Com o dobro de mortes em 2 anos, Tarcísio exalta policiais: 'Excelentes'
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), exaltou as polícias Civil e Militar nesta quarta-feira (18), apesar de as mortes em ações policiais no estado terem mais que dobrado entre 2022 e 2024, para 676.
O que aconteceu
"Nós temos uma excelente Polícia Militar, uma excelente Polícia Civil", afirmou o governador, em evento de balanço do seu governo, no Palácio dos Bandeirantes. Entre os anos de 2022 e 2024, porém, a letalidade policial em São Paulo registrou um salto. De acordo com dados da SSP, as mortes em ações policiais aumentaram de 331 em 2022 para 676 em 2024, o que representa um crescimento de mais de 100%.
O governador classificou os casos de abuso policial e envolvimento de agentes com o crime organizado revelados recentemente como "desvios de conduta". "A corrupção [policial] é intolerável. Não vamos passar pano em nada. Infelizmente, há desvios de conduta. E esses desvios serão severamente punidos", disse.
É uma política de tolerância zero com desvio de conduta, não vamos permitir. E vamos, obviamente, capacitar, treinar, dar ferramenta e mexer em tecnologia para que a gente possa continuar reduzindo os indicadores e fazendo o estado de São Paulo cada vez mais seguro. O desvio de conduta não pode se confundir com a ação profissional de muitos profissionais que estão dando duro para a proteger a sociedade. Porque a função da polícia é proteger a sociedade e evitar o crime. E a polícia tem feito isso.
Governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)
A fala acontece um dia depois de uma policial militar ter sido flagrada em vídeo dando chutes em um homem já rendido no chão, na madrugada da terça-feira (17), em Paraisópolis, na zona sul. No episódio, registrado em vídeo, a PM ainda diz: "Sai do carro! Eu vou matar todo mundo aí nessa porra!"
A corrupção é intolerável. Tanto na espera administrativa, com a expulsão do profissional, quanto também na esfera penal. Não [vamos] encobrir nada, não vamos passar pano em nada.
Governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)
Sem citar números, governador diz que nunca se puniu tanto os agentes de segurança. "Se a gente pegar os números da Corregedoria, a gente vai ver que nunca se puniu tantos militares, tantos profissionais, tantos policiais, como a gente está punindo agora", falou.
O balanço ocorre em meio a uma crise na segurança, com vários episódios de violência policial, inclusive resultando em mortes, captadas em vídeo, e de envolvimento de agentes com o crime organizado. Há cerca de 20 dias, um policial militar foi flagrado atirando um homem de uma ponte, na zona sul de São Paulo. O caso gerou repercussão, deflagrou a crise e fez o governo reconhecer erros.
Dias depois, uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) obrigou o governo do estado a manter câmeras nas fardas da Polícia Militar. "Indispensável manter o modelo atual de gravação ininterrupta", disse o ministro Luís Roberto Barroso. Segundo ele, a filmagem sem interrupções é necessária "diante da ausência de demonstração da viabilidade técnica e operacional dos novos dispositivos e do significativo aumento da letalidade policial em 2024".
"A gente comete erros também, e os erros que a gente comete têm reflexos", afirmou Tarcísio. "Nosso discurso tem peso, isso é fácil de ser percebido hoje. Tem uma reflexão profunda que tem que ser feita, de fato." A fala representa uma mudança de discurso em relação ao "não tô nem aí" dito por Tarcísio quando questionado sobre abusos cometidos por policiais durante a operação Escudo, em março.
Segurança pública foi um dos últimos temas abordados pelo governador em seu balanço, de forma breve. Contudo, ele falou somente sobre a contratação de policiais civis e militares e resultados de ações. "São 168 mil prisões ao longo do ano de 2024, 42 mil veículos roubados foram recuperados, quase 200 toneladas de entorpecentes foram apreendidas. É uma polícia que atende 30 milhões de chamados por ano. São 18 milhões de chamados que geram ocorrência, 50 mil por dia. São 36 mil homens na rua todos os dias."
Governador cita queda nos homicídios, mas latrocínios e estupros aumentaram. Tarcísio disse que os homicídios em São Paulo atingiram o "menor índice de sua história". De fato, o número de homicídios registrados em 2024 caiu de 2.127 em 2023 para 2.065 em 2024. Em contrapartida, os latrocínios subiram de 133 para 144, e os estupros, de 12.079 para 12.319, no terceiro ano seguido de aumento. Os números foram levantados pelo UOL com informações da SSP-SP.
Tarcísio também ignorou a operação mais letal da Polícia Militar no estado desde o massacre do Carandiru. Ele citou a Baixada Santista para dizer que a região teve o menor número de homicídios da história, mas ignorou que ela foi palco da operação Verão, que terminou com 56 mortos e denúncias de violência policia. O governador disse que, junto com o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, vai levar bases comunitárias da Polícia Militar à região.
Derrite deixou o evento mais cedo. Criticado por sua atuação como secretário e acusado de estimular a violência policial com seus discursos, Derrite saiu antes da coletiva de imprensa e da foto de Tarcísio com os demais secretários do governo.
Na terça-feira (17), o PSOL acionou a Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o governador pelo aumento da violência policial no estado. O partido pede que a Corte reconheça "as violações cometidas pelo estado de São Paulo". O documento foi assinado pelas deputadas psolistas Sâmia Bomfim e Mônica Seixas.
Mortes por violência policial devem ser reconhecidas como "formas de tratamento cruel e degradante", diz ofício. As parlamentares afirmam no documento que a responsabilidade também deve ser "direta do Estado" e que a gestão Tarcísio reflete padrão de "negligência e permissividade". Como exemplo, elas citam a recusa do governador em adotar as câmeras corporais —ele voltou atrás com a escalada da violência.
Os episódios de violência policial impactaram na avaliação da gestão Tarcísio. A aprovação do governo se manteve estável nos últimos oito meses, em 61%, segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada na semana passada. Mas, na segurança pública, a avaliação negativa foi a maior dentre todos os setores, subindo de 31% em abril para 37% em dezembro.
No evento, Tarcísio ainda comemorou a privatização da Sabesp —concluída em meio a críticas. "Falar da Sabesp é uma alegria muito grande, porque vai deixar a universalização do saneamento. Isso vai ter uma repercussão enorme na saúde", disse. Tarcísio disse ainda que a privatização vai gerar R$ 260 bilhões em investimentos em saneamento básico. Ele citou ainda a reformulação da estrutura e das atribuições das agências reguladores estaduais.
O governador também destacou leilões como o do Rodoanel Norte e prometeu "enxugar a máquina pública". "Já eliminamos secretarias, vamos extinguir autarquias, empresas. Vamos continuar fazendo otimização", afirmou. Também citou a discussão sobre redução de benefícios tributários: "Um terço dos benefícios deve cair", disse.
Governador ainda falou brevemente sobre programas de habitação, empreendedorismo e acesso às universidades públicas. Segundo ele, 340 mil novas empresas foram abertas nesses dois últimos anos. Ele disse também que 30 mil jovens de escolas públicas estão acessando universidades públicas. "Feder, nós vamos aumentar esse número de vagas das universidades públicas", afirmou, citando 15 mil vagas. Renato Feder, presente no evento, é o secretário da Educação. "Já começamos a construção das escolas das PPPs [parcerias público-privadas] no ano que vem."
Tarcísio também mencionou o presidente Lula ao citar o edital para a construção do túnel Santos-Guarujá, no litoral de São Paulo. Ele disse que levou a ideia no último encontro que teve com o presidente. "Temos condições de publicar o edital em fevereiro, nessa parceria entre o governo do estado e o governo federal", disse.