'Há 100% de chances de que volte a acontecer', alerta oceanógrafo da Unesco nos 20 anos do tsunami
Em 26 de dezembro de 2004, um forte terremoto ocorreu no Oceano Índico. O tsunami que se seguiu matou pelo menos 220.000 pessoas, de acordo com um número oficial, mas sem dúvida subestimado. Ouvido pela RFI, o especialista em tsunamis da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, Bernardo Aliaga, falou sobre a importância de manter viva a memória da catástrofe, deu conselhos e apontou as principais falhas que levaram à tragédia.
Em 26 de dezembro de 2004, um forte terremoto ocorreu no Oceano Índico. O tsunami que se seguiu matou pelo menos 220.000 pessoas, de acordo com um número oficial, mas sem dúvida subestimado. Ouvido pela RFI, o especialista em tsunamis da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, Bernardo Aliaga, falou sobre a importância de manter viva a memória da catástrofe, deu conselhos e apontou as principais falhas que levaram à tragédia.
Primeiro vieram os tremores de terra, depois o horror. Pouco antes das 8h (hora local) do dia 26 de dezembro de 2004, a terra tremeu em Banda Aceh, no norte da Indonésia. O terremoto de mais de 9 graus na escala Richter foi registrado em alto mar, a 250 quilômetros de distância. Trinta minutos depois, ondas de mais de 30 metros atingiram a cidade. Prédios, carros, transeuntes - o tsunami gigante varreu tudo em seu caminho.
Foi o desastre natural mais mortal da história e um dos piores da humanidade. O trauma ainda está muito presente na Tailândia, no Sri Lanka e na Indonésia, os países mais afetados, onde pelo menos 170.000 pessoas morreram.
Bernardo Aliaga, especialista em tsunamis da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, fala sobre a importância de manter viva a memória da catástrofe. "Nossa memória se apaga com o tempo. É preciso um trabalho contínuo para lembrar às gerações, antigas e futuras, da tragédia. A primeira regra a aprender é que onde teve um tsunami haverá outro tsunami, há 100% de probabilidade", alertou à RFI.
O especialista em tsunamis da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, Bernardo Aliaga, também aponta para a falta de preparação de 20 anos atrás. Ele lembra "a falta de cooperação entre as agências", especialmente entre os cientistas e os responsáveis pelo gerenciamento de desastres.
"Em 2004, não havia nada no Oceano Índico, nem no Mediterrâneo. O tsunami no Oceano Índico provocou um aumento nessa cooperação. Não foi apenas a cooperação internacional e humanitária que foi posta em prática, mas também a cooperação política e científica (...) com o nobre objetivo de salvar vidas", afirma.
Cinco minutos hoje para detectar um terremoto
Bernardo Aliaga acredita que "reconhecer os sinais de alerta" e "fazer exercícios [de simulação]" para evacuar as pessoas são essenciais: "Se você estiver na costa e um terremoto fizer você cair de joelhos no chão, ou se o tremor for muito longo - mais de um minuto - você tem que correr porque em 10 ou 12 minutos você terá a primeira onda, e ela não será a mais perigosa. A segunda ou terceira onda, 20 a 30 minutos depois, serão realmente perigosas. Por isso, você deve correr para um lugar alto imediatamente", insiste o especialista.
"Hoje estamos muito melhor preparados contra um tsunami em todas as partes, no Pacífico, Índico e Mediterrâneo. Países como Portugal, Grécia, Itália e Espanha estão muito melhor preparados. Na Europa, há uma comunidade que se chama Rede Tsunami, mas tem também estruturas em Galápagos, Costa Rica, Equador, El Salvador. Se compararmos tecnicamente com o que houve em 2024, estamos muito melhor preparados", acredita. "De 50 minutos a uma hora para dar um alerta desse tipo, passamos para 5 a 7 minutos. De 150 sismógrafos para detectar um terremoto disponíveis na rede mundial, passamos a alguns milhares", explicou.
"Cheiro de carniça"
Há 20 anos, a onda de choque se alastrou rapidamente. Pouco menos de duas horas após o terremoto, as costas do Sri Lanka, da Birmânia e da Tailândia foram atingidas, especialmente na região turística de Phuket, na Tailândia. Várias testemunhas relataram o horror aos jornalistas da RFI presentes no local em 2004: "Foi o barulho que nos alertou. Quando saímos para ver o que era aquele estouro enorme, já era tarde demais. Não havia nada que pudéssemos fazer", confidenciou uma delas. Um outro morador acrescentou, na época: "Há pessoas mortas por toda parte, ao longo das estradas. Os corpos foram levados pela água".
Índia, Bangladesh, Cingapura.... As ondas atingiram praias tão distantes quanto a Tanzânia, trazendo a morte com elas. Mas foi em Banda Aceh que os danos foram mais graves. No dia seguinte ao tsunami, a correspondente da RFI, Jocelyn Grange, relatou o caos: "A situação dentro da cidade não é tão catastrófica quanto ontem, quando várias centenas de corpos estavam espalhados pelas calçadas. Ainda há muitos corpos nas ruas. E há também o cheiro de carniça...", constatou.
A falta de água, de alimentos e as epidemias fizeram com que a tragédia durasse mais do que o próprio desastre. Além dos mais de 220.000 mortos, dois milhões de pessoas ficaram desabrigadas.
Ausência de sistemas de alerta
O trauma nunca desapareceu para aqueles que viveram o tsunami de 2004. O morador Pradeep Kodippilii declarou que "o sofrimento está em toda parte. As pessoas falam sobre aquele momento chorando". O cingalês comemorava o Natal na casa de sua esposa, em um vilarejo a poucos quilômetros da costa, quando ocorreu a tragédia. "Lembro-me daquele dia, a manhã de 26 de dezembro. Minha mãe me ligou e disse: 'Aconteceu algo no mar'".
Praddep Kodippilii correu então para a casa de sua mãe, à beira-mar. "Ouvi um barulho... O rugido abafado do mar, como o de um avião de caça. E então me virei. Fui arrastado, minhas pernas se quebraram, mas consegui pegar uma pá. Um de meus amigos, que tentou escapar, morreu. Bem ali, diante de meus olhos", testemunhou.
O tsunami mudou a vida de Kodippilii: nos últimos 20 anos, ele vem trabalhando na prevenção no Centro de Gerenciamento de Desastres Naturais do Sri Lanka. Em 2004, a falta de um sistema de alerta eficaz e de conscientização do público custou centenas de milhares de vidas.