ONG paga empresa de réu por tráfico com dinheiro de emenda parlamentar
Uma ONG usou recursos de emendas parlamentares para pagar quase meio milhão de reais a uma empresa que está em nome de um procurado pela Justiça em processo em que é réu por tráfico de drogas.
Os três pagamentos — que somam R$ 417 mil — foram realizados entre agosto e novembro pela ONG Promacom à MPM Gestão em Administração em troca de materiais esportivos, eventos e publicação de dados em projetos de esporte e castração de animais.
Em maio, segundo registro na Junta Comercial do Rio, Josué Henrique de Lima dos Santos, 24, adquiriu a firma, com capital social de R$ 10 mil, como único sócio.
Desde agosto de 2021, ele é réu por tráfico de drogas em Quissamã, no interior do RJ. À época, foi preso, segundo a PM, vendendo cocaína a um usuário próximo a um quiosque, no bairro Piteiras. Com Santos, os policiais informaram ter apreendido 48 g da droga.
Por não ter antecedentes e o crime não envolver violência, o rapaz foi liberado dois dias após a prisão, com a condição de comparecer mensalmente à Justiça, informar mudança de endereço e não se ausentar da comarca onde o processo tramita por mais de dez dias.
Desde então, Santos nunca mais apareceu. Diante do sumiço, o Ministério Público pediu sua prisão preventiva no ano passado, mas a Justiça negou e optou por continuar a tentar localizar o rapaz. Até agora ele não foi encontrado para apresentar sua defesa no processo.
Na semana passada, o UOL tentou localizar Santos em Magé (Baixada Fluminense), conforme endereço residencial que informou na Junta Comercial, mas o número da casa não existe. Na sede da MPM — uma sala comercial em Jacarepaguá, zona oeste carioca — ninguém foi encontrado.
Na sexta (20), a reportagem conversou com o rapaz por um celular, cujo número foi informado pela Promacom. Em um primeiro momento, ele disse já ter sido inocentado da acusação. Depois, afirmou que teve que se ausentar da cidade onde foi preso para trabalhar e que a pendência com a Justiça está sendo resolvida por seu advogado.
Apesar de ter sido preso em flagrante com cocaína, Santos disse que era apenas usuário de maconha e que tudo será esclarecido. Ele não respondeu por que o endereço residencial informado na Junta Comercial não existe.
A Promacom informou, em nota, que todas as suas contratações estão de acordo com a lei vigente e que não possui ingerência sobre o quadro de sócios das empresas que prestam serviço para a ONG.
A Promacon integra uma rede suspeita de desvios de recursos públicos que recebeu quase meio bilhão de reais nos últimos três anos, conforme mostrou a série de reportagens do UOL "Farra das ONGs". Somente a Promacom, recebeu R$ 42 milhões no período.
Indícios de irregularidades
Os maiores valores recebidos pela MPM Gestão foram no projeto Esporte Criativo, de aulas gratuitas de esportes, como ginástica e jiu-jítsu.
A principal suspeita recai sobre o serviço de eventos. Em setembro, a Promacom pagou o valor integral do contrato (R$ 260 mil) referente a 20 eventos, com capacidade total para 2000 pessoas. A página do projeto no Instagram mostra, contudo, que o início das aulas só ocorreu no mês seguinte e que foram abertas apenas 400 vagas.
A prática de pagamento antecipado com recursos públicos possui jurisprudência contrária do TCU (Tribunal de Contas da União), a não ser mediante justificativa.
A Promacom afirmou que "o Esporte Criativo teve início em setembro e até seu final teremos 20 eventos para 2 mil pessoas, conforme está em contrato público".
Cada evento saiu por R$ 13 mil para entrega de estrutura simples — tobogã inflável, torre de escalada, caixa de som e pula-pula — e fornecimento de água, lanches e medalhas.
O outro contrato no Esporte Criativo foi para o fornecimento de R$ 65 mil em material esportivo —-tudo pago em agosto.
O Ministério do Esporte, responsável pelo acompanhamento do projeto, afirmou que não interfere na destinação dos recursos dada pela ONG. Segundo a pasta, apenas na fase de prestação de contas, "constatada alguma irregularidade, há apuração dos fatos que pode ensejar a instauração de Tomada de Contas Especial pelo TCU, a fim de identificar os responsáveis e quantificar o dano causado ao erário, visando ao seu imediato ressarcimento".
O ex-deputado do RJ Gelson Azevedo (eleito pelo PL e atualmente sem partido) — autor da emenda do Esporte Criativo, cujo valor total é de R$ 1,1 milhão — afirmou que, por não ter sido reeleito, não tem acompanhado a execução dos recursos que destinou.
Sem registro para serviços oferecidos
O outro pagamento para a MPM Gestão ocorreu em novembro: R$ 91 mil para a "publicação de dados" de um projeto de castração de animais. Não há detalhes sobre o que o serviço inclui.
O projeto foi bancado com parte dos recursos de uma emenda de R$ 2,2 milhões do ex-deputado Gurgel, eleito pelo PL no Rio de Janeiro e atualmente no União Brasil. Ele foi procurado por WhatsApp, mas não se manifestou.
Nenhum dos serviços oferecidos pela empresa consta na descrição de suas atividades registrada na Junta Comercial. O mais próximo seriam "serviços especializados de apoio administrativo em geral". Santos não esclareceu a divergência, mas ressaltou que a firma é especializada em eventos, trabalho que ele diz que realizava antes de adquirir a empresa.
A Unirio — que acompanha o projeto — afirmou que "não dispõe de ferramentas ou mecanismos para averiguar quem são os proprietários das empresas contratadas pelas OSCs [ONGs] na execução das parcerias". "Adicionalmente, a legislação restringe o papel de fiscalização da Universidade à verificação do cumprimento do objeto da parceria, dando autonomia às OSCs na contratação das empresas, podendo inclusive seguir a lógica da iniciativa privada nessas contratações".
Antes de ser adquirida por Santos, a MPM Gestão pertencia a Jorge Luiz Duarte de Bastos, que já prestou serviços de contabilidade a políticos e partidos no RJ. No prédio onde fica a sede da empresa, a reportagem foi informada que a sala pertence à Razão Contábil, firma de Bastos. Ele foi procurado por WhatsApp, mas não se manifestou.
Processo de compliance
A contratação da empresa em nome de um réu por tráfico não é a primeira suspeita envolvendo a Promacom. Em julho, o UOL mostrou que ONG, então presidida pela mãe de santo Bárbara Carlos, assinou dez contratos, no valor total de R$ 7,2 milhões, com uma empresa que pertence a uma de suas "filhas".
A Promacom anunciou à época que estava realizando um processo de compliance e trocou o presidente, que passou a ser Alcimário Júnior.
Os contratos com a MPM foram assinados na nova gestão. A ONG alega que, não só essa empresa, como todas as credenciadas para prestar serviço à entidade, apresentam toda a documentação necessária para cumprir a legislação vigente.