Pacote da Fazenda é bom, mas não resolve desequilíbrio fiscal
O anúncio das medidas de ajuste fiscal pelo Ministro Fernando Haddad foi positivo. Entretanto, maculou-se pela mistura com o tema da mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda e não contemplou o volume suficiente de economias para reequilibrar as contas públicas.
É assim que o dólar continua acima de R$ 6, patamar alcançado após o anúncio do pacote, e os juros futuros estão bastante pressionados. Na sexta-feira, a temperatura diminuiu um pouco após as falas do Ministro da Fazenda em evento da Febraban e do Presidente da Câmara Arthur Lira, que prometeu apoiar todas as medidas de ajuste.
A coesão do mundo de Brasília será fundamental para que a economia volte aos eixos. Conviver com a "pressão alta" do câmbio e dos juros por muito tempo é perigoso, pois pressionará o próprio Banco Central e acabará prejudicando o crescimento econômico.
No pacote divulgado na semana passada, há mudanças para diferentes rubricas orçamentárias e programas que, há tempos, demandavam uma revisão. Isso tem de ser reconhecido e aplaudido. O governo está propondo alterar, principalmente:
a) A regra do salário mínimo;
b) O modo de operação e alguns critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC);
c) As regras do Abono Salarial;
d) A contabilização de despesas da Educação e do Fundeb;
e) As regras para previdência dos militares;
f) Os subsídios e subvenções;
g) A regra do Fundo Constitucional do DF; e
h) Acionamento de gatilhos no Novo Arcabouço Fiscal.
Estimamos, na Warren Investimentos, que os ganhos com o pacote podem chegar a cerca de R$ 20 bilhões, em 2025, e a algo como R$ 25 bilhões em 2026. Diversas medidas, como a alteração do abono e a limitação do crescimento do salário mínimo, têm potencial para produzir efeitos permanentes relevantes sobre a dinâmica fiscal.
O Congresso precisará apreciar as iniciativas enviadas pelo Executivo, com celeridade, para ajudar a materializar esses efeitos pretendidos. Falta pouco tempo até o final do ano e a agenda legislativa está abarrotada de questões importantes em aberto: a LDO, a LOA, os dois projetos da reforma tributária do consumo e, agora, o pacote fiscal.
As contas públicas estão fragilizadas pela ocorrência de déficits há longos anos. Para 2024, o governo deverá entregar o cumprimento da meta fiscal, mas usando a prerrogativa da chamada banda inferior da meta zero (que, na prática, permite entregar um déficit) e descontando gastos com créditos extraordinários para o Rio Grande do Sul.
O resultado efetivo, portanto, em 2024, deverá circundar os R$ 54 bilhões, pelas nossas contas. Um déficit ainda preocupante, mas muito mais baixo do que o observado em 2023, de mais de R$ 230 bilhões. Para reequilibrar as contas e, sobretudo, obter as condições de sustentabilidade da dívida como proporção do PIB, o governo tem uma tarefa difícil: produzir superávites primários.
O novo pacote pode ajudar a superar esse desafio, mas é claramente insuficiente. A intensidade das medidas precisa ser maior e o pacote terá de ser complementado com novas ações. Isso sem contar a necessária providência de cortar gastos discricionários ainda disponíveis à tesoura, no ano que vem, para entregar a meta e não ferir o Novo Arcabouço Fiscal.
Em que pese a Fazenda ter acertado no teor das medidas, tomando decisões relevantes, sobretudo considerando-se a base do governo, que pressionava para evitar qualquer modernização e promoção de ajuste, falta muito para atingirmos um resultado razoável nas contas públicas. Além disso, o pacote acabou se misturando com o anúncio de mudanças na tributação da renda que podem ter forte impacto fiscal.
A alteração na tributação da renda é fundamental e deve ser debatida. Ela é injusta, porque os ricos pagam muito menos do que deveriam e isso pode e deve ser corrigido. Não é trivial, no entanto, promover essa reforma. Ficou parecendo improviso anunciar a mudança na faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil e a possível compensação com um adicional de alíquota para quem ganha mais de R$ 50 mil.
É assim que os mercados seguem céticos e a parte positiva do pacote de contenção de gastos se desmanchou no ar, em um primeiro momento. Entendo que, com o passar dos dias, os analistas, gestores e tomadores de decisão, no mercado financeiro, devem entender que o pacote é melhor do que pareceu à primeira vista.
Somente com a limitação do salário mínimo à taxa de variação do limite de gastos derivada do Novo Arcabouço Fiscal, o governo já marcou um tento muito importante. Muitos e muitos analistas e formadores de opinião não acreditavam que isso pudesse ser feito: mexer em algo tão sensível para as esquerdas. Mas foi.
Do lado do governo, resta a tarefa do convencimento e de ampliar o escopo das medidas. O pacote nasceu em bases corretas, como se vê, mas já 'correndo atrás do prejuízo'.