Gestão Carol de Toni na CCJ equipa Câmara com armas para emparedar governo
Aprovação de projetos referentes ao STF, contra o aborto e sobre o voto impresso: a gestão da deputada federal Caroline de Toni (PL-SC) à frente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) abasteceu a Câmara de munição para emparedar o governo e o Supremo.
O que aconteceu
O desempenho fez a parlamentar crescer junto à direita conservadora. Citada como exemplo a ser seguido, ela é cotada para assumir a liderança da minoria e concorrer ao Senado na próxima eleição, em 2026.
A esquerda reclama dela. Um dos integrantes mais ativos na CCJ, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) afirma que a deputada "se radicalizou".
Os projetos aprovados na comissão ainda não viraram lei e precisam passar pelo plenário. Mas Chico Alencar acrescenta que a gestão de De Toni deixou pronta para a votação uma lista de propostas que permitem à Câmara chantagear o governo e o STF.
De Toni disse ao UOL que a crítica é "falaciosa". Ela afirmou que a motivação é resolver problemas do Brasil e não emparedar outros Poderes.
Os defensores da presidente da CCJ consideram que de Toni permitiu que a vontade da maioria prevalecesse. Eles afirmam que a lógica do Congresso é de vitória dos projetos que têm mais votos e aval dos caciques políticos.
O agro apoiou De Toni e viu suas propostas serem aprovadas. Presente na posse da diretoria da Associação Brasileira dos Produtores de Soja e nos jantares da Frente Parlamentar do Agronegócio, a deputada pautou, por exemplo, a votação de um projeto que dispensa ordem judicial para emprego de força policial em acampamentos de sem-terra.
A dificuldade para aprovar projetos contra o MST nunca foi falta de apoio. Líder da minoria, a deputada Bia Kicis (PL-DF) ressalta que a principal dificuldade na CCJ era vencer a obstrução da esquerda. No placar, a direita costumava ter quase o dobro de votos dos governistas.
A mesma lógica de alinhamento com caciques políticos vale para as pautas contra o STF. A Câmara passou o ano em uma disputa por espaço político com o Supremo e a consequência foi a aprovação de propostas limitando o poder dos ministros.
As pautas contra o Supremo
- PEC das decisões monocráticas: proíbe que decisão individual de ministro suspenda leis ou atos dos presidentes da Câmara e do Senado;
- Supervisão parlamentar do STF: PEC que autoriza o Congresso Nacional a suspender decisões do Supremo;
- Impeachment de ministros: cria crimes de responsabilidades e permite afastamento de ministros.
Provando projetos da direita
De Toni também ganhou pontos com a direita por um projeto sobre aborto. No fim de novembro, a CCJ aprovou uma proposta que garante a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. Na prática, as três situações em que o aborto é permitido por lei seriam extintas.
O ato final da presidente da CCJ foi ressuscitar a pauta do voto impresso. Na última semana, a comissão aprovou uma proposta que determina a recontagem física de votos.
A perspectiva é que nada que De Toni aprovou vire lei. Os deputados afirmam que a sensibilidade dos temas dificulta obtenção de apoio para as propostas terem votos no plenário.
A exceção é a proibição da decisão monocrática de ministro do STF. Ocorre que os demais projetos podem sair da gaveta se houver divergências da Câmara com o governo ou o Supremo.
Fazendo aliados fora do PL
O deputado Alberto Fraga (PL-DF) afirma que De Toni mostrou que a Câmara é de direita. Presidente da Comissão de Segurança Pública, ele articulou a aprovação de 26 medidas que tornaram a legislação penal mais severa. O apoio da comandante da CCJ foi crucial.
Integrante da CCJ, o deputado Alfredo Gaspar (União-AL) classificou De Toni como uma "grata surpresa". Ele já chama a deputada de "Carol" e disse que ela teve coragem de avançar com pautas que, mesmo tendo maioria, outros não teriam ido adiante.
Quando o PL indicou De Toni, houve reclamações da esquerda. O partido de Jair Bolsonaro também tinha escolhido Nikolas Ferreira (PL-MG) para a Comissão de Educação, outro bolsonarista raiz.
Perto de terminar o mandato na CCJ, De Toni é apresentada pelos aliados como alguém que teve atitude de magistrada. Deputados da direita citam o vídeo da gritaria generalizada na discussão do projeto do aborto e ressaltam o momento em que ela para de discutir com Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e enche uma cuia de chimarrão calmamente.
Ela colocou a esquerda no seu lugar. São 130 deputados em uma casa de direita.
Deputado Alberto Fraga
Esquerda vê radicalismo
Os deputados mais experientes do PL conversaram com De Toni antes de ela assumir a CCJ. Aconselharam a manter o equilíbrio, evitar bate-bocas e mostrar disposição em ouvir todos os campos políticos.
O conselho foi seguido por três meses, de acordo com o deputado Chico Alencar. Ele conta que, depois desse período, as reuniões para discutir a pauta das sessões da comissão foram suspensas para nunca mais voltar.
De Toni afirma que acabou com as reuniões porque elas eram pouco produtivas. Justificou que os encontros aconteciam minutos antes de a sessão começar e havia quase nenhum resultado prático.
Chico Alencar considera que deste momento em diante a gestão de Toni seguiu no rumo da radicalização. Projetos caros ao bolsonarismo foram pautados, e houve pouco espaço para propostas que a esquerda apresentava.
Também deputada por Santa Catarina, Ana Paula Lima (PT) diz que De Toni fingiu equilíbrio. A petista concorda que a presidente da CCJ não se envolveu em bate-boca, mas acrescenta que permitiu agressividade por parte da tropa de choque do bolsonarismo.
Omissão do governo
O deputado Chico Alencar diz que De Toni teve o trabalho facilitado porque o governo deu WO na CCJ. Ele explica que o líder de governo nunca apareceu para tentar negociações ou defender as posições da esquerda.
O motivo seria não se melindrar com o centrão. Na avaliação de Alencar, o Planalto deixou a direita deitar e rolar na CCJ para que os partidos como PP, União Brasil e PSD entregassem seus votos nos projetos econômicos.
As reclamações da esquerda são naturais, mas o baixo clero do centrão também tem críticas. Os parlamentares ponderaram que a forma de gestão derrubou a produtividade da CCJ.
Estes deputados dizem que as sessões se transformavam em brigas e nada era votado. A consequência foi que projetos que poderia chegar a um entendimento ficaram pelo caminho, sem nem sequer serem discutidos.
A avaliação do baixo clero do centrão sobre De Toni é que faltou discernimento. A mágoa deles ocorre porque o adiamento para 2025 pode significar a morte das propostas. A presidência da CCJ e da Câmara mudará no ano que vem e será preciso renegociar os acordos com quem assumir o cargo. Haverá, no mínimo, retrabalho.
De Toni avalia a própria gestão
A deputada diz que centrou o trabalho em quatro pilares: segurança e defesa da vida, da liberdade e da propriedade. De Toni abordou estes assuntos conforme a visão da direita.
A presidente da CCJ declarou que a maioria da população pensa desta forma. Ela apresentou o resultado de pesquisas para justificar o argumento.
- 70% da população brasileira é contrária ao aborto;
- 44% dos brasileiros já sentiram medo de criticar cortes judiciárias;
- 215% de aumento nas invasões de terra no ano passado;
- Top 10 na lista de países com mais homicídios.
Postulante ao Senado
De mal com a esquerda e com o baixo clero, mas fechada com quem decide. Esta é a posição que De Toni é colocada por colegas da direita e até por quem está na esquerda.
Bia Kicis fala que o desempenho frente à CCJ permite voos mais altos. Não é voz isolada. Na terça, o senador Jorge Seif (PL-SC) publicou uma foto no Instagram ao lado da deputada, descrita como "futura senadora".
Uma aproximação com Michelle Bolsonaro também é mencionada como sinal de prestígio. Ambas jantaram juntas na última semana e colegas de PL revelaram que a ex-primeira-dama poderá apoiar De Toni para uma vaga no Senado.
A deputada não esconde o desejo, mas diz que é cedo para tratar do assunto. Em 2026, há duas cadeiras no Senado para cada estado.
Pessoas ligadas ao PL relataram ao UOL que as negociações já começaram. Eles declaram que interlocutores da presidente da CCJ estão conversando com Bolsonaro. A decisão também passa por Jorginho Mello (PL), governador de Santa Catarina.
Enquanto a decisão não acontece, De Toni é cogitada como líder da minoria. Os deputados bolsonaristas planejam uma postura mais combativa a partir do ano que vem, visando a eleição de 2026.
Nunca escondi que, se tiver essa oportunidade, aceitarei o desafio, mas é cedo para pensar. O Senado ou uma reeleição à Câmara é uma consequência do meu trabalho.
Caroline de Toni
A comparação é estranha, mas Câmara se parece com videogame. Ganha-se uma missão e completar as tarefas significa passar para uma fase mais difícil e com maior pontuação. Dentro do núcleo da direita, Caroline de Toni passou de fase.