Topo
Notícias

Acervo de Lélia Gonzalez permanecerá em terreiro no Rio, decide juiz

Lélia Gonzalez em foto de 1988 - Divulgação/Projeto Lélia Gonzalez Vive
Lélia Gonzalez em foto de 1988 Imagem: Divulgação/Projeto Lélia Gonzalez Vive
Pedro Vilas Boas e Lucas Veloso
do UOL

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

16/12/2024 21h53Atualizada em 16/12/2024 22h01

O acervo da ativista e filósofa mineira Lélia Gonzalez (1935-1994) permanecerá no Ilê da Oxum Apará, em Itaguaí, no Rio de Janeiro. A decisão é do juiz Edison Ponte Burlamaqui, nesta segunda-feira (16).

O que aconteceu

A ação foi apresentada por Eliane de Almeida e Rubens de Lima, sobrinhos da escritora. Os dois querem entregar o acervo, sob posse da comunidade religiosa de matriz-africana há 29 anos, à FGV (Fundação Getúlio Vargas).

O juiz concordou com a defesa do centro religioso, que citou a prescrição do pedido de herança. Porém, a decisão ressalta que o acesso ao acervo pelos sobrinhos deve ser permitido pela comunidade -que, em caso de dano, será indenizada.

A decisão ressalta a importância histórica do material produzido por Lélia Gonzalez. "Diante da importância da obra produzida pela Sra. Lélia Gonzalez, não impede que o réu possa permitir o acesso ao acervo, a fim de se garantir a preservação de sua memória, bem como para o desenvolvimento da pesquisa histórica e científica dos temas abordados pela antropóloga".

O juiz Edison Ponte Burlamaqui também ressaltou que o acervo foi doado na época pela própria sobrinha da escritora. A decisão ainda diz que o material foi guardado no Ilê da Oxum Apará por 26 anos, sem questionamentos de familiares de Lélia.

O UOL tenta localizar a defesa dos sobrinhos. Se houver resposta, o texto será atualizado.

O acervo inclui itens como fotografias 3x4 em anos diferentes, imagens de viagens nacionais e internacionais, de manifestações, além de revistas, jornais, livros e diários pessoais. Esculturas, uma escrivaninha, uma máquina de datilografia e coleções de vinis completam o material, que, de forma geral, tem sido usado para pesquisas acadêmicas, biografias e serve de referência aos movimentos negros.

O que mudou em três décadas

Pouco depois da morte de Lélia, o acervo foi doado por sua sobrinha Eliane de Almeida ao Ilê da Oxum Apará, seguindo o desejo da escritora. A intelectual era próxima do terreiro, fundado em 1972 pelo babalorixá Jair de Ogum, com suporte da própria filósofa.

Em entrevista ao UOL em março, Eliane disse que ela não tinha o direito de doar o material ao terreiro. "Ela [Lélia] tem família. Então eu estou errada, entendeu?", pontuou.

Na época, o advogado Hédio Silva Júnior, que representa o centro religioso, acusou os sobrinhos de interesse financeiro. "Descobrimos que o Rubens [sobrinho], antes de ingressar com ação, teve a preocupação de registrar no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a marca Lélia González", argumenta.

Procurado pelo UOL, Rubens respondeu em poucas palavras: "Quero de volta o que é da família, o que é meu, só isso".

Em documento obtido pela reportagem, a FGV reforça que na última década se atenta para adquirir arquivos de mulheres com comprovada atuação no cenário político e cultural. No documento, existe a promessa de que, se a entidade estiver em posse do acervo, os itens serão higienizados, preservados, digitalizados e abertos para consulta pública.

Quem foi Lélia Gonzalez

Lélia Gonzalez era filósofa, antropóloga, escritora, política, professora e ativista do movimento negro. Em visita ao Brasil, em 2019, a ativista norte-americana Angela Davis ressaltou a importância da brasileira.

Eu me sinto estranha quando sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. E por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Eu acho que aprendo mais com Lélia Gonzales do que vocês poderiam aprender comigo Angela Davis

Um dos principais gatilhos que a fez despertar para a militância ocorreu quando, em 1964, se casou com o filósofo Luiz Carlos Gonzalez, de quem herdou o sobrenome. Luiz era de família espanhola e branca, e que não aceitava o casamento dos dois porque Lélia era negra.

No começo dos anos 1970, começou sua militância e passou a ser monitorada pela ditadura militar, que a fichou como "subversiva". Ao final da década, já estava mergulhada no movimento negro, chegando a ser uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado e do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN). Foi uma das responsáveis pela volta do movimento negro no Brasil, que havia sido abafado pela ditadura.

Notícias