Bolsonaro faz apelo a Lula e Moraes por anistia: 'Alguém tem que ceder'
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou em entrevista à revista Oeste que "para pacificar o Brasil, alguém tem que ceder". Ele foi indiciado sob suspeita dos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição do Estado democrático de Direito e organização criminosa, mas nega as acusações.
O que aconteceu
Bolsonaro faz apelo para que o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes anistie os condenados e envolvidos nos ataques de 8 de Janeiro. "Que dois pesos e duas medidas são essas, meu Deus do céu? Para nós pacificarmos o Brasil, alguém tem que ceder, quem tem que ceder é o senhor Alexandre de Moraes, é a anistia".
Ex-presidente disse que o presidente Lula (PT) e Moraes teriam de ter 'uma palavra' pela anistia. "Vamos pacificar e zerar o jogo daqui para frente. Se tivesse uma palavra do Lula, do Alexandre de Moraes no tocante à anistia, tava tudo resolvido. Não querem pacificar? Pacifica".
Bolsonaro compara cenário com o ano de 1979. Foi quando o ditador João Batista Figueiredo concedeu perdão a perseguidos políticos e abriu caminho para a redemocratização após a ditadura militar. "Eu não era deputado, mas foi anistiada gente que matou, que soltou bomba, que sequestrou, que roubou, que sequestrou avião", disse Bolsonaro.
Ele citou ainda o caso de Francisco Wanderley Luiz, que arremessou explosivos em direção ao STF em 13 de novembro e se matou. "Não pode alguém [que] acaba perdendo a vida após lançar uns fogos de artifício, dizer que isso aí é ódio do gabinete do ódio, me apresenta uma matéria que seria desse gabinete do ódio." Alexandre de Moraes afirmou, depois do ataque, que as explosões na Praça dos Três Poderes tinham como origem o "gabinete do ódio".
O relatório de indiciamento da Polícia Federal aponta relação entre o plano de golpe e o atentado realizado por Wanderley Luiz. Para a PF, a retórica golpista começou a ser inflamada em 2019 e ainda está "latente" na sociedade brasileira. O caso do homem-bomba seria um exemplo disso.
Inquérito do golpe
Bolsonaro é citado 535 vezes. De acordo com o relatório, o capitão da reserva "planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um golpe de Estado e da abolição do Estado democrático de Direito". O ex-presidente nega a existência do plano.
Caberá à PGR analisar o caso e decidir se apresenta denúncia contra os envolvidos. O órgão terá prazo inicial de 15 dias para se manifestar. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pode pedir mais tempo ou solicitar mais diligências caso entenda ser necessário. A expectativa é que ele só apresente a denúncia em 2025, devido ao grande volume de informações da investigação e à complexidade do caso. Além disso, o Judiciário entra em recesso a partir de 20 de dezembro.
Delação de Cid continua sob sigilo. Moraes justificou que há "existência de diligências em curso e outras em fase de deliberação" envolvendo a delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que firmou acordo com a PF.
Pela primeira vez, um ex-presidente eleito no período democrático foi indiciado como responsável por tramar contra a democracia. Somente com uma eventual denúncia da PGR é que o STF pode começar a julgar Bolsonaro pelos crimes apontados pela PF. A expectativa é que o caso seja julgado no ano que vem para evitar "contaminar" as eleições de 2026.
Trama incluía até plano de assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Moraes. Estratégia detalhada foi encontrada no HD do general da reserva Mario Fernandes, um dos presos da operação da PF em 19 de novembro, que investigava a tentativa de militares de matar os políticos e o ministro.
As investigações apontaram que os indiciados se estruturaram por divisão de tarefas. Isso teria permitido a "individualização das condutas e a constatação da existência de grupos", segundo a PF.
Entre os grupos, está o de desinformação e ataques ao sistema eleitoral e outro responsável por "incitar militares a aderirem golpe de Estado". Há também o núcleo jurídico, o operacional de apoio às ações golpistas, o de inteligência paralela e o operacional para cumprimento de medidas coercitivas.
Investigação reuniu mensagens de celular, vídeos, gravações e depoimentos da delação premiada de Cid. Em quase dois anos, a equipe da Diretoria de Inteligência da Polícia Federal reuniu elementos que incluem a minuta de um decreto golpista para decretar "estado de sítio" no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o vídeo de uma reunião ministerial de Bolsonaro na qual o então presidente chega a afirmar que era necessário agir antes das eleições.
A PF recuperou diálogos com teor golpista e ouviu relatos que confirmam delação de Mauro Cid. Comandantes do Exército e da Aeronáutica no governo Bolsonaro afirmaram à PF que o presidente chegou a apresentar a eles a minuta golpista e que somente o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria indicado que apoiaria a iniciativa. Intimado a depor sobre o episódio na PF, Garnier silenciou.