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"Sou mãe de três e não consigo arrumar emprego, os horários não batem"

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Imagem: GettyImages
do UOL

Hysa Conrado

Colaboração para o UOL, em São Paulo

25/12/2024 05h30

"Quem vai ficar com as crianças?" Este é o tipo de pergunta que Patrícia Soares, 30, costuma ouvir durante as entrevistas de emprego das quais participa. Ela tem três filhos com idades entre 6 e 9 anos e está há um ano desempregada. Além de enfrentar o estigma da maternidade no mercado de trabalho, a responsabilidade pelos afazeres domésticos também a impede de se recolocar profissionalmente.

Como mãe e estudante, eu prezo por uma vaga em home office. Seria muito mais viável que uma presencial, mas mesmo assim ter filho dificulta na hora das entrevistas de emprego. Se você for uma mãe – solo, isso pesa mais ainda.
Patricia Soares, mãe de três filhos e desempregada

O que aconteceu

Mulheres negras são as principais afetadas. A história de Patrícia se assemelha a de outras 2,5 milhões de mulheres que não conseguem trabalhar porque são responsáveis por cuidar de parentes ou de tarefas domésticas, segundo dados de 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que também indicam as mulheres negras, grupo formado por pretas e pardas, como as principais afetadas.

Patrícia é um exemplo das dificuldades enfrentadas pelas mães. No caso de Patrícia, ela ingressou em um curso de administração na modalidade de ensino à distância, mas as dificuldades permaneceram mesmo com o acesso à capacitação profissional. "Fiquei sete anos fora do mercado por causa dos filhos, depois consegui um estágio quando estava na faculdade e fiquei um ano e meio. Mas é complicado, porque é caro pagar alguém para ficar com meus filhos", afirma.

Trabalho invisível

Este trabalho que envolve o cuidado com o lar e a família ainda hoje é visto como uma obrigação das mulheres. No entanto, apesar de parecerem invisíveis ou apenas uma parte da rotina, essas atribuições demandam grande parte do tempo delas. Segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas), as brasileiras dedicam até 25 horas por semana aos afazeres domésticos, enquanto os homens dedicam cerca de 11 horas.

Mulheres ficam sobrecarregadas e muitas sem trabalho remunerado. Essa demanda de tempo também as desvia do trajeto para usufruir plenamente dos direitos socioeconômicos, como a oportunidade de um trabalho remunerado e o acesso à educação que as levaria ao desenvolvimento social. Patrícia diz que, nesses casos, apenas a assistência financeira que poderia ser empregada como uma política pública não é suficiente.

"No meu ponto de vista, era preciso um projeto que viabilizasse que as mães pudessem trabalhar meio período no horário em que seus filhos estão na escola, para que elas pudessem também ter a dignidade de ter o seu dinheiro para poder cuidar deles", afirma.

Desigualdade racial agrava situação das mulheres negras. A socióloga e historiadora Elizabeth Viana diz que, apesar de ser uma questão que envolve as mulheres como um todo, é constante que essa desigualdade de gênero esteja articulada com a raça, afetando principalmente mulheres negras. Além disso, mesmo sem uma ocupação formal, é este trabalho de cuidado desempenhado por elas que contribui para a manutenção econômica e do núcleo familiar.

"Fica em casa uma mãe que já é uma avó jovem, com seus 38 anos, que vai cuidar dos netos e sobrinhos. Essa mulher tem inúmeras jornadas. Muitas vezes ela está tomando conta dessas crianças e fazendo bolo para fora, vendendo salgadinho de casa", diz.

Alternativas para gerar renda não são suficientes. Essas alternativas encontradas para gerar renda, na maioria das vezes, não são suficientes para que o dinheiro possa ser empregado em favor delas mesmas. "Isso nem entra como uma estatística de vendedora porque é muito pouco. É como se fosse o bastante para fazer uma feira ou comprar itens básicos, como pão ou um quilo de carne", declara Elizabeth.

A falta de remuneração justa que recai sobre esse trabalho de cuidado com o lar e a família afasta as possibilidades de manutenção da autoestima, da vida social e espiritual.

"Ela está trabalhando, mas, muitas vezes, a comunidade ou até a própria família não enxerga isso. Mesmo dentro de casa, essa mulher pode querer ir à missa, ao candomblé, estando vestida direitinho, com a sua sandália, a sua roupa. Por que, caso contrário, ela se torna aquela pessoa que apenas acorda e dorme. Quando essa saúde mental, espiritual e econômica é negligenciada, essas mulheres acabam ficando invisíveis até para o próprio grupo social", afirma Elizabeth.

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