A cotação do dólar furou a barreira dos R$ 6 e tem oscilado em torno de R$ 5,9 na sessão desta quinta-feira (28). Na Bolsa, o Ibovespa recuava 1,5%, no fim do pregão matinal. No mercado de juros futuros, as taxas DI com vencimento em 2026 passavam de 14%.
A tradução da marcha desses indicadores é a de que o mercado financeiro não gostou do pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo na quarta-feira (27) e detalhado nesta quinta-feira (28). A Faria Lima considerou as medidas frouxas e insuficientes para reverter déficits nas contas públicas, cumprir as regras previstas no arcabouço fiscal e, no fim da linha, estancar a ascensão da dívida pública em relação ao PIB.
O governo, é verdade, não entregou mesmo o que o mercado queria. O mercado queria sangue, com cortes dos gastos públicos "na carne", sem o recurso a receitas adicionais para compensar novas despesas e isenções fiscais.
Mas o presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desenharam um ajuste bastante gradual, com contenção de despesas no mínimo possível para cumprir o teto do limite do arcabouço, e uma tentativa de dividir os ônus de um ajuste fiscal necessário com andares de cima da sociedade.
Com o pacote, o governo prevê economias de R$ 70 bilhões, em 2025 e 2026, considerando-as suficientes para cumprir o arcabouço. Em seis anos, de 2025 a 2030, a redução de gastos, nas contas oficiais, alcançaria R$ 327 bilhões, equivalentes a 3% do PIB atual.
Qualquer que fosse o tamanho e a profundidade dos cortes, Faria Lima, confessada opositora do governo Lula, consideraria insuficiente o total de cortes anunciado. Além disso, o pessoal do mercado financeiro ainda desconfia de que parte importante da redução de despesas anunciadas será desidratada ou pulverizada no Congresso.
De redução concreta de gastos, uma parte pela via da revisão de cadastros e detecção de fraudes, deve-se considerar apenas uma parcela R$ 10 bilhões em 2025 e outra de uns R$ 20 bilhões em 2026, totalizando em torno de R$ 30 bilhões até o fim do mandato de Lula. O resto fica a ver como o Congresso vai se comportar. As economias previstas no pacote fiscal representam a soma acumulada de um conta-gotas de cortes.
Restrições a despesas com Saúde e Educação também acabaram não entrando na roda, assim como o seguro desemprego ficou de fora. Mas o pior, na visão quase consensual dos analistas do mercado, além da ligeireza dos cortes, foi incluir, de surpresa, a reforma tributária da renda no pacote anunciado, com destaque para a isenção de Imposto de Renda aos contribuintes com renda mensal até R$ 5 mil.
As críticas se concentraram no fato de que, quando se discute cortes de despesas para equilibrar as contas públicas, evitando, pelo menos em teoria, altas nas cotações do dólar, com efeito negativo sobre a inflação e as taxas de juros, não fazia sentido adotar mais uma isenção estimada em R$ 50 bilhões anuais.
A medida, considerada "populista" pelo mercado, aliviaria a carga tributária de 36 milhões de contribuintes do IR, quase 80% do total. A previsão é que, se for aprovada, entre em vigor apenas em 2026, último ano do governo e de eleições presidenciais. Representaria alívio para um enorme contingente da classe média, considerados os padrões de renda brasileiros, e dinheiro na veia da atividade econômica.
Para compensar a perda de arrecadação, contribuintes com renda mensal superior a R$ 50 mil (R$ 600 mil anuais) passariam a contribuir com base em uma alíquota efetiva maior. A novidade, entre outras coisas, significaria o fim da isenção tributária de lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas.
Outra medida "frouxa" preservou ganhos reais do salário mínimo. Em vez de reajustar o mínimo — que corrige Previdência Social, BPC (Benefício de Prestação Continuada) e outros programas sociais — estritamente pela inflação, a cada ano, corrigindo apenas o valor monetário dos benefícios, o pacote definiu uma parcela de ganho real de 2,5%, em linha com o limite superior de crescimento dos gastos públicos primários na regra fiscal do arcabouço. Com isso, a economia prevista com o "corte" no salário mínimo somaria pouco menos de R$ 12 bilhões, no acumulado dos dois próximos anos.
Mais gradualista ainda é o tratamento dado à redução de gastos com abono salarial. Enquanto alguns, mais radicalmente fiscalistas, sugerem o fim do benefício, a proposta oficial reduz o número de trabalhadores com carteira assinada habilitados a receber o benefício não mais aos que hoje ganham dois salários mínimos mensais, mas a quem ganha 1,5 salário mínimo, numa lentíssima escada restritiva anual que levará 10 anos para alcançar este 1,5 salário. Em cinco anos, a economia prevista com essa escadinha suave não chegaria, nas contas do governo, a R$ 20 bilhões — média de R$ 4 bilhões anuais.
No caso da isenção do IR para rendas até R$ 5 mil, os analistas de mercado temem que o Congresso aprove a isenção, mas rebarbe a compensação com a taxação de contribuintes de renda mais alta, sob alegação de não aumentar a carga tributária "já no limite". Sem falar nas restrições e tetos que o pacote procura impor às emendas parlamentares.
Pode-se concluir que do limão da aceleração dos gastos e das consequentes pressões sobre as contas e a dívida públicas, Lula tentou fazer uma limonada política. Na corda bamba dos impactos em sua popularidade — e nas expectativas eleitorais para 2026 — de um ajuste fiscal inevitável, Lula fez Haddad montar um conjunto de medidas que expusesse à luz do dia, em seu favor, o conflito distributivo que dorme no limbo das propostas radicais de cortes e de imposição de tetos de gastos. A inclusão de restrições nas regras de aposentadoria de militares e de limitação a altos salários no serviço público são mais duas provas dessa intenção.
No pacote de Lula/Haddad, a embalagem é econômica, mas é política o que sai de dentro da caixa.