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Governo retoma toma-lá-dá-cá, mas é Lira quem garante pacote de Haddad

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante a aprovação da Reforma Tributária - TON MOLINA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante a aprovação da Reforma Tributária Imagem: TON MOLINA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
do UOL

Do UOL, em Brasília

19/12/2024 19h23

A aprovação do pacote fiscal de Fernando Haddad mostrou um governo sem votos e nem a ressurreição do toma-lá-dá-cá resolveu. O Planalto foi dependente de Arthur Lira (PP-AL) até o último minuto de poder efetivo dele na presidência da Câmara.

O que aconteceu

O governo federal abriu os cofres para buscar votos. Recursos foram oferecidos a parlamentares em troca de apoio. A informação foi publicada pela Folha de S.Paulo e confirmada pelo UOL. O empenho e pagamento dos valores, no entanto, está previsto para acontecer somente em 2025. A distribuição de verbas foi a seguinte:

  • R$ 5 milhões para deputado que votasse a favor;
  • R$ 12 milhões para senador que votasse a favor;

Mesmo com a promessa de dinheiro, o governo não teve votos. A situação foi detectada quando Lira usou o regimento da Câmara como termômetro para descobrir o nível de apoio ao pacote de gastos e colocar em votação um destaque de preferência. Houve 294 deputados apoiando a proposta.

Ficou claro que não havia votos. O governo precisava do apoio de 308 deputados. A perspectiva era a situação piorar e os votos minguarem mais ainda. Passava das 11h30 da noite de quarta-feira e o quórum só fazia diminuir.

Lira salva o pacote

Percebendo a derrota iminente, Lira encerrou a sessão. A medida evitou o sepultamento do corte de gastos logo na primeira votação.

O presidente da Câmara acionou seu peso político para ajudar o pacote. Ele ligou para deputados na manhã desta quinta-feira fazendo apelos.

Um cacique ressaltou ao UOL que os parlamentares procurados eram do centrão. A revelação mostra que não havia apoio nem dentro de partidos que têm ministros no governo Lula.

Por volta das 14h30, o quórum desejado de 500 parlamentares não fora atingido. A falta de preocupação dos governistas refletiam o que parlamentares classificaram como pouco esforço da base de Lula.

Deputados de todos os campos políticos atribuem a Lira a sobrevivência do projeto. Eles lembram que o presidente da Câmara permitiu votação virtual. Caso fosse estipulada votação presencial, não haveria quórum para aprovar o corte de gastos em dois turnos.

Despedida com força

Durante discurso, a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) exaltou o empenho de Lira em obter um acordo. Acrescentou que ele será um importante conselheiro a Hugo Motta (Republicanos-PB).

A parlamentar fazia uma referência ao passado e ao futuro de Lira. O pacote de Haddad foi o último projeto importante a passar pela Câmara durante sua presidência. Motta é favorito a vencer a eleição e há dúvidas sobre o futuro de Lira.

Mas o atual presidente se despede em alta. Ele deu substancial demonstração de força nesta semana ao obrigar o governo a driblar uma decisão do STF e pagar R$ 7,1 bilhões de emendas em 48 horas.

A aprovação do pacote rende dividendos para além da política. Quando articula uma medida que combate o déficit fiscal, ele ganha pontos com os donos do dinheiro da Faria Lima.

Lira ainda se despede com muitos deputados lhe devendo favores. Cargos de segundo escalão no governo, comando de comissões da Câmara e projetos aprovados precisaram da benção dele.

Mas sua gestão foi marcada pelo uso da força. Deputados acumularam rancores e não escondem que gostariam de ver Lira escanteado e com poder esvaziado.

Lira forte, governo fraco

Lira deu uma exibição de força e o Planalto ficou acuado. O governo diz que a resistência ao pacote estava precificada, mas ficou claro que o Planalto estava rendido e dependeu do presidente da Câmara.

A demonstração de fraqueza levou a busca por culpados. Sobrou para o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE).

No Planalto, ponderam que ele deveria ter garantido a aprovação do pacote de Haddad na quarta. Reservadamente, os críticos perguntam do que adianta a "amizade" de Guimarães com Lira se não a relação não serve para resolver "na hora que aperta".

Lula fora de combate foi mais um fator a atrapalhar o governo. Quem ficou na ativa fez o que pode. Nesta manhã, Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil) ligaram para parlamentares buscando votos.

Eles queriam mostrar que o governo funciona sem Lula. Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) passou a tarde no Senado, onde legislou por oito anos, visitando gabinetes. Silvio Costa Filho (Portos e Aeroportos) e André Fufuca (Esporte) fizeram o mesmo na Câmara, de onde estão licenciados.

Até gente de segundo escalão foi acionada. Bruno Moretti, secretário especial de Análise Governamental da Casa Civil, conversou com parlamentares. A iniciativa ineficaz do Planalto deixou a articulação de Lira ainda mais valiosa.

Governo não se ajuda

A votação do pacote fiscal escancarou a fraqueza de José Guimarães. Mas deputados de vários partidos afirmam que ele não é o único culpado da dependência que o Planalto teve de Arthur Lira nos dois primeiros anos de governo Lula.

A história de uma emenda destinada a uma universidade paulista revela os bastidores do poder. Um deputado relatou ao UOL que a verba nunca era encaminhada para o projeto escolhido por ele.

Autoridades da educação foram procuradas e não adiantou. O parlamentar foi orientado a conversar com os ministros que trabalham no Palácio do Planalto.

Padilha e Rui não resolveram. Ambos estabeleceram a liberação da emenda a inclusão dela no PAC, o que permitiria ao governo virar sócio político da verba do deputado.

Os pedidos de ajuda ao líder do governo foram inúteis. José Guimarães prometeu uma solução que nunca chegou. A exigência de vinculação ao PAC foi mantida para os recursos serem liberados.

O parlamentar procurou Lira e a situação se resolveu. O presidente da Câmara usou seu peso político e fez a verba sair sem necessidade de entrar no PAC.

Os deputados dizem que foi assim nos dois primeiros anos de governo. A consequência foi enfraquecimento contínuo de José Guimarães porque ele não tinha poder junto ao Planalto.

O Planalto minou o poder do líder de governo, mas ele não se ajudou. Um vice-líder de governo relatou que nunca foi chamado por Guimarães para conversar. Sua atuação ocorreu sem saber o que esperavam dele. Desta forma, sempre se sentiu desobrigado a votar com o Planalto e foi contra o pacote de Haddad.

Enquanto o governo se atrapalhava, Lira se fortalecia. Os projetos do governo e as emendas dos deputados passaram a depender cada vez mais dele. Foi assim até seu ato final, nesta quinta-feira.

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