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Rivais de marcas chinesas questionam produção nacional e pedem mais imposto

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Imagem: Divulgação
do UOL

Raphael Panaro

Colaboração para o UOL

13/12/2024 05h30

A 'guerra' entre marcas tradicionais e montadoras chinesas que estão invadindo o mercado brasileiro ganhou um novo capítulo. A discussão da vez gira em torno da montagem dos veículos asiáticos no território nacional, já em curso por parte de marcas como Caoa Chery e que as também chinesas BYD e GWM devem iniciar a partir de 2025.

A Anfavea, a associação de fabricantes nacionais de veículos, alega que, em muitos casos, a fabricação não deveria ser considerada 'local', por utilizar componentes predominantemente importados - e, portanto, deveria ser sobretaxada.

No caso das marcas citadas, de fato, os carros são ou serão montados com base em kits vindos do exterior, em regimes conhecidos como CKD ou SKD.

CKD é a sigla em inglês para a expressão Completely Knocked Down, a qual designa veículos produzidos com base em peças totalmente separadas e importadas, tais como como motor, chassi e carroceria. Essa modalidade requer um investimento grande em espaço, uma linha de montagem sofisticada e ferramentas específicas para, literalmente, montar o veículo.

A Caoa Chery, por exemplo, tem fábrica no país que atua dessa forma.

Já SKD (Semi Knocked Down) é um processo produtivo ainda mais simples, no qual o carro chega pré-montado, pintado e até mesmo já com painéis e acabamentos no lugar.

Cabe à marca apenas finalizar o processo localmente. A complexidade é bem menor, assim como os custos. O Audi Q3 'nacional' é montado nesse esquema em São José dos Pinhais (PR).

Em ambos os casos o uso de peças nacionais é nulo ou quase. Estas formas não necessitam a criação de uma cadeia de fornecedores e localização massiva de componentes.

Mais imposto?

Os dois regimes de montagem voltaram ao noticiário recentemente, com o início de operação da chinesa BYD em sua fábrica em Camaçari (BA) no formato SKD. A marca, no entanto, já tem um calendário de nacionalização de seus veículos, com promessa de chegar ao índice de 70% até 2030.

Outra chinesa a iniciar produção nacional em 2025, a GMW terá um regime parecido, mas com a promessa de um processo inicial que não será um CKD 'tradicional', e sim peça por peça, com o processo de pintura na unidade fabril de Iracemápolis (SP).

A Anfavea pleiteia que esses carros tenham uma taxação maior do que é cobrado atualmente. A regra, estabelecida em 2022 pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), reduziu a taxa para 18% (CKD) e 16% (SKD). A taxação só chegaria a 35% novamente em 2028.

Durante o Congresso AutoData Perspectivas 2025, Márcio Leite, presidente da Anfavea, pediu a volta imediata da alíquota de 35% e afirmou que "é preciso pensar em uma nova regra respeitando o plano de quem está investindo no Brasil".

Presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e diretor de relações governamentais da GWM, Ricardo Bastos discorda da posição da Anfavea sobre mudanças na regra atual. "A questão da estabilidade de regras é muito importante para a definição de qualquer investimento no país", afirma.

Vale lembrar que recentemente a Anfavea defendeu regras ainda mais rígidas de taxação de veículos eletrificados produzidos no exterior. Antes zerada, a alíquota passou a ser aplicada no início deste ano pelo governo federal, mas de maneira escalonada e com aumentos progressivos a cada seis meses - atualmente está em 20% a 25% para híbridos e 18% para elétricos. A associação das montadoras, porém, defende que já seja implementada a cobrança integral de 35%, prevista para julho de 2026.

Para Milad Kalume Neto, consultor e especialista na indústria automotiva, a medida protecionista tem seus prós e contras. "Pelo lado positivo existe a proteção de empregos e da própria indústria, que passaria a ter mais tempo para se desenvolver e se atualizar. O lado negativo é que essa proteção tende a deixar a indústria mais tranquila e sem querer se mexer muito para superar qualquer adversidade", pondera.

O consultor também acredita que este movimento da Anfavea seja - mais uma vez - para frear a ofensiva chinesa no país. "Estão assustando com o posicionamento e produtos tecnológicos de qualidade, onde a indústria já estava, há anos se obrigando mexer nos preços", explica. "A ideia é frear o efeito das restrições aos chineses nos mercados norte-americano e europeu, impedindo que a larga produção seja descarregada em países com o Brasil".

Preço vai aumentar?

Caso o desejo da Anfavea sobre CKD e SKD seja atendido, o que isso muda? "Maiores custos de importação aliado ao dólar por volta dos R$ 6, provocarão o aumento dos preços de aquisição do veículo e por consequência na venda ao consumidor final", resume Kalume Neto.

O potencial reajuste no imposto, no entanto, não altera os planos de produção da GWM por aqui. A marca chinesa manterá a meta dos 60% de nacionalização de seus carros dentro de três anos, o que permitirá à montadora exportar seus veículos para a América Latina.

"Na estreia da produção nacional teremos diversos componentes de fornecedores locais, como pneus, rodas, bancos, vidros, componentes elétricos, entre outros, além de 100% do processo de pintura no Brasil", finaliza Bastos.

Procuradas por UOL Carros, BYD e Caoa Chery não comentaram sobre a posição da Anfavea. Já a Audi não respondeu até o fechamento desta reportagem.

O Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), também presente no Congresso, afirma que "em momento algum a produção de veículos em regime CKD/SKD fez parte da conversa das entidades com o governo". O sindicato fez parte do coro na recomposição imediata do imposto de importação para veículos eletrificados.

Outra reivindicação proposta pelo Sindipeças e já enviado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) é a reavaliação dos chamados ex-tarifários, que possibilitam a importação de peças ou conjuntos sem equivalente nacional, com redução do imposto de importação, como câmbio automático, por exemplo.

Segundo a entidade, "a proposta é colocar um prazo de validade para esses benefícios, que hoje não existe, bem como que as concessões sejam efetuadas a partir de um critério objetivo de pontuação", afirma Cláudio Sahad, presidente do órgão.

O intuito é fomentar a produção nacional dos componentes. "Caso seja atendido, certamente haverá maior celeridade na localização de peças e sistemas hoje importados", finaliza.

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