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Morte de estudante e homem lançado de ponte obrigam Tarcísio a criticar PMs

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo - Francisco Cepeda / Governo do Estado de SP
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo Imagem: Francisco Cepeda / Governo do Estado de SP
do UOL

Do UOL, em São Paulo

04/12/2024 05h30

Duas ações recentes executadas por policiais militares levaram o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) a fazer uma movimentação inédita em seus dois anos de mandato: posicionar-se de forma crítica em relação à atuação da corporação.

O que aconteceu

Casos aconteceram nas últimas semanas. Trata-se da morte do universitário Marco Aurelio Acosta, no último dia 20, e da divulgação de um vídeo que mostra um policial jogando um homem de uma ponte, no último domingo (1º).

Governador classificou como "absurdos" os atos de "jogar uma pessoa da ponte" e de atirar "pelas costas". Além do caso de domingo, a nota faz alusão à morte de um jovem em um mercado da zona sul, em 3 de novembro. O vídeo do caso foi revelado ontem. "Casos serão investigados e rigorosamente punidos", disse ele, que prometeu ainda outras providências.

"Essa não é a conduta que a polícia do Estado de São Paulo deve ter com nenhum cidadão", disse Tarcísio sobre morte de Marco Aurélio. Na nota divulgada no último dia 21, ele lamentou o fato e foi assertivo em relação ao tema: "Abusos nunca vão ser tolerados e serão severamente punidos".

Até então, Tarcísio nunca havia usado as redes sociais para declarações de repúdio. Por outro lado, governador usou o perfil para manifestar solidariedade a familiares de policiais mortos em vários momentos. O último foi em setembro, quando recebeu "com pesar" a notícia do assassinato do delegado Mauro Guimarães.

Situação gerou reunião de emergência no Palácio dos Bandeirantes nesta terça (3). De acordo com a colunista do UOL Raquel Landim, o encontro reuniu autoridades da área de segurança. Nele, Tarcísio disse estar preparando medidas para "corrigir o rumo" da política de segurança e "punir excessos" da PM.

Discurso contrasta com falas do passado. Em março, o governador reagiu à denúncia de entidades à ONU sobre ações violentas e letais da PM paulista, afirmando não estar "nem aí". Com mais de 30 mortes, a ação foi a mais letal das forças de segurança desde o Carandiru.

Nossa intenção é proteger a sociedade. Nós estamos fazendo o que é correto, com muita determinação e profissionalismo (...) Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com relação ao que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não tô nem aí.
Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, sobre a Operação Escudo em março

Especialistas destacam que uso excessivo da força estava em queda antes de Tarcísio. A adoção de câmeras no uniforme, comissões que analisavam as mortes cometidas por policiais e outras ações são apontadas como razões para fenômeno, interrompido pela mudança de governo e da implementação dessas políticas.

Discursos que valorizam a violência ou não a condenam acabam se refletindo em práticas do dia a dia. Vários policiais perdem o constrangimento de agir de forma errada e cria-se um ambiente de quase certeza de impunidade. O caso do homem lançado da ponte é um exemplo desse descontrole total que se estabeleceu
Cristina Neme, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz

Papel do Ministério Público e da Justiça também é lembrado. Responsáveis pelo controle externo da atividade policial, essas instâncias são citadas por especialistas como atores que poderiam ter um papel mais importante no aumento da responsabilização e redução da impunidade nos casos de abuso policial.

Secretário de segurança repetiu movimento do governador. Em novembro, Guilherme Derrite chamou de "vitimismo barato" a repercussão da morte de um menino durante operação em Santos. Hoje, ele escreveu no X: "Policial não atira pelas costas em um furto sem ameaça à vida e não arremessa ninguém pelo muro".

Casos dominaram manchetes no último mês

PM matou universitário com tiro à queima-roupa na Vila Mariana. Caso aconteceu no último dia 20. No boletim de ocorrência, policiais relataram que Marco Aurélio Cardenas Acosta teria tentado pegar a arma de um dos PMs, ocasionando o disparo. Eles alegaram que as câmeras em seus uniformes estavam desligadas.

Esse para mim foi o mais marcante de todos. Nas outras [situações], o início começa com o emprego adequado do uso da força, depois que ele transborda. Essa não, essa me pareceu um pouco gratuita
Coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante-geral da Polícia Militar, à Folha, nesta terça

PM arremessou homem de ponte na periferia. Caso aconteceu por volta de 23h de domingo, na Cidade Ademar. Segundo policiais, a vítima fugiu de abordagem quando conduzia moto sem placa em Diadema e atirou objetos contra patrulha durante perseguição. A polícia afirma que o jovem não teve ferimentos graves.

Eu considero um erro básico. Um erro emocional de jogar o rapaz ali. Aquilo era quase infantil um negócio daquele
Coronel Cássio Araújo de Freitas, comandante-geral da Polícia Militar, à Folha, nesta terça

Dependente químico foi morto por PM com 11 tiros após furtar sabão. Gabriel Soares foi morto por Vinicius Britto em mercado no Jardim Prudência, na zona sul, em 3 de novembro. Britto estava de folga e disse que Soares agiu "como se estivesse armado". A vítima foi atingida quando estava de costas e no chão.

A Polícia Militar acompanha as investigações, prestando apoio à Polícia Civil. Caso as apurações apontem para a responsabilização criminal do policial militar, medidas administrativas serão adotadas
Secretaria de Segurança Pública, em nota sobre o caso

Pai e filho foram mortos durante operações em Santos. No dia 5, Ryan Santos, de quatro anos, brincava na rua quando foi atingido. Segundo a PM, uma patrulha foi atacada e revidou os disparos —mas moradores negam. Em fevereiro, seu pai, Leonel, estava de muletas na porta de casa e foi morto em caso parecido.

Lamento que uma deputada estadual faça um vitimismo barato na Assembleia Legislativa, usando a morte de um menino de 4 anos para fazer politicagem
Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública

Questão social é fator a ser considerado. Para Cristina, o fato de Soares ser um jovem negro e do menino Ryan viver em uma favela é algo "importante". Ela acredita que a maior violência policial contra essas populações torna o fenômeno "socialmente invisível". A visão é compartilhada por outro especialista:

Casos como o dos 11 tiros só ganharam repercussão graças às imagens captadas. Elas desmentiram o primeiro relato oficial sobre a situação e funcionaram como provas materiais de erro ou má-fé dos policiais envolvidos. Imagina como seria se tivéssemos imagens de outros casos, como do menino Ryan, em Santos?
Leonardo Carvalho, pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Mortes indignaram familiares. "Foi execução, não tem outro nome", afirmou Antônio Soares, pai de Gabriel, ao Estadão. Já Eduardo Taddeo, tio da vítima, disse ao UOL que seu sobrinho foi "covardemente executado". Júlio Navarro, pai de Marco, também definiu o assassinato do filho como "a maior covardia".

Ninguém tira a minha ideia de que meu filho foi morto por xenofobia
Silvia Mônica Cardenas, peruana, mãe de Marco Aurélio Cardenas Acosta, em entrevista à TV Globo

Secretaria tomou providências parecidas nos três casos. No caso do jovem arremessado da ponte, um inquérito policial militar foi aberto e os PMs envolvidos foram afastados das ruas. O mesmo aconteceu nos casos do universitário e do dependente químico morto por roubar sabão. No caso de Ryan, só um inquérito foi aberto.

Procurada, a Secretaria de Segurança Pública ainda não se manifestou sobre o caso.

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