Pai de baleada no RJ diz que agentes o acusaram de atirar: 'Nem arma tenho'
O pai da jovem baleada na cabeça durante uma operação da PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Duque de Caxias (RJ) disse que, após a família ser alvo de disparos, foi acusado por agentes de ter atirado contra uma viatura.
Os policiais foram afastados preventivamente de todas as atividades da corporação. Juliana Leite Rangel, 26, está internada em estado gravíssimo.
O que aconteceu
A família de Juliana seguia pela BR-040 a caminho de Niterói (RJ) para a ceia de Natal. "A gente viu a polícia e a gente até falou 'vamos dar passagem'. A gente deu e eles não passaram, pelo contrário, eles começaram a mandar tiro em cima da gente. Foi muito tiro, gente, foi muito tiro, muito mesmo", disse Deyse Rangel, mãe da jovem, à TV Globo.
"Já foram metendo bala em cima do meu carro", disse o pai da jovem, Alexandre Silva Rangel, 53, em um vídeo que circula nas redes sociais. Ele, que dirigia o veículo, contou que, assim que ouviu a sirene da viatura, deu seta imediatamente indicando que iria encostar o carro.
"Eles desceram falando: 'você atirou no meu carro por quê'? , contou Alexandre à TV Globo. "Eu falei: 'nem arma eu tenho, como é que eu atirei em você?'", completou. O pai de Juliana dirigia o veículo. Um tiro atingiu seu dedo de raspão.
Os policiais confirmaram que fizeram os disparos, segundo a Globonews. Em nota, a PRF lamentou o episódio e informa que "acompanha a situação e presta assistência à família da jovem" e que colabora com as investigações.
A PF (Polícia Federal) anunciou hoje feira que abriu investigação sobre a abordagem. A corporação diz em nota que foi acionada pela PRF e que fez a perícia do local, coletou depoimentos dos agentes e vítimas e apreendeu as armas para perícia técnica criminal.
O afastamento preventivo dos agentes de todas as atividades operacionais foi determinado pela Corregedoria-Geral da PRF, em Brasília. A informação foi confirmada hoje (25) pela assessoria da corporação.
Caso ocorreu no mesmo dia do decreto que regula força policial
A estudante foi baleada no mesmo dia em que o governo federal publicou um decreto que regulamenta o uso da força policial em todo o país. Assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o texto reúne um conjunto de regras de conduta para os profissionais de segurança pública.
O decreto prevê que a arma de fogo só pode ser usada como último recurso pelos policiais. Também proíbe o uso de armas contra pessoas desarmadas em fuga ou veículos que desrespeitem bloqueios policiais em via pública, como aconteceu com o músico Evaldo Rosa, fuzilado no Rio em 2019. A exceção é se houver risco ao profissional de segurança ou a terceiros.
Decreto não muda realidade, dizem especialistas
Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que as normas não mudam as realidades dos estados. "Muito do que está colocado no decreto está colocado nos protocolos das polícias. A polícia não pode atirar a esmo, a polícia não pode atirar sem que haja uma necessidade efetiva. A lei, embora não tenha um poder de forçar as polícias a atuarem dessa forma, tem o poder de sensibilizar a sociedade e se mais um instrumento legal para cobrar instituições policiais", afirma Rafael Alcadipani, professor da FGV-SP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Para Alcadipani, o caso do Rio se enquadra no decreto. Ele destaca, contudo, que os agentes envolvidos já responderão pelo Código Penal.
Houve um abuso flagrante do direito deles de atuar, do uso da força, mas eles já vão responder pelo Código Penal. O decreto fortalece, uma vez que é voltado fundamentalmente para a Polícia Rodoviária Federal, para a Polícia Federal e para a Força Nacional. Mas o Código Penal é a lei mais importante, uma vez que o decreto não tem uma punição colocada. Rafael Alcadipani, professor da FGV-SP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Decreto não traz novidade, diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz. Segundo ela, as novas regras são uma atualização de uma portaria de 2010, que também tratava do uso da força policial." Foi criado um grupo de trabalho com representantes de diferentes polícias do governo, da sociedade civil, para fazer essa atualização", afirma ela. "A publicação no formato de um decreto é um pouco mais forte do que se fosse uma portaria, mas não tem nenhuma grande novidade".
Governo federal tem "obrigação de regular o uso da força policial", afirma Samira Bueno diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "Durante a gestão [Flávio] Dino e agora finalizada com Lewandowski, a Secretaria Nacional de Segurança Pública entendeu que precisava de uma regulamentação da legislação e, mais do que isso, decidiu atualizá-la diante dos novos desafios que o Brasil enfrenta."
Entenda em detalhes o decreto sobre o uso da força
Documento foi elaborado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, do ministro Ricardo Lewandowski. As novas regras estabelecem que não é legítimo o uso de arma de fogo em duas circunstâncias: contra pessoa em fuga desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou lesão para policiais ou terceiros.
O decreto também prevê que não é legítimo o uso de arma contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública. A exceção é para quando houver risco de morte ou lesão.
Profissionais de segurança pública devem priorizar "comunicação, a negociação e o emprego de técnicas que impeçam uma escalada da violência", diz o documento. A pasta será responsável por financiar ações para implementação do decreto, formular e monitorar ações relacionadas ao uso da força policial.
Diretrizes não são imposições aos estados —entes responsáveis pela segurança pública e pelo comando das polícias militares. As ações, segundo o governo federal, são uma tentativa de padronizar a política pública de segurança.
Repasses para os fundos de segurança pública estarão condicionados ao cumprimento das diretrizes pelos estados. O Ministério da Justiça deve criar um Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força para acompanhar os resultados das novas diretrizes.
*Com informações da Agência Estado