmar que há soldados chineses operando ilegalmente o canal.
"Não há absolutamente nenhuma interferência ou participação chinesa em nada relacionado ao Canal do Panamá (...); não há soldados chineses no canal, pelo amor de Deus", disse Mulino.
"Podem ser temores geopolíticos que tenham alguma validade na perspectiva deles, mas no que diz respeito ao Panamá, isso não tem absolutamente nenhuma veracidade", concluiu.
O Panamá estabeleceu relações diplomáticas com a China em 2017, após romper com Taiwan, uma decisão criticada por Trump em seu primeiro mandato (2017-2021).
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