Papa Francisco defende conceito de "secularismo dinâmico" durante visita à ilha da Córsega
Em discurso de encerramento da Conferência sobre a Religiosidade no Mediterrâneo, primeiro compromisso do papa em sua rápida visita à Córsega, Francisco defendeu, neste domingo (15), um secularismo (sinônimo de laicidade, termo mais utilizado na França) que não seja "estático e fixo, mas evolutivo e dinâmico". A laicidade, garantida pela Constituição francesa, é um princípio que implica a separação do Estado e das organizações religiosas e exige a igualdade de todos perante a lei, independentemente de suas crenças ou convicções.
Nesta visita inédita de um dia à Córsega, o papa está em casa. O catolicismo é profundamente enraizado na população de 355 mil habitantes da ilha francesa. Cerca de 90% dos corsas se declaram católicos, 80% pelas contas do Vaticano. Os corsas cultivam há séculos valores da Igreja Católica e perpetuam ritos e festas populares, como as procissões em homenagem aos santos, de uma forma que é apontada pelo papa Francisco como um exemplo de "religiosidade alegre" no cotidiano.
Em seu primeiro discurso do dia, ele reconheceu que a fé e a prática religiosa estão em declínio na Europa, mas elogiou o exemplo da Córsega. Diante da plateia de padres e teólogos que se reuniu durante dois dias na conferência realizada no Palácio dos Congressos, em Ajaccio, Francisco defendeu uma laicidade "capaz de se adaptar a situações diferentes ou imprevistas, e de promover uma cooperação constante entre as autoridades civis e eclesiásticas para o bem de toda a comunidade, permanecendo cada uma dentro dos limites das suas competências e do seu espaço".
"Hoje, especialmente nos países europeus, parece que a questão de Deus está desaparecendo", destacou o pontífice, alertando, no entanto, contra as análises "apressadas" deste declínio e os "juízos ideológicos que às vezes opõem, ainda hoje, a cultura cristã à cultura secular", afirmou.
Nos últimos anos, duas correntes se enfrentam na França. De um lado, há os defensores do secularismo "liberal", onde todos podem fazer valer a sua liberdade de consciência - inclusive a prática religiosa -, desde que isso não ameace a liberdade dos outros. Uma segunda corrente de opinião apoia uma laicidade "universalista", para emancipar o indivíduo das narrativas religiosas. A visão "liberal" é frequentemente acusada de ceder ao comunitarismo, enquanto a "universalista" é criticada por alguns como uma forma disfarçada de islamofobia.
A França tem as maiores comunidades de judeus e muçulmanos da Europa, e os atritos são particularmente graves entre católicos ultraconservadores e muçulmanos rigoristas. A série de atentados extremistas islâmicos da última década e a decapitação de professores que ensinam o princípio da laicidade nas escolas criaram fortes tensões no país.
Papa alerta fiéis contra superstições e extremismo
O papa Francisco demonstrou satisfação com a vitalidade da fé popular na região do Mediterrâneo, apesar das tensões provocadas pelo aumento do racismo e da xenofobia na França e na Itália, entre outros países europeus. Por outro lado, ele demonstrou preocupação que os fiéis sejam "contaminados" por "crenças fatalistas ou supersticiosas", ou "instrumentalizados por grupos que buscam fortalecer a sua identidade de forma polêmica", alimentando particularismos, oposições e, atitudes de exclusão".
Na Córsega, o Mossa Palatina, um novo movimento nacionalista de extrema direita, tem reafirmado "a primazia do catolicismo" e diz que a ilha francesa "nunca será Lampedusa", em uma comparação com a ilha italiana que recebe milhares de migrantes que atravessam o Mediterrâneo para chegar a um país da União Europeia. Esse discurso xenófobo é criticado pelo papa, que defende o acolhimento dos migrantes.
Depois de encerrar a conferência no Palácio dos Congressos de Ajaccio, Francisco circulou de papamóvel pelas ruas da cidade até a orla, onde milhares de pessoas se reuniram para saudar o pontífice. Os hotéis na ilha estão lotados de franceses de outras regiões e turistas, principalmente espanhóis e italianos.
Apelo à paz
Na sequência, num segundo discurso, desta vez na catedral Notre Dame de l'Assomption de Ajaccio, onde foi recebido pelo bispo da Córsega, Dom François-Xavier Bustillo, e pelo presidente da Conferência dos Bispos de França, Eric de Moulins-Beaufort, o jesuíta argentino lançou um apelo à "paz" para "todo o Oriente Médio", mas também "para o povo ucraniano e o povo russo". "Paz para o mundo inteiro", concluiu, citando em particular a Palestina, Israel, o Líbano e a Síria.
Depois de recitar a oração do Angelus, o soberano pontífice disse também que "apoia em espírito" as vítimas do ciclone que devastou o arquipélago de Mayotte, na véspera, matando pelo menos 14 pessoas.
O programa da visita ainda prevê uma missa ao ar livre para 9 mil fiéis, às 11h30, horário de Brasília, e um encontro no final da tarde com o presidente Emmanuel Macron, uma semana depois de o papa esnobar o convite do chefe de Estado francês para a reinauguração da Catedral Notre Dame de Paris.
Segundo o cardeal de Ajaccio, François-Xavier Bustillo, "o papa não está na Córsega para fazer política", e sim "para ser um pastor entre seu povo".