Presidente da Coreia do Sul recua e revoga lei marcial após rejeição do Parlamento
O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, voltou atrás nesta quarta-feira (4, noite de terça em Brasília) em sua tentativa efêmera de impor uma lei marcial, após enfrentar rejeição do Parlamento e de milhares de manifestantes que tomaram as ruas.
A inesperada iniciativa do líder conservador de decretar lei marcial no país pela primeira vez em mais de quatro décadas mergulhou a Coreia do Sul em uma grave crise e pegou de surpresa até mesmo seus aliados mais próximos.
Essa situação também coloca em xeque o futuro do presidente, com pedidos de renúncia vindos da oposição e de sindicatos, além de críticas dentro de seu próprio partido, que exigem que ele assuma a responsabilidade.
O Partido Democrático opositor, cujos deputados entraram no Parlamento isolado e enfrentaram forças de segurança para votar contra a lei, exigiu a renúncia imediata de Yoon, acusando-o de "insurreição".
"Se [Yoon] não renunciar imediatamente, o Partido Democrático iniciará imediatamente os procedimentos de destituição", ameaçou.
A maior organização sindical do país convocou uma "greve geral por tempo indeterminado" até que o presidente renuncie.
Até mesmo Han Dong Hoon, líder do Partido do Poder Popular, partido de Yoon, pediu ao presidente que explicasse "de forma direta e detalhada essa situação trágica" e afirmou que "todos os responsáveis devem prestar contas".
A agência estatal de notícias sul-coreana Yonhap relatou nesta quarta-feira que os principais assessores do presidente colocaram os cargos à disposição.
O ex-procurador, que assumiu a presidência em 2022, decretou a lei marcial na terça-feira à noite sob o argumento de uma ameaça da Coreia do Norte e de "forças antiestatais".
Mas, às 04h30 desta quarta-feira (16h30 de terça em Brasília), Yoon apareceu em um pronunciamento televisionado para anunciar a retirada dos militares e sua aceitação do pedido da Assembleia Nacional para suspender a lei marcial.
A reviravolta presidencial foi recebida com celebração pelos manifestantes que desafiavam as baixas temperaturas e a lei marcial em frente ao Parlamento, entoando cânticos como "Prendam Yoon Suk Yeol".
"Este ato de imposição sem uma causa legítima é, por si só, um crime grave", declarou Lim Myeong-pan, de 55 anos. "Ele abriu o caminho para sua própria destituição", acrescentou.
- "Forças antiestatais" -
Yoon apresentou uma série de razões para justificar a lei marcial, a primeira desde a instauração de um regime democrático no país em 1987.
"Para salvaguardar uma Coreia do Sul liberal das ameaças apresentadas pelas forças comunistas da Coreia do Norte e eliminar os elementos antiestatais que roubam a liberdade e a felicidade do povo, declaro a lei marcial de emergência", disse ele em discurso televisionado.
O presidente não deu detalhes sobre as ameaças vindas de Pyongyang, mas lembrou que o país continua tecnicamente em guerra com a Coreia do Norte, que possui um arsenal nuclear.
Em minoria no Parlamento, Yoon enfrenta um conflito intenso com a maioria opositora da casa, que recentemente aprovou um plano orçamentário significativamente reduzido para o próximo ano.
Em sua declaração, o presidente descreveu o Partido Democrático como "forças antiestatais que tentam derrubar o regime".
"A nossa Assembleia Nacional se tornou um refúgio de criminosos, uma fortaleza para uma ditadura legislativa que busca paralisar o sistema judiciário e administrativo e derrubar a ordem democrática liberal", afirmou.
Embora tenha sido de curta duração, a imposição da lei marcial levou ao desdobramento de tropas militares, à proibição de todas as atividades políticas e colocou os meios de comunicação sob controle governamental.
Helicópteros pousaram no telhado do Parlamento em Seul, onde deputados do Partido Democrático enfrentaram as forças de segurança para acessar a câmara e votar contra a lei.
A Constituição da Coreia do Sul determina que a lei marcial deve ser suspensa se a maioria do Parlamento solicitar.
- Alívio nos Estados Unidos -
A decisão de Yoon, que enfrenta uma taxa de aprovação de apenas 19% devido à sua gestão econômica e controvérsias relacionadas à esposa, surpreendeu até mesmo os Estados Unidos, seu principal aliado.
A Casa Branca afirmou que não foi informada "com antecedência" das intenções do presidente sul-coreano, mesmo tendo cerca de 28.500 soldados americanos estacionados no país para lidar com a Coreia do Norte e seu programa armamentista.
"Saudamos o anúncio do presidente Yoon de rescindir a ordem com a qual decretou a lei marcial de emergência, de acordo com a Constituição", reagiu o secretário de Estado americano, Antony Blinken. "Esperamos que as desavenças sejam resolvidas de maneira pacífica", acrescentou.
A crise impactou os mercados. A bolsa de Seul abriu com perdas de 2% e a moeda sul-coreana, o won, caiu ao nível mais baixo em relação ao dólares em dois anos.
Alan Yu, ex-diplomata americana na Ásia e pesquisador do Center for American Progress, viu a manobra como um movimento desesperado de "um líder ineficiente e profundamente impopular".
"É quase um movimento desesperado para dar a volta por cima, mas que não deu certo", disse.
Vladimir Tikhonov, professor de estudos coreanos na Universidade de Oslo, considerou improvável que "a sociedade civil sul-coreana possa continuar reconhecendo Yoon como um presidente legítimo", disse à AFP.
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