É sintomático que tenhamos encerrado a primeira parte do mandato presidencial sem um encaminhamento completo para o desajuste das contas públicas. Revela-se uma situação de falta de convicção combinada com entraves complexos do ponto de vista político.
Há uma agenda de medidas e ações a serem adotadas. Sobram diagnósticos e consensos. Mas o que falta para a construção de uma solução contundente na política fiscal?
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe da importância de reorganizar as contas públicas. Delegou a tarefa ao Ministro Fernando Haddad, mas misturou as agendas do corte e da progressividade tributária. Calculou que seria possível encontrar, de imediato, uma saída combinada. Errou.
Ao renovar o compromisso com a responsabilidade fiscal e a autonomia do Banco Central, em recente pronunciamento realizado na presença de Gabriel Galipolo e de Haddad, Lula acabou reconhecendo a gravidade da situação.
Não se brinca com dólar e juros. A inflação está pressionada, as expectativas e projeções mostram-se pressionadas. As razões são múltiplas, mas nada têm que ver com o chamado ataque especulativo. Este ocorre quando há uma ação maciça contra determinada moeda. Hoje, o real está desvalorizado, porque o governo perdeu a oportunidade de restabelecer a normalidade, após as eleições americanas.
Na esteira das promessas que ele próprio fez, indicando reconhecer a necessidade de conter o crescimento do gasto público, o mercado se animou e entrou em compasso de espera. As medidas não só tardaram, como foram enfraquecidas por membros do próprio governo.
O déficit esperado para 2025 é o dobro do estimado para 2024. O governo precisará de um contingenciamento de mais de R$ 35 bilhões para cumprir o piso (R$ 31 bilhões) da meta zero. Para ter claro, entregar um déficit de mais de R$ 75 bilhões, lembrando que parte dos precatórios não entra na checagem da meta oficial, demandará um corte da magnitude acima apontada.
Isso já contemplando os efeitos do pacote recém-aprovado no Congresso. É que as medidas são corretas e boas, mas insuficientes. O Orçamento está recheado de receitas atípicas e incertas. São impressionantes R$ 168 bilhões somente em receitas catadas e juntadas de todos os lados para produzir uma falsa conta zero no papel. Eis aí a grande fragilidade, que requer muito mais esforço, portanto, do que o que se anunciou e se aprovou no pacote fiscal.
O Presidente Lula sabe que contas públicas em frangalhos destroem qualquer solidez econômica. Os atuais indicadores positivos representam uma situação superada. A realidade torna-se mais difícil quando avistada pelo para-brisa. A outra, a do retrovisor, dos indicadores de 2024, ficou para trás.
Diante de um Congresso que pouco se importa com o equilíbrio fiscal e a saúde das contas públicas, a hora é propícia ao exercício de uma liderança efetiva que só pode partir de quem tem voto e legitimidade para isso. Não adianta achar que a troca do presidente do Banco Central e a mera aprovação do pacote fiscal já retiraram todas as pedras do caminho.
O desafio, presidente Lula, é ajustar as contas. O déficit zero está longe de ser alcançado. Pior, o superávit para estancar a sangria da dívida pública só aparece nas projeções daqui a dez anos.
Empurrar com a barriga até 2026 não é uma opção, a não ser que se aceite conviver com juros e câmbio descontrolados, desemprego alto e crescimento econômico no chão. Parece claramente a receita perfeita para perder as eleições.