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ENTREVISTA-PT precisa estar mais presente na vida real da sociedade, diz Edinho Silva

03/12/2024 11h56

Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) - Provável próximo presidente do PT, o prefeito de Araraquara (SP), Edinho Silva, não tem meias palavras quando afirma que o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa voltar a suas bases se quiser manter a relevância, apesar de percalços nos últimos anos.

Com uma mudança no perfil do trabalhador e o crescimento de lideranças religiosas na periferia, o partido precisa aprender a lidar com essas novidades e "mais do que nunca tem que estar mais presente na vida real da sociedade", disse Edinho em entrevista recente à Reuters.

"Do ponto de vista político, para mim está cada vez mais nítido que o PT precisa estar mais presente. Não estou dizendo que não está, mas estar mais presente do ponto de vista orgânico desse cotidiano. O partido cresceu institucionalmente, isso não é ruim, isso é bom, mas, nesse momento que nós estamos vivendo, além de fortalecimento institucional, a gente tem que efetivamente estar com o pé muito presente na vida real do povo", afirmou.

Um dos homens de confiança do presidente Lula, o sociólogo de 59 anos foi um dos coordenadores da campanha presidencial de 2022, mas rejeitou o caminho óbvio de trocar a prefeitura de Araraquara, onde precisava terminar o mandato, por um ministério. Agora, ao final de sua quarta passagem como prefeito, respondeu à ideia de ser o próximo presidente do PT.

O processo para a sucessão da deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) no comando da legenda começa em março de 2025 e deve terminar em julho.

A chancela de Lula e o apoio de alguns nomes importantes, como os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, deixa poucas dúvidas de que Edinho será o vencedor do processo, apesar de resistências de alguns setores.

A visão de Edinho para o partido inclui mudanças de pauta e de postura, entre elas a defesa de uma reforma do Estado e uma reforma política, além de alterações no próprio comportamento da legenda.

"O PT nasceu com uma política de nucleação, que tinha núcleo por bairro, por categoria profissional... era o partido se reunindo semanalmente, a cada 15 dias, mensalmente, na realidade existente", disse, ao defender essa reaproximação com as comunidades e as periferias, que já foram a base do partido.

Edinho cita, por exemplo, o desafio representado pelo crescimento de lideranças evangélicas nas periferias e diz que o partido deve trabalhar com os religiosos.

"Às vezes eu ouço críticas, 'nossa juventude da periferia está sendo cooptada pelas igrejas evangélicas'. Não é cooptado, a igreja evangélica está presente na vida da periferia. Se você hoje for para um bairro periférico, dificilmente você não vai encontrar uma liderança evangélica presente ali na vida real da sociedade", disse.

"A gente tem que entender que nós não vamos mudar a realidade estando do lado de fora da organização dessa realidade. A gente só muda se a gente estiver dentro. Então, se a gente tiver presença na periferia, a liderança jovem evangélica pode estar no PT, porque nós vamos estar debatendo com essa liderança que o mundo cristão que ela defende não é diferente do mundo que nós defendemos, que é uma sociedade justa, humana, de valorização da vida."

ELEIÇÕES DE 2024 E 2026

A eleição municipal deste ano viu o PT perdendo votos em lugares onde tradicionalmente tinha força, como na periferia de grandes cidades como São Paulo, apesar de ter passado de 182 prefeituras em 2020 para 252 agora.

O resultado foi comemorado pela atual direção do partido, mas visto como tímido por outros líderes da legenda, como o ministro Padilha, o que levou a uma disputa pública com a atual presidente da legenda.

Para Edinho, a maior preocupação deve ser a derrota em territórios onde o PT tradicionalmente tinha mais voto, como a periferia de grandes cidades.

O prefeito vê nessa derrota a vitória de um discurso antissistema que chega no que chama de "classe média popular", um grupo com renda abaixo da classe média tradicional, que vive nessas periferias e, apesar de ainda precisar do Estado, está se aproximando do discurso antissistema adotado por setores mais ligados à direita.

"Em 2024 o que a gente percebe é que esse sentimento antissistema desce para o andar de baixo. Ela (a classe média popular) votou em nós em 2022 com uma expectativa grande de melhora, em que ela fosse vivenciar principalmente o Lula 2. E talvez a gente não tenha deixado claro para ela a situação que nós pegamos no Brasil, que é um pouco o preço que nós estamos pagando hoje", disse.

Para além do afastamento das periferias, e da comunicação das dificuldades que o governo tem em explicar para a população os problemas enfrentados para recuperar a economia, Edinho admite que o PT em particular, e a centro-esquerda de um modo geral, têm um enorme desafio em lidar com um mundo do trabalho diferente daquele que deu origem ao partido, com a disseminação da ideia antissistema nessa população menos favorecida, e trabalhadores que não estão no sindicato, não estão no partido e nem mesmo se veem como um grupo.

"Hoje a maior categoria profissional do Brasil é moto-entregador. Como é que a gente dialoga com esse moto-entregador, que não está no sindicato e nós temos dificuldade imensa para entender, efetivamente, a sua identidade de classe?", exemplifica.

"É um desafio imenso para o PT, para os partidos de esquerda, de centro-esquerda e do campo democrático. Primeiro, como a gente constrói a nossa reação a esse sentimento antissistema que contamina essa classe média popular, e também como que nós nos relacionamos com essa nova classe trabalhadora que está emergindo, com a diminuição da classe média operária."

Visto como mais conciliador que a atual direção petista, Edinho é um dos primeiros a defender a correlação de forças construída pelo presidente Lula para vencer as eleições em 2022 e para governar.

Ele admite que em 2022 o partido venceu pela combinação de ter Lula como candidato, a capacidade de construir um campo democrático amplo e erros do adversário Jair Bolsonaro. Com isso, diz, foi possível entrar em uma parte do eleitorado que vinha se identificando com o ex-presidente desde 2018.

Para 2026, diz, o maior desafio é "derrotar o fascismo".

"Eu penso que se nós não tivermos essa compreensão do momento histórico que nós estamos vivendo, nós vamos errar. E derrotar o fascismo não é uma tarefa só do PT, ele não consegue sozinho fazer isso", disse.

"Derrotar o fascismo é uma tarefa de um campo democrático, nem diria de centro-esquerda, de um campo democrático. Então, nós temos que caminhar para 2026 para a construção de um campo democrático, sólido, que vai ter contradições."

(Reportagem de Lisandra Paraguassu; Edição de Pedro Fonseca e Alexandre Caverni)

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