Denúncias de posts golpistas geram nova onda de réus no STF por 8/1
O STF (Supremo Tribunal Federal) abriu, desde o início de outubro, mais de 50 novos processos contra suspeitos de participar dos atos de 8 de janeiro de 2023. Esses réus não foram presos na manifestação, mas sim descobertos por meio de denúncias anônimas, exposição nas redes sociais, celulares perdidos e até impressões digitais deixadas durante a invasão.
O que aconteceu
Quase dois anos após atos de 8/1, STF ainda abre ações penais. Esses novos casos surgiram a partir de denúncias recentes da PGR (Procuradoria-geral da República), com base em inquéritos da Polícia Federal, ou de investigações que começaram em outras instâncias da Justiça e foram enviadas ao Supremo.
Maioria dos novos réus publicou vídeos dos atos de 8/1. O UOL identificou 56 decisões da Primeira Turma do STF, desde o início de outubro, autorizando a abertura de processos. Em mais de 30 casos, os manifestantes postaram imagens de si mesmos e acabaram sendo identificados pela PF. As investigações avançaram a partir do início do ano, quando o STF já julgava as mais de 1.300 pessoas presas logo após os atos.
Alguns réus foram expostos em perfis dedicados a identificar envolvidos. Ainda durante os atos, páginas de oposição ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) passaram a publicar, no Instagram e no X (antigo Twitter), rostos e nomes de participantes do ato golpista. Um dos perfis, chamado "Contragolpe Brasil", chegou a superar 1 milhão de seguidores.
Parte dos acusados foi alvo de denúncias anônimas. A PF e o Ministério Público receberam relatos por meio de canais abertos ao público, como endereços de email e o portal de acesso à informação do governo federal. Desde o início de outubro, seis ações no STF foram originadas a partir dessas informações.
Até o momento, 317 réus foram condenados pelos atos de 8/1. Segundo balanço publicado pela PGR na última quarta (11), o STF já sentenciou 230 executores flagrados na invasão e 87 incitadores que ajudaram na convocação. Além disso, mais de 500 pessoas assinaram acordo para encerrar o processo em troca de medidas alternativas —prestação de serviços comunitários e participação em um curso sobre democracia.
Exposição nas redes
Quem escapou da prisão em flagrante foi identificado nas redes. A PF e o MP coletaram registros nas redes sociais e em outras fontes externas, como reportagens de TV e sites de notícias, e também nos celulares apreendidos com os manifestantes detidos em 8 e 9 de janeiro.
Páginas de oposição a Bolsonaro engrossaram as denúncias. Um processo aberto no STF em 25 de outubro partiu de um post da página "Gado Decider", um perfil no X com 485 mil seguidores que usa inteligência artificial para expor publicações de apoiadores do ex-presidente. Outro caso, aberto no Supremo em 11 de novembro, foi revelado pelo perfil "Pesquisas e Análises Eleições", uma conta no X de orientação antibolsonarista, com 120 mil seguidores.
Denúncias traziam vídeos ou apenas fotos dos participantes. Um morador de Tupã (SP), Kleber Morandi Gandolfo, viu a mãe de 59 anos ser presa durante a invasão, mas ele não foi detido. No dia seguinte, porém, a página "Gado Decider" publicou uma captura de tela mostrando que Gandolfo estava no ato, o que deu início à investigação. A mãe, Rosemeire Morandi, foi condenada a mais de 17 anos de prisão em abril. O processo contra o filho só começou a tramitar no mês passado.
Defesa de réu fala em "perseguição". Procurada pelo UOL, a advogada Carolina Siebra afirmou que a mobilização para denunciar os participantes do 8/1 é comparável à ditadura militar e até ao nazismo. "À época dos fatos, os canais da PF receberam muitas denúncias anônimas. Denúncias essas que se assemelham a outras épocas de perseguição. Posso citar a ditadura de 1964 e até, internacionalmente, a época do Hitler, em que faziam denúncias sobre onde os judeus moravam", afirmou.
Marcas nos palácios
Alguns réus foram identificados por rastros que deixaram na invasão. O UOL identificou dois processos abertos pelo STF, em setembro, contra idosos que perderam o celular durante a manifestação. Os aparelhos foram encontrados no dia seguinte, no prédio do Senado, pelas equipes de limpeza. Outro manifestante, que virou réu em outubro, foi identificado por meio de impressões digitais deixadas no Palácio do Planalto.
Celulares tinham vídeos e mensagens que ajudaram a investigação. Euclides Paixão Torreta, um morador de Presidente Epitácio (SP), de 70 anos, avisou a seus contatos que estava "invadindo a Câmara" e, mais tarde, que "tomamos o Senado". O UOL procurou a defesa de Torreta, mas não teve retorno.
Outra denunciada alega não ter entrado no Congresso. Shirley Medeiros, moradora de Fortaleza (CE), de 64 anos, chegou a ser detida no dia 8, mas foi liberada devido à idade. Segundo a PF, ela teve o aparelho achado no salão azul do Senado. Entretanto, a investigação não encontrou vídeos ou outras provas de que ela realmente entrou no prédio. O advogado Holanda Segundo, que defende Shirley, afirma que ela ficou apenas do lado de fora e não participou da invasão.
Perícia identificou suspeito com impressões digitais. Adriano Luis Cansi, um morador de Santa Helena (PR), de 45 anos, deixou marcas de dedos em uma janela do salão oeste do Planalto e foi identificado por causa disso. Ele também foi apontado como financiador das manifestações. A CPI dos atos antidemocráticos da CLDF (Câmara Legislativa do DF), concluída em dezembro de 2023, apontou que ele alugou um ônibus de Cascavel (DF) para Brasília por R$ 10 mil, embora esse fretamento não seja alvo do processo no STF. A defesa foi procurada pelo UOL, mas não quis se manifestar.