Ajuste de Haddad ignorou principal causa de déficit na previdência militar
O ajuste anunciado pelo governo federal passa ao largo da maior causa do rombo bilionário na previdência dos militares. Eles se aposentam recebendo o mesmo valor do último salário, cenário não alterado significativamente com o pacote, segundo Daniel Duque, especialista e autor de estudo sobre o tema.
O que aconteceu
Ele ressalta que os demais trabalhadores recebem no máximo o teto do INSS: R$ 7.786,02. O Portal da Transparência mostra generais ganhando R$ 38 mil, o que representa quase o quíntuplo dos demais funcionários públicos.
O gasto com aposentadoria por militar é 16 vezes superior ao dos civis. Mesmo em número muito menos que civis, eles representam 11,6% do rombo nacional
Oficiais e praças reformados (aposentados) também ganham os mesmos reajustes de quem está na ativa. A regra vale para pensões pagas a parentes de quem foi militar. O Brasil tem casos de filhas recebendo pensão até hoje de ex-combatente da Segunda Guerra morto na década de 1970.
Sem respeitar o teto do INSS, as Forças Armadas têm um déficit de R$ 50 bilhões ao ano. Esta regra especial é a principal causa do rombo na opinião de Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do Centro de Liderança Pública.
Ele diz que governo ignorou a situação no ajuste fiscal. Com isso, se mantiveram as condições para que três quartos do orçamento das Forças Armadas continue a ser gasto com pessoal, boa parte dele inativo.
Sem atacar o principal motivo do rombo, o ajuste de Fernando Haddad é insuficiente. Cálculos do próprio governo demonstram que as medidas dessa área contribuem para uma economia de R$ 2 bilhões. Pesquisador associado do Insper, o economista Marcos Mendes avalia que as medidas "nem de perto resolvem o problema".
Forças Armadas não comentaram. Procurado pela reportagem, o Ministério da Defesa não respondeu aos questionamentos. O espaço está aberto a manifestações. Eles defendem que a carreira tem peculiaridades que justificam o regime diferenciado. A maior parte delas é voltada à construção do patrimônio, em especial: dedicação integral e exclusiva, disponibilidade permanente e mobilidade geográfica.
A Marinha provocou polêmica ao comentar o ajuste fiscal. Um vídeo publicado pela Força durante o final de semana foi interpretado como protesto dos militares contra o ministro da Fazenda e contra a insinuação de que as Forças Armadas têm privilégios.
A previdência dos militares
- Despesas da previdência militar: R$ 58,8 bilhões;
- Receita: R$ 9,1 bilhões;
- Menos de 10% dos militares da ativa têm mais de 50 anos.
O pacote de Haddad para militares
- Aposentadoria a partir dos 55 anos;
- Fim da morte fíctia;
- Mudança nas pensões;
- Contribuição de 3,5% sobre salários.
Defesa prejudicada
A aposentadoria chega cedo nas Forças Armadas. Somente 1 a cada 10 militares da ativa tem mais de 50 anos. As mudanças do ajuste fiscal são irrisórias neste ponto. A proposta passa a idade de aposentadoria para 55 anos de idade —hoje ela é de 50 anos.
O estudo revela que a economia com a alteração será de R$ 12 milhões no ano que vem. Haverá uma fase de transição que dura até 2030, quando serão poupados R$ 25 milhões, valor inexpressivo diante de um rombo de R$ 50 bilhões.
Autor do estudo, Daniel Duque pondera que a defesa nacional é prejudicada. Ele explica que as Forças Armadas gastam quase todo seu dinheiro com salários, benefícios e pensões, sobrando muito pouco para equipamentos.
A situação também gera carência de verba para logística, especialização, treinamentos. Outro ponto afetado é a prontidão, que é a capacidade de uma tropa responder a uma ameaça.
O especialista defende idade mínima de 60 anos para aposentadoria. Acrescenta que é preciso acabar com a regra de se aposentar com o último salário, a chamada integralidade.
O maior problema é a integralidade, que acabou no setor público civil. Nenhum lugar do mundo tem pessoas ganhando o mesmo que o pessoal da ativa.
Daniel Duque
Pobres pagam a conta, diz consultor
O corte de gastos foi injusto. A opinião é de Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores.
Ele justifica que os militares perderam quase nada e os juízes não perderam nada. O ajuste fiscal atingiu as pessoas pobres que dependem de salário mínimo, como idosos e portadores de deficiência.
O gasto médio por militar aposentado é quase 20 vezes superior aos demais trabalhadores, afirma o economista. Ele acrescenta que a categoria tem outras vantagens como crédito com juros menores para comprar casas, vagas para filho em universidades públicas em caso de mudança de cidade e menos tempo de contribuição.
Ele avalia que o pacote do governo foi tímido para enfrentar o problema. Imaizumi ressalta que os militares são um grupo organizado e capaz de exercer pressão sobre políticos para manter o que classifica de "privilégios". Pessoas carentes não têm esse poder.
Ficou a impressão de novo de que quem pagou a conta foi o pobre.
Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores