Pensão militar é 100% do salário, e civil ganha 60%; veja outros benefícios
Com benefícios praticamente intocados no pacote para conter gastos públicos, os militares deixam pensões integrais e outros benefícios para seus familiares, direitos que os civis não têm.
O que aconteceu
Em 2024, o Ministério da Defesa pagará R$ 22,8 bilhões para 235.416 pensionistas de militares. O valor equivale a 27,7% dos gastos da pasta com folha de pagamento, que somam R$ 127,9 bilhões. O restante vai para militares da ativa (33,5%) e inativos (32,7%).
Enquanto no sistema militar a pensão corresponde a 100% do salário, servidores e trabalhadores da iniciativa privada, que estão no INSS, recebem 60% do salário, mais 10% por cada dependente adicional. É o que explica o economista Pedro Fernando Nery, professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino).
A pensão é uma fonte de distorção importante. Se o pai falece em uma família de quatro pessoas, a pensão equivale a 80% do salário. Para os militares, é 100%. É uma evidente falta de isonomia.
Pedro Fernando Nery, economista
Há outros privilégios nas pensões. Até hoje, familiares de militares expulsos das Forças por crimes ou infrações recebem pensão. A Folha revelou que, só no Exército, o pagamento da morte ficta, como é chamado o benefício, ultrapassa R$ 20 milhões por ano.
O pensionista também pode transferir a pensão. Depois de usufruída por cônjuges e filhos, a pensão pode ser transferida a parentes mais afastados, como irmãos, em caso de morte de familiar mais próximo.
Ao contrário da integralidade, os dois últimos pontos são alvo do ajuste proposto pelo ministro Fernando Haddad. O terceiro é o pagamento de 3,5% da remuneração militar para o fundo de saúde militar.
Somando as três mudanças, porém, a contribuição das Forças Armadas para o ajuste será de apenas R$ 2 bilhões dos R$ 70 bilhões economizados em dois anos. A tesourada será de R$ 1 bilhão em despesas e R$ 1 bilhão em receitas.
Mudanças são vistas como "muito tímidas". "Mesmo a questão da morte ficta, que é moralizante, me parece uma nuvem de poeira", diz Nery.
O impacto é quase irrelevante, já que pouca gente é expulsa da Forças (...) Mas passa a impressão de que cederam, de que excessos estão sendo corrigidos. Não estão.
Pedro Fernando Nery, economista
Entre 2018 e 2022, o Brasil gastou R$ 94 bilhões para pagar pensões a herdeiros de militares. Teria sido suficiente para bancar o Bolsa Família a quase 3 milhões de famílias pelo mesmo período, como mostrou o colunista do UOL José Roberto de Toledo.
Herdeiras solteiras
Citada frequentemente como exemplo de privilégio, a pensão para filhas solteiras de militares deve pesar nas contas públicas até 2060. O benefício foi extinto para os militares que ingressaram na carreira a partir de 2001. Mas foi mantido até para quem estava na academia militar e ainda nem tinha filhos na época.
As projeções indicam que, até 2060, o governo e a sociedade continuarão a arcar com os custos de tal apanágio
Walton Alencar, ministro do TCU
Rombo de R$ 50 bilhões
O rombo previdenciário é a principal dor de cabeça das contas federais. Somados os déficits dos setores privado, público e militar, os gastos acima da arrecadação com aposentadoria giraram em torno de R$ 420 bilhões em 2023.
Proporcionalmente, o maior déficit é da previdência militar. Embora os R$ 49,7 bilhões de déficit da categoria equivalha a 11,6% do total, o rombo per capita é 16 vezes superior ao do INSS. Enquanto cada aposentado ou pensionista do INSS gera R$ 9,4 mil de déficit por pessoa ao ano e os servidores públicos civis geram rombo de R$ 69 mil, os militares têm déficit de R$ 159 mil por beneficiário, segundo relatório de junho do TCU (Tribunal de Contas da União), que alertou sobre os "privilégios" dos aposentados das Forças Armadas.
A arrecadação do setor militar quase não cobre suas despesas. A do setor privado cobriu 65%, a dos servidores civis 41,9%, enquanto "o sistema dos militares arrecadou apenas R$ 9,1 bi e gastou R$ 58,8 bi, perfazendo a extremamente pequena proporção de 15,47% da despesa que causa ao erário", comparou na época o ministro do TCU Walton Alencar.
O UOL procurou o Ministério da Defesa, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem. Os militares também têm alguns direitos restringidos: Eles não têm direito à greve, não podem se candidatar a cargo público quando na ativa e não recebem horas extras e adicional de periculosidade.