Quem foi Rosângela: o passado da primeira-dama | podcast Janja #4
Lula tinha deixado a presidência havia seis meses quando aceitou um convite da socióloga Rosângela da Silva para dar uma palestra na Escola Superior de Guerra, no Rio, em 29 de julho de 2011.
Um vídeo da palestra, disponível no canal do Instituto Lula no YouTube, mostra o então ex-presidente mencionando aquela que, dali a 11 anos, seria sua esposa.
"Portanto, meus queridos companheiros e companheiras, eu queria agradecer à dona Rosângela, que propôs o meu nome aqui para ser convidado", disse Lula.
Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, pouco antes de Lula assumir o terceiro mandato, Janja disse que os dois se conheceram num jogo de futebol, em dezembro de 2017.
Afirmou que havia estado com Lula antes, mas não sabia se ele se lembrava dela.
A vida da primeira-dama antes de se tornar conhecida é o tema de Rosângela, quarto episódio de Janja, podcast original UOL Prime disponível nesta terça-feira (17) no YouTube do UOL Prime, no Spotify, Deezer, Apple Podcasts e demais plataformas de podcast.
Na época em que encontrou Lula no Rio, Janja era aluna do Caepe (Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia) da ESG, a Escola Superior de Guerra.
Um de seus colegas de curso, o ex-desembargador Siro Darlan, do Rio, disse ao UOL que ficou surpreso quando Lula aceitou o convite de Janja.
"O camarada aceitar um convite para ir à Escola Superior de Guerra, onde ele sabe que não é querido e não é aceito, demonstra uma certa ascendência [de Janja]", disse Darlan, em entrevista ao podcast.
No livro "Janja, a militante que se tornou primeira-dama", um perfil biográfico, os autores Ciça Guedes e Murillo Fiúza de Mello relatam a visita de Lula ao local. Eles contam que a ESG foi um dos "principais centros de formação de intelectuais contrários à disseminação de ideais de esquerda".
Outros pontos importantes do episódio:
- Antes da palestra na Escola Superior de Guerra, Janja e Lula haviam estado juntos em Brasília, em 2009. Na ocasião, ela entregou a ele uma bandeja de fibra de bananeira produzida por uma cooperativa de Foz do Iguaçu (PR) --um presente pelo aniversário de 64 anos de Lula. Na época ela trabalhava na hidrelétrica de Itaipu.
- Janja quase foi jubilada na universidade. Ela demorou quase dez anos para concluir a faculdade de ciências sociais, mas passou num concurso enquanto ainda estava na universidade. Foi servidora concursada da prefeitura de Curitiba, onde trabalhou como assistente de desenvolvimento social entre 1988 e 1993.
- O primeiro casamento. Em 1993, já formada, Janja pediu exoneração do cargo na prefeitura e se mudou para Ponta Grossa (PR), onde seu então companheiro, o historiador Marco Aurélio Monteiro de Pereira, trabalhava como professor universitário. Onze anos mais velho, Marco Aurélio era uma liderança petista conhecida na cidade e apresentou Janja a Péricles de Mello, candidato a deputado estadual pelo PT. O casal atuou na campanha de Péricles, que foi vitoriosa, e Janja passou a trabalhar no gabinete do parlamentar na cidade.
- Movimentos estudantis. Janja também foi contratada como professora colaboradora da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa). Permaneceria menos de um ano na função. Com o fim do casamento com Marco Aurélio, Janja retornou a Curitiba e foi trabalhar com o deputado estadual Ângelo Vanhoni (PT), que tinha conhecido quando universitária.
JANJA
Episódio 04: Rosângela
Fabíola Cidral
Às vésperas do Natal de 2017, Janja foi até a cidade de Guararema, no interior de São Paulo.
A viagem tinha um objetivo: a inauguração do campo de futebol "Dr. Sócrates Brasileiro", na Escola Nacional Florestan Fernandes do MST.
Frei Beto
Irmãs e irmãos, em nome de Deus, que abençoa esse campo, eu quero dizer que, fora Temer, são todos bem-vindos.
Fabíola Cidral
O então ex-presidente Lula era uma das figuras presentes na partida que acontecia 106 dias antes dele ser preso.
Estavam lá também o filho de Sócrates, Gustavo Oliveira, o ator Chico Díaz, o rapper Mano Brown, além do senador Lindberg Farias.
Janja conta que foi à partida para tietar o cantor Chico Buarque, de quem é fã desde menina. Naquele dia, o time dos amigos do Chico disputaria um amistoso contra o time do MST.
Maju Coutinho
Então você foi para ver o Chico Buarque, mas acabou de olho no Lula?
Janja
Então, eu acho que ele acabou de olho em mim, mas tá bom.
Fabíola Cidral
A versão que foi divulgada oficialmente por Janja e pelos amigos mais próximos do casal é essa. Os dois teriam se conhecido e se apaixonado naquele dia, e começado a namorar na prisão, meses depois.
Essa e outras histórias de Janja antes de se tornar primeira-dama são pouco conhecidas. Ela evita falar sobre o seu passado.
Por isso, no episódio de hoje, a gente vai até o Paraná. Vamos passar por União da Vitória, Ponta Grossa, Curitiba e Foz do Iguaçu.
A gente vai descobrir de onde ela veio, o que a levou à política, como foi o início de sua carreira como socióloga, e entender como essa trajetória moldou a mulher que, agora, tá ao lado do presidente da República.
Eu sou Fabíola Cidral.
Adriana Negreiros
Eu sou Adriana Negreiros.
Fabíola Cidral
E este é Janja, um podcast original UOL Prime.
Episódio 04: Rosângela
Poliana Abritta
Janja, primeira-dama do Brasil. Já caiu a ficha?
Janja
Não, ainda não.
Fabíola Cidral
No dia 13 de novembro, alguns dias depois de Lula ter sido eleito pela terceira vez presidente do Brasil, a futura primeira-dama Janja da Silva concedeu a sua primeira entrevista a um canal de televisão.
No Fantástico, Janja falou por pouco mais de meia hora.
Ela contou sobre as expectativas pros anos ao lado do presidente da República, sobre o casamento dos dois, o período em que ele passou na prisão e sobre o começo do seu relacionamento com Lula.
Janja
Eu conheci, quer dizer, já conhecia o meu marido de outros momentos. Óbvio que eu não sei se ele lembrava muito de mim. Mas, enfim, a gente se sentou para almoçar, todo mundo almoçou, os convidados e tal. Depois, ele pediu o meu telefone para alguém.
Adriana Negreiros
Janja também dedicou parte da conversa a responder a perguntas sobre sua trajetória como militante. Falou dos anos como universitária no Paraná e que trabalhou na Hidrelétrica de Itaipu.
Desde então ela pouco falou sobre sua vida antes da fama. Então coube a gente tentar desvendar esse passado.
Fabíola Cidral
Em 1966, o Brasil amargava o terceiro ano sob um regime militar. O país era comandado pelo marechal Humberto de Alencar Castello Branco, primeiro presidente da ditadura.
Naquele ano, em 27 de agosto, na cidade paranaense de União da Vitória, nascia Rosângela. Filha do comerciante José Clóvis da Silva e da dona de casa Vani Terezinha Ferreira, a Terê.
Apenas dez dias depois do nascimento da menina, a família se mudou para Curitiba.
Janja não fala muito sobre os primeiros anos da sua vida. Numa entrevista à Vogue, disse que a avó morreu muito cedo e que deixou cinco filhas que foram para a adoção.
Contou que a mãe dela, a Terê, teve uma infância difícil: foi entregue a uma família que a tratava como criada. Quando se casou, a mãe de Janja se dedicou ao lar.
O pai era representante comercial e tava sempre viajando.
A família era extremamente musical. Janja se lembra com carinho dos inúmeros artistas que o pai apresentou para ela e da mãe que antes de ser dona de casa foi cantora de rádio no interior do Paraná.
Janja
A primeira coisa que minha mãe fazia quando acordava era ligar o rádio. Lembro da vitrolinha que ganhei do meu pai. O primeiro disco era um disco do Roberto Carlos.
Fabíola Cidral
Na entrevista que deu ao programa Sem Censura, Cissa Guimarães perguntou sobre as mulheres que a inspiraram ao longo da vida.
Janja
Todo mundo sabe que eu gosto de cantar desde pequena. Se tem uma mulher que me inspira, se eu pudesse ser cantora eu queria ser uma Elis Regina, óbvio.
Fabíola Cidral
Elis também faz parte de uma anedota familiar. Segundo Janja, seu pai e a Pimentinha tiveram um affair quando ambos ainda viviam no Rio Grande do Sul.
Janja
Vou contar um segredinho. Meu pai é gaúcho, Elis, gaúcha. Oh, deu um match ali num momento. Rolou um beijinho ali, mas cada um foi pro seu caminho. Verdade! Meu pai namorou a Elis. É verdade, gente! Meu pai contava isso. Minha mãe ficava muito brava.
Fabíola Cidral
Janja também tem um irmão mais velho por parte de pai, o publicitário Luiz Claudio da Silva.
As redes sociais dele já exibiram posts contra Lula e a favor de Bolsonaro.
Em setembro de 2023, em uma entrevista à Veja, Luiz Claudio disse que teve os perfis hackeados, embora os primeiros posts contra o partido sejam de 2014.
Na família, Janja era a única pessoa de esquerda.
Maju Coutinho
Dentro de casa havia um ambiente politizado? Sua família falava sobre isso?
Janja
Não, não. Meu pai cresceu no Rio Grande do Sul, era brizolista. Mas não tinha conversas políticas em casa. Foi eu mesmo que derivei.
Fabíola Cidral
Janja só foi saber como era viver em uma democracia aos 19 anos.
O fim da ditadura militar no Brasil foi um processo gradual. Começou no final da década de 1970, com a abertura política promovida pelos próprios militares, pressionados pela crise econômica e pelos movimentos sociais.
Terminou em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves à presidência - ele morreu sem tomar posse, sendo substituído pelo vice, José Sarney.
Mas vamos para Curitiba. A Adriana foi pesquisar a história de Janja.
Adriana Negreiros
Janja entrou na universidade um ano antes, em 1984, no curso de Ciências Sociais da federal do Paraná. A militância de esquerda enfrentava a ressaca do fracasso do movimento Diretas Já, que exigia eleições diretas para presidente da República.
Janja
No cursinho, eu conheci algumas pessoas do movimento estudantil e me filiei ao PT. Naquela efervescência política pelas Diretas Já, que já acontecia em 83, isso tudo foi mexendo muito com a minha cabeça.
Nelson Rosário de Souza
Tinha muita militância, né, naquele período ali, tinha os centros acadêmicos eram bem ativos, né?
Adriana Negreiros
Esse é Nelson Rosário de Souza, professor do departamento de Ciência Política da Federal do Paraná. Ele cursou Ciências Sociais na universidade entre os anos de 1982 e 1985.
Nelson não foi colega de sala de Janja, mas lembra bem dela.
Nelson Rosário de Souza
O que eu me lembro é que ela era muito nova. Assim, muito. Talvez a aparência, não sei. Ela não aparentava, tanto fisicamente quanto assim no comportamento, né? Ela parecia mais uma menina. Aparentava ter uns 16 anos e não a faixa etária de quem tá entrando que é 18, 19, 20 anos, né? Isso que eu lembro dela, né. Bem menina e se ambientando na universidade. Muito alegre. E ela fazia parte do núcleo da convivência ali, esse núcleo mais militante.
Adriana Negreiros
Os anos de faculdade de Janja foram essenciais para a formação política dela.
Em 1985, a esquerda vivia um momento de efervescência no Paraná. O MST, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, tinha sido fundado no estado, um ano antes. Foi em Cascavel, durante o primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
A política sempre cativou Rosângela. Na época do Diretas Já, ela se filiou ao Partido dos Trabalhadores, que tinha sido fundado pouco antes, em 1980.
Nelson conta que, nessa época, ela só andava com o pessoal do partido.
Nelson Rosário de Souza
Eu percebo que ela entrou e já fez a já fez amizade, já teve afinidade com esse núcleo, né? Então ela, com certeza, fazia parte ali ou, no mínimo era simpatizante, e tava junto na militância assim. Como ela era muito nova, não lembro dela falando em reuniões, dela ter um engajamento maior assim, mas que ela tava fazendo parte do núcleo, né?
Adriana Negreiros
O Nelson me mostrou uma foto da Janja dessa época.
Na imagem, ela aparece junto de outros sete colegas. Ao fundo da sala onde tá a turma, uma bandeira do PT está colada na parede.
Rosângela tá na ponta, com as mãos unidas à frente do corpo, parece tímida. Na época, ela usava um cabelo bem curto, estilo joãozinho. Os fios eram mais escuros e cacheados. Você pode ver essa e outras fotos no link que tá na descrição do episódio.
Além do interesse pela agitação da política, uma outra marca pessoal da atual primeira-dama do Brasil também já tava ali presente: ninguém a chamava de Rosângela.
Nelson Rosário de Souza
Já era Janja. Porque tinha mais de uma Rosângela, uma era Rô, outra era Rosângela. Quer dizer, não sei se foi no curso, ou se ela já entrou como Janja, mas ela era a Janja. A gente se diferenciava, assim como tinha dois Nelson, eu era o Nelsinho, então eram formas de se diferenciar.
Adriana Negreiros
Janja não era exatamente uma aluna dedicada aos estudos.
A colunista do UOL Thais Bilenky, que escreveu um perfil sobre a Janja para a revista piauí, me contou que, das 12 disciplinas do primeiro ano de curso, ela passou em apenas duas: Introdução à Economia e Sociologia Geral. O desempenho se repetiu nos dois anos seguintes.
Ainda na faculdade, Janja foi aprovada em um concurso para a prefeitura de Curitiba. Começou a trabalhar como assistente de desenvolvimento social em setembro de 88.
Ela terminou a faculdade em 91, escapando por pouco de ser jubilada e emendou uma especialização em história na mesma universidade.
Na época, começou a namorar com aquele que viria a ser o seu primeiro marido.
O namorado de Janja à época era Marco Aurélio Monteiro Pereira, mestrando em história, também na Federal do Paraná.
Janja e Marco Aurélio se conheceram em 1986. Ela tinha 20 anos. Ele, 31. Os dois eram da mesma turma de estudantes de esquerda, formada por alunos dos cursos de ciências sociais, filosofia e história.
Eu entrei em contato com o Marco Aurélio pedindo uma entrevista para este podcast. Ele, muito educadamente, negou.
Como parte das pesquisas para este podcast, li a biografia "Janja, a Militante que se Tornou Primeira-dama", dos jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiúza de Melo e publicada em 2023.
Murilo Fiúza
O nosso objetivo era contar a história daquela mulher que havia aparecido na campanha, havia crescido na campanha, aparecido logo depois da libertação do Lula, e era importante que o povo brasileiro soubesse que era aquela mulher.
Adriana Negreiros
Quando o livro foi escrito, Mauro Aurélio ainda falava sobre o assunto publicamente. Então eu fui atrás da dupla que escreveu a biografia para saber um pouco mais sobre o que eles conversaram com o ex-marido da Janja.
Ciça Guedes
Agora ele ele também na entrevista que ele deu para a gente deu uma longa entrevista para gente assim muito bonita, até muito sentimental teve horas que eu fiquei até comovida porque ele fala dela com carinho um absurdo.
Fabíola Cidral
Marco Aurélio era um veterano na militância. Janja, uma jovem universitária. Os dois se olhavam, interessados um no outro. Mas existia um empecilho: Marco Aurélio tinha uma namorada.
O flerte entre Janja e Marco ficou adormecido até 89 quando a tal namorada foi aprovada em um mestrado fora do Brasil. A partir daí o caminho ficou livre para que os dois começassem um relacionamento.
Em pouco tempo decidiram morar juntos, numa casa na rua Ponta Grossa, em Curitiba. A alegria, porém, durou pouco. Na sequência, Marco foi aprovado em um concurso para professor universitário em Corumbá, no Mato Grosso do Sul.
O relacionamento continuou à distância. Marco ia duas vezes por mês à Curitiba, para visitar Janja e cumprir tarefas do mestrado que ainda não tinha terminado.
Depois ele passou no concurso para professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa e se mudou para a cidade que tinha o nome da rua onde eles moravam. Parecia um bom presságio. Janja o acompanhou após pedir desligamento do trabalho na prefeitura de Curitiba, em abril de 1993. A vida era boa.
O casal chamava a atenção dos conhecidos pela diferença de temperamento. Janja sempre foi uma mulher alegre, expansiva, e nisso era um contraponto a Marco Aurélio, um homem mais fechado e introvertido.
Conhecidos do casal dizem que Marco admirava o temperamento mais descontraído de Janja. Admirava a maneira como ela era livre e bem resolvida com o corpo. Os dois gostavam de fazer longos passeios de bicicleta.
Janja, embora fosse militante, não era uma liderança política, e nisso talvez Marco Aurélio tivesse alguma responsabilidade.
Adriana Negreiros
Aqui a Ciça Guedes, autora da biografia de Janja.
Ciça Guedes
Olha, ele era realmente o cara que dominava a cena, né? Por tudo que a gente conseguiu entender. Ele era mais velho e um cara mais velho, inclusive que ela ela muito jovem. (...) Me parece que, naquele momento, ele era quem brilhava mais.
Adriana Negreiros
Onze anos mais velho, ele era reconhecido em Ponta Grossa como o líder político do casal. Janja ficava à sombra do companheiro mas se beneficiava dos contatos dele.
Foi ele quem apresentou Janja ao então vereador Péricles de Mello, do PT. O casal trabalhou na campanha de Mello para deputado estadual, que foi vitoriosa. Janja foi então contratada para trabalhar como assessora dele, no escritório de Ponta Grossa.
Por aqueles tempos, Janja podia reclamar de muita coisa, mas não de marasmo profissional. Em março de 1995, ela ingressou na Universidade Estadual de Ponta Grossa —a mesma em que seu então marido dava aula— para atuar como professora colaboradora.
Segundo a Universidade, ela passou em um teste seletivo e ficou lotada no Departamento de Educação. Permaneceu na função por menos de um ano, até fevereiro de 1996.
A família de Janja não aprovava o relacionamento entre ela e Marco Aurélio. O irmão, um homem de direita, por razões políticas. O pai, que trabalhava como representante comercial e mal via a família, não apitava no relacionamento.
A mãe de Janja tratava Marco Aurélio de maneira educada, mas sem entusiasmo. A diferença de idade entre os dois desagradava Terê.
Eu também conversei com a Ciça Guedes sobre isso.
Adriana Negreiros
A Janja era uma mulher jovem numa cidade super conservadora filha de pais separados e que
Ciça Guedes
Resolveu morar com um cara mais velho! ela não se casou com ele, ela foi morar com um cara mais velho então naturalmente que o que se construía de imagem dela em volta certamente não era lisonjeiro, né É óbvio. Isso é me parece muito claro e essa mas essa postura dela, eu acho bastante interessante, bastante admirável.
Adriana Negreiros
Em dado momento, os planos diferentes de cada um começaram a influenciar no relacionamento. Janja, com seu espírito mais cosmopolita, não curtia a vida em Ponta Grossa. Tinha sonhos profissionais que não combinavam com a rotina pacata do interior.
Já Marco Aurélio, concursado e estabilizado, achava que a vida estava resolvida. O casamento entrou em crise.
Depois da separação, ele virou pastor evangélico e assim permaneceu até 2018.
Naquele ano, Marco Aurélio se afastou da igreja porque foi pressionado a fazer campanha para o candidato Jair Bolsonaro. Na época, estava encantado pelo PSOL. Desistiu de ser evangélico e se tornou pai-de-santo umbandista. Depois, acabou voltando para o PT.
Ciça Guedes
Ele fala dela com um carinho absurdo, zero mágoa, nunca sem mágoa e explicou que a relação chegou ao fim e etc disse que ela salvou ele de um momento muito complicado, mas realmente uma entrevista muito bonita muito emotiva muito cheia de ainda de uma certa paixão pela pessoa. Você nota que foi uma uma pessoa muito muito importante na vida dele.
Adriana Negreiros
Eu procurei pessoas que tinham dado entrevista para o livro da Ciça e do Murilo. Mas não deu certo. Fiquei sabendo que Janja cortou relações com antigas amigas que falaram para os autores.
Essas amigas, muito chateadas com o rompimento, me disseram que, por causa disso, preferiam não falar comigo. Uma delas chegou a marcar local e hora para nosso encontro, mas depois me mandou a seguinte mensagem: "Falei com a assessora da Janja e ela não quer que esse podcast seja feito. Peço desculpas, mas não vou fazer o que a JJ não quer".
JJ é uma maneira supostamente cifrada como muitas pessoas próximas a Janja se referem a ela em mensagens de WhatsApp.
Outra antiga amiga da primeira-dama me escreveu o seguinte: "Procurei saber com uma pessoa de Brasília sobre a entrevista, e ela me aconselhou a não participar. Participei de outra e não foi legal, sabe?".
Eu também tentei várias vezes entrevistar a própria Janja para o podcast. Entrei em contato com a assessoria de imprensa, mandei recados por amigos dela, cheguei até a mandar mensagem diretamente para a primeira-dama, que não me respondeu.
Para fazer o livro, a Ciça e o Murilo procuraram a Janja. A recepção não foi das melhores. Conversei com os dois para saber um pouco mais da experiência que tiveram.
Murilo Fiúza
Eu posso começar porque assim eu fiz o primeiro contato, aliás, tentei várias vezes primeiro pela assessoria de imprensa depois pela pela secretária dela que foi da vigília e do MAB, e a gente não teve retorno. E depois a gente, mais à frente, recebemos a notícia por por mensagem de que ela não iria falar e que ela queria ler se fosse possível o material antes de ser publicado, né? E a gente disse que não, né?
A gente não teve nenhum apoio deles, no sentido de dar entrevista para gente. Foi uma grande dificuldade conversar com pessoas do círculo ao redor dela, amigos lá do Paraná, amigos e amigas do Paraná, todos se fecharam. A gente conseguiu de fato três ou quatro importantes entrevistas.
Adriana Negreiros
Meu colega Lucas Borges Teixeira, repórter do UOL em Brasília, também tentou muitas vezes marcar uma entrevista com Janja. Nunca recebemos um não com todas as letras, mas também nunca nos disseram sim. Continuamos aguardando.
De volta à capital depois da temporada em Ponta Grossa, Janja foi trabalhar com um antigo conhecido.
Angelo Vanhoni
Nos engajamos na construção do Partido dos Trabalhadores, enquanto um grupo político jovens que queriam uma mudança. Era só MDB e Arena no Brasil, ainda governada pela ditadura militar. A Janja eu conheci nesse processo.
Adriana Negreiros
Esse é o vereador de Curitiba Angelo Vanhoni, do PT. Janja e Angelo se conheceram na Câmara Municipal de Curitiba.
Lula concorreu à presidência pela primeira vez em 89 e foi derrotado no segundo turno por Fernando Collor de Mello. Apesar do baque presidencial, o PT elegeu três vereadores em Curitiba e os gabinetes deles viraram um ponto de encontro da juventude petista.
Angelo Vanhoni
Veja, hoje eu tenho 68 anos, mas nós estamos falando de 38 anos atrás, então a gente pode dizer que estava transpirando tudo aquilo que a Juventude transpirava, né? Janja tinha uns 20 anos, por aí. Ela era muito mais ligada, na época que a conheci, à luta dos movimentos estudantis, às causas educacionais.
Adriana Negreiros
Foi nessa época também que Janja conheceu duas figuras que seriam seus colegas de trabalho num futuro muito breve: e Gleisi Hoffmann, então recém-formada em direito e hoje deputada federal e presidente nacional do PT, e Jorge Samek, que tinha sido eleito pelo PMDB e entraria no PT logo depois.
A relação dele com a Janja trouxe muitos benefícios para ela. E eu já volto para te contar essa história.
Fabíola Cidral
A década de 1990 começou com um anti-Lula no comando do país. Aos 40 anos, Fernando Collor de Mello tomaria posse como o mais jovem presidente da história do Brasil.
Ele prometeu fazer uma revolução na economia com medidas liberais, mas mergulhou o país numa crise profunda com sucessivos planos econômicos fracassados.
Fabíola Cidral
Em 1992, após denúncias de corrupção as ruas do Brasil foram tomadas por estudantes que pediam 'fora, Collor'. O impeachment foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas ele renunciou antes da votação ocorrer no Senado.
Itamar Franco, o vice, assumiu o governo com a missão de botar a economia nos eixos. O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, lançou o Plano Real, que controlaria a inflação.
Fabíola Cidral
Embalado pelo sucesso do plano, FHC se elegeu presidente em 1994, derrotando Lula ainda no primeiro turno.
Naquele ano, Janja trabalhava em Ponta Grossa na campanha de Péricles de Mello para deputado estadual. Como era militante do PT também fez campanha para Lula.
Quando Péricles se elegeu, Janja foi trabalhar como sua assessora.
Em 98, FHC foi eleito presidente novamente e Lula amargou a terceira derrota seguida nas urnas. Naquelas eleições ,Janja continuava fazendo campanha para Lula enquanto atuava como assessora no gabinete do deputado do PT, Angelo Vanhoni.
Em 2002, na sua quarta tentativa à presidência, Lula finalmente chegou lá. Derrotou o tucano José Serra no segundo turno, com uma campanha que celebrava a esperança.
Reportagem de TV
E, atenção, são 9h19 minuto da noite do dia 27 de outubro do ano 2002. Nesse momento, o TSE declara Lula matematicamente eleito.
Fabíola Cidral
A transição de poder foi histórica. Pela primeira vez, um líder de origem operária chegava à presidência.
Essa mudança trouxe grande expectativa de transformação social, encerrando uma era de políticas neoliberais e inaugurando um novo ciclo político no Brasil.
Nessa época, Janja também estava mudando de ares.
Janja
Eu trabalhei alguns anos como assessora parlamentar e, em um momento da minha vida, optei por ir para o setor privado. Fui trabalhar como socióloga em um empreendimento de construção de uma hidrelétrica em Santa Catarina. A partir dali, comecei a trabalhar com programas de responsabilidade social e sustentabilidade. Foi o que me moveu daí para frente.
Fabíola Cidral
O trabalho em questão foi na Chroma Engenharia, uma famosa empreiteira paranaense. Ela ficou por lá de janeiro de 2001 a janeiro de 2003. O período dela no setor privado durou pouco. Em 2003, Janja foi contratada para trabalhar como socióloga de campo na usina hidrelétrica de Itaipu.
Janja
Eu já estava trabalhando no setor elétrico, e Itaipu estava dando uma virada de chave no que significava aquele território. No discurso do presidente Lula, quando ele assumiu, ele falou que Itaipu deveria olhar para o território onde ela estava, para as pessoas onde ela estava.
Fabíola Cidral
A nomeação do seu cargo foi feita por Jorge Samek, que ela conheceu na época da militância. Samek é amigo de longa data de Lula e foi indicado pelo presidente para o cargo de diretor-geral de Itaipu no início do primeiro mandato do petista.
Foi ele quem levou Gleisi Hoffmann para a diretoria financeira da binacional. Ela se tornaria a primeira mulher a ocupar um cargo de direção na hidrelétrica.
Em Itaipu, Janja atuou como assistente de Samek e coordenadora de programas voltados ao desenvolvimento sustentável. E fez campanhas de enfrentamento à violência contra a mulher, organizando reuniões e atividades.
Janja
Quando você fala "socióloga", qual é a primeira coisa que vem na tua cabeça? Uma intelectual. Não, gente, eu não sou essa intelectual. Eu sou essa socióloga que vai pro campo, a que vai para as comunidades, a que conversa, a que articula.
Adriana Negreiros
Janja tocava o programa de Curitiba e viajava semanalmente para Foz do Iguaçu.
Silvana Vitorassi
Acho que a primeira lembrança é realmente de quando ela chegou para trabalhar em Itaipu, muito motivada, muito comprometida. Ela veio em 2003, a convite, né, pelo perfil profissional e pela formação dela.
Adriana Negreiros
Essa é Silvana Vitorassi, gerente da Divisão de Educação Ambiental na Itaipu Binacional.
Silvana Vitorassi
Quando a Janja chegou, nós estamos iniciando um trabalho muito importante com essas comunidades que envolvia tanto segurança alimentar nutricional, como também para infraestrutura, para agricultura familiar e orgânica e educação, cultura. É um projeto bem amplo e que ela pode contribuir muito pela experiência que ela tinha em projeto de responsabilidade social, mas principalmente pelo perfil dela em função da formação como socióloga.
Adriana Negreiros
Quem também trabalhou com a Janja em Itaipu foi a atual secretária-executiva do Ministério das Mulheres, Maria Helena Guarezi, que a gente ouviu no episódio passado.
Maria Helena Guarezi
A gente teve muita resistência, porque uma coisa é falar de gênero hoje, né? Outra coisa era falar de gênero há 50 anos, assim, e até no ano de 2004. Tanto é verdade que, quando eu comecei a trabalhar na Itaipu, as pessoas perguntaram: 'Mas por que vocês vão criar um programa de discussão sobre as mulheres, de gênero, numa empresa que gera energia elétrica?'. Eu falei 'pois é, vocês vão ver, aguardem'.
Fabíola Cidral
A vaidade de Janja que hoje é de conhecimento geral já se fazia notar naquela época.
Depois de ter passado férias no Caribe, no início dos anos 2000, a funcionária da hidrelétrica publicou no jornal eletrônico interno da empresa fotos dela de biquíni.
Como não existia Instagram, a imagem foi postada numa seção chamada "Turbinadas", em referência às turbinas da hidrelétrica.
Essa não foi a única foto de Janja que voltou a circular quando ela ficou famosa. Tem também uma de outubro de 2009, em que ela aparece ao lado do presidente Lula, na época em seu segundo mandato.
No registro, Janja entrega a ele uma bandeja de fibra de bananeira, produzida por uma cooperativa de Foz do Iguaçu. O objeto foi um presente de aniversário de 64 anos para o presidente.
Segundo reportagem da revista Época, ela estava em Brasília para gravar um depoimento do presidente para o seminário "Mulheres nos espaços de decisão e poder" que iria acontecer naquele mesmo mês em Itaipu.
Uma matéria da Folha de São Paulo de novembro de 2019 revelou que, em Itaipu, Janja ficou conhecida como "apadrinhada de Lula", fazendo questão de mostrar proximidade com o presidente nas visitas feitas por ele a Foz do Iguaçu.
O jornal citou ainda a proximidade para justificar o fato de que Janja foi cedida à Eletrobrás enquanto fazia um curso no Rio, cidade onde morou por seis anos.
Adriana Negreiros
Janja se mudou para o Rio em 2011. Na época, Jorge Samek ofereceu uma licença de um ano para que ela participasse da turma anual do Caepe, o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia, da ESG, a Escola Superior de Guerra.
Segundo o site da escola, o curso tem como finalidade preparar civis e militares para "o exercício de funções de direção e assessoramento de alto nível na administração pública, em especial na área de Defesa Nacional".
As aulas, que aconteciam de segunda a sexta, começaram em 21 de fevereiro daquele ano e se estenderam até 2 de dezembro.
Siro Darlan
É um curso de de duração de um ano, então nós tínhamos aula diariamente.. E os militares são rígidos nessa questão de horário, a gente ficava da manhã às cinco da tarde com o intervalo na hora de almoço todos os dias de segunda-feira e às vezes a gente fazia viagem, por exemplo para conhecer a Itaipu e nacional para conhecer o projeto de submarino do Brasil.
Adriana Negreiros
Este é Siro Darlan, ex-desembargador do Rio de Janeiro. Ele era colega de classe de Janja. Ele me contou que figuras ilustres davam palestras para os alunos do curso. O então ex-presidente foi um dos palestrantes.
Siro diz que Janja, como integrante da subcomissão executiva de atividades Culturais, Desportivas e Sociais da turma, foi quem articulou a apresentação.
Siro Darlan
O presidente Lula tinha acabado de dizer a substituído, acabado de sair do segundo mandato e ele fez uma palestra. E essa palestra do presidente chamou-nos a atenção porque o presidente é muito mal visto na área, na seara militar e ele foi convidado e quase que imposto pelas Janja. Não foi só sugestão, ela praticamente levou. Como ela era muito expansiva, muito dada, né? E ela comentava com a gente é "o que que vocês acham da gente trazer o presente"? Ah, se você conseguir é ótimo. Ninguém sabia que ela já tinha essas relações tão estreitas com o presidente e ela trouxe com facilidade, ela foi uma espécie de cicerone.
Adriana Negreiros
A palestra "Brasil: um país do futuro" aconteceu no dia 29 de julho de 2011. Nela, entre outras coisas, Lula defendeu uma maior cooperação do Brasil com a África e a América Latina e pediu mudanças no Conselho de Segurança da ONU.
Também fez piadas e arrancou risos da plateia, mesmo sendo uma plateia hostil a ele.
Siro, que assistiu à palestra, disse que ficou surpreso com a intimidade entre Janja e Lula.
Siro Darlan
Naquela ocasião a ascendência dela, já mostrava que tinha alguma coisa diferente, né? Uma pessoa bem da importância do Lula, da história, do carisma, ele não cede a uma pessoa, sobretudo uma mulher, o camarada aceitar um convite para ir na Escola Superior de Guerra onde ele sabe ele não é querido, não é aceito, mas assim mesmo foi, demonstra uma certa ascendência.
Adriana Negreiros
Ao final da palestra, Lula agradeceu a Janja.
Lula
Portanto, meus queridos companheiros e companheiras, eu queria agradecer à Dona Rosângela, que propôs o meu nome aqui para ser convidado.
Fabíola Cidral
Janja produziu uma monografia para concluir o curso da ESG, intitulada "Mulher e poder: relações de gênero nas instituições de defesa e segurança nacional".
No trabalho —em que cita autores como o filósofo francês Michel Foucault— defendeu a participação de mais mulheres na política.
Na página de agradecimentos, citou a mãe, um conjunto de amigas e um namorado —que preferiu não nomear—, que segundo ela "apoiou e incentivou a minha vinda para o Rio de Janeiro, mesmo sabendo das dificuldades da distância que, felizmente, não atrapalhou, só nos fortaleceu".
Janja foi cedida pela Itaipu para trabalhar na sede da Eletrobras, que fica no centro do Rio de Janeiro. Naquela época, a Itaipu era uma das empresas subordinadas à estatal.
Na Eletrobras, Janja trabalhava com sustentabilidade e comunicação
Janja descrevia o Rio de Janeiro no seu Instagram como "meu lugar no mundo". Na cidade ela dedicava algumas horas do dia aos exercícios físicos. Também postava suas refeições, a maioria delas saladas e outros pratos fitness. E torcia com vigor pelo Flamengo.
Janja
Eu sou paranaense mas o futebol sempre esteve muito em casa. Meu pai era gremista, né? (...) Mas eu cresci na geração Zico. Então eu sou flamenguista desde essa época"
Adriana Negreiros
Outro compromisso que Janja não perdia por nada eram as apresentações da banda A Cor do Som, da qual é fã desde menina. Costumava aparecer também sempre maquiada, a caminho de festas e shows de artistas brasileiros.
Eu conversei com o biógrafo Murilo Fiúza de Melo sobre esse período de Janja no Rio.
Murilo Fiúza
Ela se colocava realmente como uma mulher independente havia morar no Rio né? Os seis anos que ela que ela morou no Rio é pelo menos pelas redes a gente via que era uma mulher independente ali a para o samba sozinha ela ela publicava ela malhando na praia ali e muitas vezes colocando esse expondo né?
Adriana Negreiros
A temporada carioca terminou no dia 2 de fevereiro de 2017 quando Janja voltou para Curitiba.
Adriana Negreiros
Foi no fim daquele ano que Janja foi até o interior de São Paulo para a inauguração do campo de futebol "Dr. Sócrates Brasileiro", na Escola Nacional Florestan Fernandes do MST, em Guararema.
A partida foi apitada pelo jornalista Juca Kfouri, que a gente já ouviu aqui no podcast. Ele me recebeu para uma conversa no apartamento dele, em São Paulo.
Juca Kfouri
Sou sociólogo de Formação, me formei sem sucesso na USP sou corinthiano e avô de duas netas e nas horas vagas juiz.
Adriana Negreiros
Com a camisa 13, coube a Lula dar o pontapé inicial do amistoso.
Àquela época, a Lava Jato estava a todo vapor e as conversas sobre uma potencial prisão de Lula ganhavam força. Ainda assim, o petista parecia otimista.
Juca Kfouri
Eu acho que ele jamais acreditou também que seria preso e aí eu acrescento para você não a experiência do dia do jogo em que isso claramente não passava na cabeça dele para sempre para se ver, né? Tava feliz da vida. Tava palhaço tava brincando com todo mundo aquela coisa dele, né? Liturgia zero, né? Porque se não era como presidente ou não é como presidente não seria no campo de futebol de calção e camisa de futebol e chuteira.
Adriana Negreiros
A partida terminou empatada em 5x5. Lula marcou um único gol, de pênalti. Ao fim do jogo, uma parte dos convidados se reuniu para um almoço.
Eu perguntei ao Juca se ele lembra de ter visto Janja por lá.
Juca Kfouri
Então, Adriana, isto não te dou o menor testemunho, tá? Provavelmente eu vi a Janja, mas eu não sabia quem era, não identifiquei. (...) Não percebi nada.
Adriana Negreiros
Já que o Juca não lembra, eu fui atrás de outro amigo do Lula que também tava presente naquele dia, o advogado Marco Aurélio de Carvalho.
Marco Aurélio de Carvalho
Eu a conheci num jogo de futebol do MST. Ela já estava enfim com o presidente e acho que ali eles oficializaram o namoro, né? Então tive a oportunidade e alegria de conhecê-la naquela ocasião.
Adriana Negreiros
Janja, por outro lado, conta que, na verdade, ali começou só um flerte entre ela e Lula.
Trocaram mensagens e ligações por meio dos amigos de Lula. Como a gente já contou, o presidente não tem celular.
Na Semana Santa do ano seguinte, os dois viajaram juntos para Maresias. Foram hóspedes do Emídio de Souza, o deputado do PT que já apareceu aqui neste podcast.
Janja também acompanhou Lula nas Caravanas que ele fez pelo Brasil. Em outra oportunidade em que viajou para Maresias, Janja levou a mãe, dona Terê.
Dona Terê morreu em 28 de outubro do ano seguinte, de Covid. Distante do irmão e do pai —que morreu em abril de 2024—, Janja passaria a se dedicar integralmente a Lula.
Fabíola Cidral
A convivência discreta do casal foi interrompida com a prisão de Lula.
Durante a vigília, Janja conciliava o trabalho no escritório de Itaipu, em Curitiba, com os cuidados à distância com o namorado. Ela preparava algumas refeições de Lula e providenciava a lavagem das roupas dele —inclusive as roupas de cama.
Janja
Todos os dias eu ia para lá e chegava pouco antes das oito horas para dar o 'bom dia'. Daí, eu ia para o escritório trabalhar e voltava no fim do dia para dar o 'boa noite'.
Fabíola Cidral
Em maio de 2019, o casal sofreu um revés.
O diretor-geral de Itaipu nomeado por Bolsonaro, general Joaquim Silva e Luna, anunciou que o escritório de Curitiba seria fechado. E que todos os empregados seriam transferidos para Foz do Iguaçu nos meses seguintes.
Janja aderiu ao plano de demissão voluntária oferecido pela empresa a quem não optasse pela ida para Foz do Iguaçu. Ela assinou o documento em novembro de 2019, dias depois de Lula deixar a prisão em Curitiba.
Desde que deixou Itaipu e se aposentou, Janja tem acompanhado o presidente Lula em todos os seus compromissos.
Como a gente ouviu ao longo dos episódios, a primeira-dama tem tentado encontrar o seu lugar no governo.
Em entrevista ao programa Rolê ICL, no começo de 2024, ela desabafou a respeito do quanto essa nova realidade de viver sob os holofotes e escrutínio público é uma novidade espinhosa para ela.
Janja
Ainda é muito difícil para mim fazer o que eu estou fazendo aqui, gente. Dar entrevista, sabe? É um mundo que nunca passou pela minha cabeça.
Vocês não têm noção que, por exemplo, daquela entrevista do Fantástico, como foi difícil para mim, porque eu uso uma linguagem um pouco mais simples. Porque o meu trabalho sempre foi esse, de trabalhar com comunidades, com comunidades indígenas. Então é muito difícil para mim ter uma linguagem um pouco mais rebuscada.
Fabíola Cidral
Na campanha, conseguiu ser ativa e se fazer ouvir. No mandato do marido, distante dessa realidade "mão na massa" a qual estava acostumada tem passado maus bocados para conseguir emplacar qualquer tipo de pauta.
A gente já martelou aqui a tecla de que primeira-dama não é cargo. Enquanto estiver neste lugar, não tem muito o que Janja possa fazer. Pelo menos do jeito que ela gostaria de fazer.
Janja
Eu não sou uma socióloga da academia, eu sou uma socióloga do chão, da lama. Da vida, já carreguei muita cesta básica nas costas, mas é isso. Eu sou essa profissional.
A política das articulações, das conversas, dos acordos, é algo que ela já verbalizou mais de uma vez que não está nos seus planos.
Janja
Então a política não é uma coisa que me atrai muito.
Mas nem todo mundo concorda com a decisão da primeira-dama. E o que o futuro reserva às ambições de Janja? Sobre isso vamos tratar no nosso último episódio.
Adriana Negreiros
No último episódio de Janja:
Homenagem a Janja
Tu vai ouvir falar dela, ela que também é guerreira do povo brasileiro. Ela tá aqui ela tá lá, ela tá acolá. Essa mulher é uma ou é mil? Eu só sei que ela é mais que a primeira dama do presidente. Eu só sei que agora ela já é Janja do Brasil.
Octavio Guedes
Se ela estivesse numa roda de samba, com a camisa, do PT, cerrando os punhos e xingando o Elon Musk, OK. Mas ela é a primeira-dama e a primeira-dama carrega, em grande parte, a imagem do governo e a imagem do Estado. Você nem precisa ser recatada. Mas você não pode ser desbocada.
Josias de Souza
Não me surpreenderia pela movimentação que exibe se a Janja em 2026 fosse candidata a qualquer coisa. Acho que será candidata a deputada. Ela está se equipando para ostentar essa candidatura publicamente.
Janja
Eu quero ouvir o que eles estão falando. O que sai dali é um fiapinho, e eu quero ouvir as rodas de conversa, sabe? Eu estou aliando tudo isso à minha visão de mundo, as coisas que eu acredito. Estar nesses espaços, aprendendo também e dialogando.
Créditos:
Apresentação: Fabíola Cidral e Adriana Negreiros.
Reportagem: Adriana Negreiros, Lucas Borges Teixeira e Carla Araújo.
Roteiro: Clara Rellstab e Helena Dias.
Pesquisa: Adriana Negreiros, Clara Rellstab, Helena Dias, Bárbara Falcão e Lucas Borges Teixeira.
Coordenação: Ligia Carriel, Bárbara Falcão e Carla Araújo.
Montagem: Danilo Corrêa.
Desenho de som e finalização: João Pedro Pinheiro.
Trilha sonora original: João Pedro Pinheiro.
Trilhas adicionais: Epidemic Sound.
Direção de voz: João Pedro Pinheiro.
Design: Kiki Thomé.
Motion design: Santhiago Lopes.
Direção de arte: Gisele Pungan e René Cardilho.
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