Pastor acusa escola de 'ritual de magia' em aula e é denunciado pelo MPDFT
O MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) abriu uma ação civil pública contra o pastor e deputado distrital Daniel de Castro (PP-DF) após ele publicar um vídeo criticando a aula de uma professora sobre cultura africana em uma escola pública de Brasília.
O que aconteceu
No dia 23 de outubro, o pastor acusou uma professora de instigar, em sala de aula, crianças a participar de rituais religiosos de matriz africana. "Essa professora incute na cabeça das crianças uma religião afro e leva inclusive para lá nome de entidades", afirmou o deputado em vídeo publicado nas redes sociais.
Parlamentar divulgou trechos de vídeos de professora em sala e acusou a docente do CEL (Centro Educacional do Lago) de "colocar folhas" e "fazer as crianças citarem nomes de seus deuses". O MPDFT afirmou que as gravações utilizadas não foram autorizadas pela docente.
Vídeo publicado nas redes sociais mostra alunos em círculo com cadernos na mão, nomes de músicas na lousa da turma e folhas no chão. As imagens foram feitas durante uma aula de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. A disciplina está prevista nas diretrizes educacionais do MEC e é eletiva.
O pastor afirma durante o vídeo que "cultuar essas entidades na sala de aula" é crime, e diz que iria pedir ao MPDFT para entrar com uma ação contra o colégio. A escola denunciou o deputado para a Comissão de Educação, Saúde e Cultura da câmara que, por sua vez, acionou o MPDFT.
Na ação, o MPDFT afirmou que o pastor "disseminou e reforçou o falso estereótipo de que as religiões de matrizes africanas estão associadas a algo 'ruim', 'mal' e 'perigoso'". O órgão também disse que esse tipo de manifestação "incita o preconceito e a discriminação contra referidas religiões" e que foi "baseada em falsas e graves acusações".
Documento também cita que a conduta do pastor "contraria frontalmente o direito fundamental à educação dos estudantes". O MPDFT reforça que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tornou obrigatório o ensino da disciplina "História e cultura afro-brasileira e indígena" desde 2023.
Os promotores solicitaram concessão de tutela de urgência ou de medida liminar para a exclusão imediata do vídeo. O juiz, entretanto, negou o pedido.
O MPDFT também pediu que o pastor pague o valor de R$ 100 mil, a título de dano moral coletivo. Metade desse valor seria revertida ao Fundo de Direitos da Criança e do Adolescente do DF e outra para alguma instituição ou programa que verse sobre Políticas Públicas para a promoção da igualdade racial.
Eles pedem que o pastor se retrate publicamente e participe de um curso de letramento racial. A ação está correndo no TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios).
O que diz o deputado
Após a denúncia do MPDFT, o deputado fez outra publicação sobre o assunto nas redes sociais. No novo vídeo, ele comenta o caso durante uma sessão da Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Ele diz que alguns deputados estão tentando inverter a situação e afirma que alguns professores estão fazendo um trabalho de "doutrinação religiosa" nas escolas. "Quem ensina religião aos filhos são os pais", concluiu o deputado.
Em nota, o deputado afirmou que ainda não tomou ciência da ação. Ele também disse estar espantado "que o Ministério Público apresente denúncia relacionada a um pedido feito por mim, no legítimo exercício do mandato parlamentar, para que fossem apuradas denúncias apresentadas por pais preocupados com ações realizadas no ambiente escolar."
O pastor se defende, afirmando que as críticas feitas por ele se inserem no âmbito de sua atuação parlamentar. "Em todas as minhas manifestações, sempre defendi a laicidade do Estado, princípio fundamental da nossa Constituição. Acredito firmemente que a escola não é lugar para a prática de qualquer religião, sendo essa uma responsabilidade que cabe exclusivamente aos pais e às famílias."
Ele afirma estar protegido pela imunidade parlamentar prevista no artigo 53 da Constituição Federal. Confira, abaixo, a nota na íntegra:
Informo que, até o presente momento, não tomei ciência da referida ação. Causa-me profundo espanto que o Ministério Público apresente denúncia relacionada a um pedido feito por mim, no legítimo exercício do mandato parlamentar, para que fossem apuradas denúncias apresentadas por pais preocupados com ações realizadas no ambiente escolar.
O vídeo publicado por mim, ainda que contenha críticas passíveis de questionamento às práticas pedagógicas de uma professora, insere-se no âmbito de minha atuação parlamentar. Tal atuação inclui atender às demandas de meu eleitorado, fiscalizando atividades e condutas de interesse público, especialmente aquelas relacionadas à educação.
Reitero que, em todas as minhas manifestações, sempre defendi a laicidade do Estado, princípio fundamental da nossa Constituição. Acredito firmemente que a escola não é lugar para a prática de qualquer religião, sendo essa uma responsabilidade que cabe exclusivamente aos pais e às famílias.
Por fim, destaco que todas as minhas falas foram proferidas no exercício do mandato parlamentar, estando plenamente protegidas pela imunidade material prevista no artigo 53 da Constituição Federal, que assegura aos parlamentares a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no âmbito do exercício de suas funções. Permaneço à disposição para quaisquer esclarecimentos, reafirmando meu compromisso com a legalidade, a transparência e a defesa do interesse público.
A resposta da escola
Após a primeira postagem do pastor Daniel de Castro, o Centro Educacional do Lago, colégio denunciado pelo deputado, publicou uma nota de repúdio. Confira na íntegra:
NOTA DE REPÚDIO
O Centro Educacional do Lago (CEL) vem a público manifestar seu mais profundo repúdio à postagem do deputado distrital Pastor Daniel de Castro, em que acusa injustamente uma de nossas professoras da eletiva "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena" de ferir a laicidade do Estado e forçar estudantes a participarem de rituais de religiões de matriz africana.
Tal afirmação é não apenas inverídica - uma vez que "rituais de magia", conforme dito pelo deputado, não aconteceram nesta escola -, mas também expressa um preconceito claro e inaceitável contra as religiões de matriz afro-brasileira.
O conteúdo ministrado pela professora está em total conformidade com as diretrizes educacionais estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF). Em particular, o currículo segue rigorosamente as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08, que determinam a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas.
A eletiva "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena" faz parte do catálogo oficial de disciplinas da SEEDF e visa promover o respeito e o reconhecimento das contribuições culturais e históricas desses povos na formação do Brasil. É essencial que os alunos recebam uma educação plural e que respeite a diversidade cultural e religiosa.
O Centro Educacional do Lago apoia integralmente o trabalho desenvolvido pela professora e reafirma seu compromisso com uma educação inclusiva e respeitosa. Não toleramos qualquer forma de preconceito, inclusive a intolerância religiosa. Nossa escola permanece um espaço de aprendizado livre de discriminação e de promoção do respeito às diferenças.