Infectologista francês fala sobre prós e contras de antirretroviral semestral contra HIV
O HIV continua um desafio para a saúde pública. Em 2022, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 39 milhões de pessoas conviviam com o vírus em todo o mundo. Mais de dois terços dos pacientes estão na África.
Embora nenhum medicamento seja ainda capaz de eliminar completamente o HIV do organismo, um novo tratamento inovador, o lenacapavir, baseado em duas injeções anuais, é considerado extremamente promissor. Mas o custo do medicamento - cerca de US$ 40.000 - ainda continua elevado e as indicações de uso são específicas.
O Sulenca, nome comercial do antirretroviral, é um inibidor da função do capsídeo, a capa da proteína que envolve o vírus HIV-1. Ele atua nos estágios iniciais e finais do ciclo de replicação.
Seu mecanismo de ação permite alcançar e bloquear vírus que se tornaram multirresistentes em pacientes soropositivos e por isso ele é indicado como tratamento complementar, ou seja, associado a outros comprimidos.
Nos estudos, o lenacapavir, encontrado nas formas oral e injetável, também demonstrou uma eficácia de quase 100% na prevenção contra a contaminação no caso de uma exposição ao HIV.
O laboratório Gilead, que fabrica a molécula, assinou um acordo com seis fabricantes que permite a produção genérica do medicamento e o tornará acessível em 120 países.
O Brasil ficou de fora dessa lista e um grupo de organizações pediu no último dia 1º de dezembro, Dia Mundial de Combate à Aids, medidas para acelerar o acesso.
Fim da epidemia?
A OMS, o Fundo Global e o UNAIDS estabeleceram 2030 como meta para o fim da epidemia. O lenacapavir pode ajudar a atingir esse objetivo? Segundo o infectologista francês Jade Ghosn, ainda existem obstáculos para disseminar o uso da nova molécula.
Ghosn é coordenador regional da luta contra o HIV e as Doenças Sexualmente Transmissíveis da região Île de France, onde está situada Paris. Segundo ele, a molécula tem duas principais vantagens.
"A primeira é que o lenacapavir vem de uma nova classe de medicamentos", explica. "A segunda é que ele foi formulado para ser injetado por via subcutânea, ou seja, da mesma forma que a insulina, heparina, ou os anticoagulantes, e é administrado a cada seis meses."
Atualmente, os comprimidos para tratar o HIV devem ser tomados diariamente, o que exige disciplina - as pílulas não devem ser consumidas em jejum, por exemplo. No cotidiano, essa organização gera uma sobrecarga mental elevada. "O paciente também deve andar com a caixa de remédios na bolsa", lembra o infectologista, o que pode colocá-lo em situações constrangedoras, ou o "obriga", socialmente, a ter que expor seu problema de saúde, explica.
"Os remédios fazem o paciente lembrar diariamente que têm a doença, eles comentam. Em termos de carga mental, não ter que pensar nisso por seis meses é um verdadeiro alívio e uma melhoria real na qualidade de vida das pessoas", explicou Ghosn.
Mas, apesar de todas as vantagens e de ser uma pista para avanços concretos na gestão cotidiana da doença, o lenacapavir custa caro e ainda é um tratamento complementar, reitera. Para controlar a carga viral, ou torná-la indetectável, o paciente soropositivo deve utilizar uma combinação de medicamentos, já que o vírus sofre mutações muito rapidamente.
"Isso significa que, hoje, se você quiser utilizar o lenacapavir no tratamento, ele deverá estar necessariamente associado a outros comprimidos. O paciente então perde o benefício do tratamento injetável. Se no futuro as pesquisas identificarem uma molécula associada eficaz que também possa ser administrada a cada seis meses, aí teremos realmente o benefício de um tratamento 100% injetável", analisa.
Acesso gratuito
De acordo com o infectologista francês, a Agência Nacional de Pesquisa sobre Aids e Hepatites Virais está realizando uma série de estudos para avaliar como a nova droga poderá ser integrada aos sistemas de saúde dos diferentes países, incluindo a França.
No país, desde 2013, todos os soropositivos têm acesso gratuito aos tratamentos, independentemente da carga viral. Mas, o grande desafio continua sendo o diagnóstico, já que muitas pessoas não sabem que foram contaminadas e continuam transmitindo o vírus. Cerca de 43% das infecções são descobertas em um estágio avançado.
Para o infectologista francês, os pacientes ainda têm medo de descobrir que são soropositivos e serem estigmatizados, mesmo após mais de 40 anos da descoberta do vírus.
Em sua opinião, há também menos informação do que deveria sobre as terapias que impedem a contaminação e controlam a evolução da doença. "O que é importante é que a mensagem e a comunicação em torno da infecção pelo HVI sejam mais positivas. Temos que explicar às pessoas que existem opções. Você é negativo? O importante é continuar negativo. Há ferramentas para evitar a contaminação", ressalta.
"Caso você seja positivo, hoje tratamos a infecção como uma doença crônica, como hipertensão, diabetes ou colesterol. Temos tratamentos que vão estabilizar a doença de forma permanente. A infecção nunca evoluirá para a AIDS e, principalmente, o vírus não será transmitido aos seus parceiros se você for tratado", resume o infectologista francês.