Tribunal de Haia definirá em audiências marco jurídico para países diante das mudanças climáticas
O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em Haia, iniciou nesta segunda-feira (2) as audiências destinadas a definir as obrigações legais dos países diante das mudanças climáticas e ajudar as nações vulneráveis ??a combatê-las. Representantes de Vanuatu e de outras ilhas do Pacífico em risco abriram as negociações em torno dos procedimentos, diante de 15 juízes.
Nas próximas duas semanas, mais de 100 países e organizações vão apresentar propostas sobre o assunto, o maior número já apresentado ao TIJ.
Os ativistas esperam que a decisão dos juízes tenha consequências jurídicas importantes na luta contra as mudanças climáticas. Mas outros temem que o pedido de um parecer consultivo não vinculativo, apoiado pela ONU, tenha impacto limitado.
As audiências no Palácio da Paz ocorrem dias depois da conclusão da COP29, no Azerbaijão, que teve como resultado um acordo climático que não respondeu às demandas dos países vulneráveis.
O texto estipula que os países desenvolvidos forneçam pelo menos U$ 300 bilhões por ano até 2035 para financiar a luta contra a crise climática, muito abaixo do US$ 1 trilhão anual exigido até 2035.
Substituir promessas políticas por obrigações legais é o grande desafio destas audiências. Os estados mais vulneráveis querem obter uma decisão que os fortaleça durante futuras negociações climáticas e reequilibre poder.
Esperam também que o parecer jurídico do TIJ proporcione uma base sólida e unificada para juízes de todo o mundo que lidam com disputas climáticas.
"Precisamos de uma ação climática mais forte. Temos de reduzir as emissões, temos de fornecer financiamento climático aos países mais necessitados. Estas são todas as coisas que todos os países já tinham acordado em Paris",explicou o enviado especial de Vanuatu para as mudanças climáticas, Ralph Regenvanu.
"Isto não é algo novo. Os países já o aceitaram, mas não estão fazendo. Portanto, precisamos que o tribunal internacional diga: vocês têm a obrigação legal de fazê-lo e isso nos ajudará em nossas discussões", declarou.
Na ausência de ação, será possível responsabilizar os governos, o setor privado e as empresas multinacionais. Os envolvidos estão levando as audiências a sério, ainda que o parecer jurídico não seja vinculativo, isto é, com força legal e cumprimento das partes.
A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a Arábia Saudita, outros países do Golfo, os Estados Unidos e a China, enviarão seus advogados para argumentar em Haia. Também estarão presentes velhos poluidores do "Norte global", incluindo muitos países europeus como a França, que geralmente se opõem à judicialização da questão climática.
Em resumo, o que se espera é que, além de contar com os textos científicos, os países poderão se apoiar também sobre uma posição da Justiça.
Campanha de Vanuatu
A história da audiência climática do século começou em 2019 com um exercício simples dado a alguns estudantes de Direito da Universidade de Vanuatu. Depois, 27 deles se mobilizaram e decidiram levar a questão adiante.
Eles foram ouvidos pelo governo de Vanuatu, que apoiou a campanha durante quatro anos para que a questão chegasse às Nações Unidas. No ano passado, a Assembleia Geral da ONU adotou uma resolução, apoiada por mais de 130 países, pedindo o parecer do Tribunal Internacional de Justiça.
O documento submetia duas perguntas aos juízes internacionais: que obrigações têm os Estados no âmbito do direito internacional para proteger a Terra das emissões de gases do efeito de estufa? Quais são as consequências jurídicas destas obrigações, quando os Estados, através dos seus atos e omissões, causaram danos significativos ao sistema climático?
Os 15 juízes da TIJ são os "guardiões" do direito internacional. No final das suas deliberações, dentro de vários meses, eles não decidirão sobre as situações climáticas que serão apresentadas, mas estabelecerão princípios e dirão quais são as obrigações dos Estados de acordo com o direito internacional já existente e as soluções aplicáveis ??em caso de condenação por um tribunal nacional.
Durante as audiências, a questão climática será verificada pelos principais textos internacionais. Os relativos ao ambiente, como o Acordo de Paris, e os textos que constituem a base dos direitos políticos, culturais e sociais dos povos, como a Carta das Nações Unidas.
"Vemos como, por exemplo, a incapacidade de proteger o ambiente marinho da poluição climática viola as obrigações decorrentes do direito do mar, e como este mesmo comportamento viola o direito à autodeterminação dos povos e outros direitos humanos protegidos internacionalmente", diz Margaretha Wewerinke-Singh, especialista em direito ambiental, membro da delegação de Vanuatu ao jornal Le Monde. "De modo geral, a destruição do sistema climático terrestre constitui uma violação contínua do direito internacional".
Neste sentido, o parecer dos juízes, que deverá ser emitido no próximo ano, pode representar um marco jurídico para as disputas relacionadas com o clima nos âmbitos nacional e internacional.
Alguns dos maiores poluidores do mundo, incluindo os três maiores emissores de gases do efeito estufa, a China, os Estados Unidos e a Índia, estarão entre os 98 países e 12 organizações e grupos que deverão apresentar comentários durante a audiência.
As ONGs não podem interpor recurso em tribunal, mas algumas delas apresentaram petições.
(RFI e AFP)