Topo
Notícias

Depois de 7 anos, ela vai comemorar o Natal: 'Descobri que não é pecado'

Por não comemorar o Natal, Patrícia se fastou da família por um tempo - Arquivo Pessoal
Por não comemorar o Natal, Patrícia se fastou da família por um tempo Imagem: Arquivo Pessoal
do UOL

Ranieri Costa

Colaboração para UOL

17/12/2024 05h30

Para muitos brasileiros, o Natal é uma data de união familiar, presentes e mesas fartas. No entanto, para algumas pessoas, por razões de fé ou tradição, a celebração assume significados completamente diferentes ou mesmo inexistentes. É o caso de Patrícia Rodrigues, 49, e Isabele* (nome fictício), 31, cujas trajetórias oferecem olhares opostos sobre a ausência — e o reencontro — com o espírito natalino.

Patrícia: o reencontro com o Natal

Para Patrícia Rodrigues, a falta de celebração do Natal teve um peso muito grande e trouxe o afastamento da família. Por sete anos, a babá fez parte das Testemunhas de Jeová, uma comunidade religiosa que proíbe seus membros de comemorar aniversários e feriados, incluindo o Natal.

Eles só comemoram a morte de Cristo. Quando descobri que as proibições não faziam sentido, fiquei feliz com a possibilidade de voltar a celebrar o Natal com minha família, que nunca chegou a entrar na religião, relata Patrícia, que deixou a congregação há um mês.

Patrícia descreve como a religião a isolava de informações externas e impunha rígidas regras sobre o que consumir. "Eles nos privavam de consultar qualquer assunto sobre as Testemunhas de Jeová fora do site oficial da religião, porque consideram que fora desse ambiente as notícias são inverídicas."

Foi navegando no TikTok que ela se deparou com relatos de ex-membros, o que despertou sua curiosidade. "Vi pessoas dizendo que a religião era extremista. Já tinha algumas dúvidas, e isso me fez começar a pesquisar. Então, no mês passado, entreguei a carta exigida para oficializar minha saída."

Essa decisão, no entanto, trouxe consequências difíceis. "As pessoas que saem da igreja não são bem vistas porque estão 'abandonando a Jeová'. As pessoas da congregação deixaram de falar comigo e me consideram 'apóstata' ( renúncia da fé ou doutrinação."

Um novo Natal

Para Patrícia, o processo de reconstrução pessoal inclui o resgate do espírito natalino.

Eu jurava que estava obedecendo a Jeová, mas vi que estava obedecendo a homens. Descobri que não há pecado em comemorar o Natal e desejar o bem a quem amamos. Aprendi que o Natal é uma celebração do nascimento de Jesus Cristo e um momento de agradecer pelo ano que passou.

Agora, ela está ansiosa para decorar a casa e compartilhar a ceia com familiares e amigos. "Estou empolgada por tantos anos perdidos sem comemorar o Natal. Quero abraçar cada um à meia-noite e desfrutar da comida deliciosa. É algo que traz paz ao coração."

Isabele: Natal, apenas um dia comum

Se para Patrícia a ausência do Natal foi algo doloroso, para Isabele*, a falta de celebração teve um peso menor. Desde criança, Isabele conviveu com a ausência do Natal. Criada em um lar ligado à Congregação Cristã do Brasil, ela nunca participou de ceias, trocas de presentes ou decorações.

Eu cresci morando com avós e mãe, todos da CCB. Não recebia presentes porque o Natal não era comemorado, era simplesmente uma data como qualquer outra. Não havia reunião familiar, ceia ou troca de presentes. Já meu pai, como era de família católica, me presenteava.

Na Congregação, as celebrações de Natal não fazem parte do calendário religioso, contou Isabele. "Não havia celebrações. Era um culto comum, como qualquer outro que acontecia na semana. A justificativa que me deram é que, por não existir menção expressa sobre a data na Bíblia, não se comemorava."

Atualmente, Isabele* não faz mais parte da Congregação, participa de uma outra igreja evangélica, mas mantém os hábitos da infância. "Não vejo isso de forma negativa. Acho que por não ter crescido com esse costume, não é algo que me faça falta. Mas não descarto a possibilidade no futuro."

Apesar disso, ela não se opõe à celebração e aprecia as tradições natalinas de outras pessoas.

"Eu achava bonitas as decorações e a tradição de reunir a família. Já frequentei a casa de amigos católicos e evangélicos no Natal, e me senti como se estivesse em uma festa de família, um aniversário. Mas, quando me cumprimentaram com 'Feliz Natal', achei estranho no início, porque era algo novo para mim", relembrou.

Isabele* conta que já passou o Natal sozinha, mas sua família nunca a impediu de participar de celebrações com amigos. "Eles são flexíveis nesse ponto, mas continuam não comemorando."

Mesmo sem comemorar a data, ela reflete sobre a importância do significado. "Não acredito que deva ser uma regra universal aplicável a todas as igrejas. Servir e louvar a Cristo diariamente já não são motivos para celebrá-lo?"

Sobre a participação do Papai Noel nas celebrações de natal, afirma que nunca ouviu da igreja "nada que fosse pejorativo ou rotulado como pagão."

O que dizem as igrejas

As Testemunhas de Jeová, conforme descrito em seu site oficial, não comemoram o Natal por acreditarem que a data possui origens pagãs e que a Bíblia enfatiza a celebração da morte de Jesus, não de seu nascimento. A organização destaca que prefere focar na pregação e no relacionamento com Deus ao longo do ano, sem celebrações específicas.

Já a Congregação Cristã do Brasil afirmou ao UOL que Jesus orientou seus seguidores a celebrarem sua morte, e não seu nascimento, considerando este evento o centro da salvação. Apesar disso, a instituição não concedeu entrevista detalhada sobre aspectos doutrinários relacionados à comemoração do Natal.

Notícias