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Natal é celebrado com tristeza em Belém; em rara ocasião, data coincide com início do Chanucá judaico

25/12/2024 08h46

Apesar do silêncio nas ruas de Belém, sem pinheiros ou decorações, em solidariedade às vítimas da guerra na Faixa de Gaza, uma missa foi celebrada à meia-noite na cidade em que nasceu Jesus Cristo, na Cisjordânia. Coincidentemente, na data em que os cristãos comemoram o Natal neste ano, os judeus celebram o primeiro dia do Chanucá, a "festa das luzes". 

Henry Galsky, correspondente da RFI em Israel 

O Natal em Belém não está sendo o mesmo neste ano. Assim como já ocorreu no final de 2023, a cidade de Jesus Cristo recebe menos turistas. Não há festas nas ruas, nem clima festivo, devido à guerra entre Israel e o grupo Hamas, que continua na Faixa de Gaza.  

A missa de Natal da meia-noite foi celebrada na Basílica da Natividade onde, segundo a tradição cristã, Jesus teria nascido. No entanto, apesar dos cânticos, o clima não era de confraternização entre os fiéis. 

Em sua homilia, o patricarca de Jerusalém, Pierbatista Pizzaballa, prestou homenagem à população do enclave palestino. "Penso em nossos irmãos e irmãs de Gaza, renovo minhas preces de solidariedade. Vocês não estão sozinhos", declarou.

Pelo segundo ano consecutivo, a prefeitura de Belém anunciou que não realizará as tradicionais celebrações de Natal. Apesar disso, o brasileiro Jovelino Gomes de Sousa, que trabalha com adultos e crianças autistas em Israel, foi à cidade com mais cinco amigas. "Pretendo aprender algo sobre o nascimento de Jesus Cristo em Belém", disse à RFI

Guerra prejudica o turismo

Segundo a prefeitura de Belém, cerca de 20% dos 215 mil moradores da cidade vivem do turismo, setor diretamente afetado pela guerra. Ao menos 70% da economia local depende dos visitantes. 

Cerca de dois milhões de turistas costumavam visitar Belém anualmente, principalmente no período do Natal. Mas, como ocorreu em 2023, a realidade atual está bem distante dos anos anteriores. A Praça da Manjedoura, em frente à Basílica da Natividade, está praticamente deserta, e as lojas de souvenir, fechadas.

De acordo com relatório publicado pelo Banco Mundial, quase 500 mil palestinos que vivem na Cisjordânia perderam seus empregos desde o início da guerra. A projeção é de que o ano termine com uma contração econômica que pode chegar a 9,6% no território controlado pela Autoridade Palestina (AP), reconhecida pela comunidade internacional. 

Belém foi uma cidade ocupada por Israel até 1995, quando passou ao controle militar e civil da AP. Em 1948, os cristãos representavam 85% da população da cidade; hoje, são apenas 11%.

Presépio de artistas de Belém causa polêmica

No início de dezembro, o Vaticano decidiu expor um presépio que mostrava o menino Jesus deitado sobre um kefieh, o tradicional lenço palestino. A obra chamada de "Natividade de Belém 2024" foi criada por dois artistas da cidade, Johny Andonia e Faten Nastas Mitwasi.

Na inauguração, o papa Francisco declarou que a cena serviu como um lembrete para aqueles que "sofrem a tragédia da guerra na Terra Santa e em outras partes do mundo". O sumo pontífice também condendou a indústria de armas, "que prospera na guerra e na morte". 

Dois dias depois, o lenço foi retirado. Segundo o portal Crux, dedicado à cobertura jornalística do Vaticano e da Igreja Católica, a obra foi interpretada como uma "declaração pró-palestina" que "foi mal recebida pelas comunidades israelense e judaica". 

Institucionalmente, o papa costuma ser cauteloso ao abordar conflitos, mas recentemente têm feito críticas diretas à campanha militar israelense. Em novembro, chegou a dizer que a comunidade internacional deveria estudar se havia um genocídio em curso na Faixa de Gaza, declaração que foi condenada por Israel. Na semana passada, o religioso fez afirmações sobre a guerra que também irritaram o governo israelense.

Israel responde ao Papa

Em uma carta aberta publicada pelo jornal italiano Il Foglio, o ministro israelense de Assuntos da Diáspora, Amichai Chikli, fez críticas duras às declarações de Francisco, acusando-o de divulgar um "libelo de sangue" contra Israel. O termo teve origem na Idade Média e é usado para designar a acusação falsa de que os judeus usavam sangue de crianças cristãs em rituais religiosos. 

Matheus Alexandre, sociólogo e pesquisador sobre antissemitismo contemporâneo, explica que, nos dias atuais, "a acusação se manifesta de forma a retratar judeus - 'sionistas' ou 'Israel' - como pessoas que matam por prazer ou por pura maldade, muitas vezes sugerindo que há um gosto pelo assassinato indiscriminado". 

"Penso que a ação do papa pode ser interpretada como algo que vai além do 'libelo de sangue'. Há, como pano de fundo, uma possível atualização do antigo mito do deicídio em que os judeus foram historicamente acusados de matar Jesus. Nesse caso, Jesus é simbolicamente reimaginado como uma criança palestina", avalia o sociólogo.

Em duas ocasiões, o sumo pontífice disse que em Gaza "não ocorre uma guerra, mas crueldade", em referência aos ataques israelenses. 

Israel, por sua vez, respondeu de forma oficial. "Crueldade é terroristas que se escondem atrás de crianças enquanto tentam matar crianças israelenses", indica um comunicado enviado pelo Ministério das Relações Exteriores, que também menciona os cem reféns do país mantidos em cativeiro pelo grupo Hamas. 

Chanucá e Natal no mesmo dia

Pela primeira vez desde 2005, o Natal e o início do Chanucá, "a festa das luzes" judaica, caem em 25 de dezembro. O fenômeno foi registrado apenas cinco vezes desde 1900. Trata-se de uma coincidência, uma vez que o calendário hebraico é lunar, diferente do calendário gregoriano, também conhecido como cristão ou ocidental. 

No Chanucá, os judeus se recordam da vitória dos macabeus sobre os gregos, que profanaram o templo judaico de Jerusalém - o mesmo do qual Jesus expulsou os vendilhões como narrado no Novo Testamento - no ano de 165 A.C. No local, havia a menorá, um candelabro, que deveria permanecer acesa. No entanto, após a profanação do local, não havia óleo suficiente, e a luz da menorá se apagaria em um dia. Mas, graças a um evocado milagre, a chama continuou ativa por mais oito dias, prazo suficiente para que se produzisse mais óleo. 

Em função disso, os judeus lembram da data acendendo diariamente a chanukiáh, um candelabro de oito braços em referência ao milagre dos oito dias. A cada dia de Chanucá, uma vela é acesa.

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