'Cadáver virou produto', diz dirigente de sindicato sobre cemitérios em SP
A revisão dos valores de serviços funerários em São Paulo, após determinação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Flavio Dino, foi celebrada pelo Sindsep (Sindicato dos Servidores de São Paulo). Para o secretário de assuntos jurídicos da entidade sindical, João Batista Gomes, desde a concessão dos cemitérios municipais da capital paulista à iniciativa privada, em março de 2023, "tudo virou produto, até cadáver".
O que aconteceu
Valores dos serviços funerários aumentaram drasticamente desde as privatizações, segundo Sindsep. Segundo o sindicato, após a concessão dos cemitérios pela Prefeitura de São Paulo à iniciativa privada, "os preços foram multiplicados", "o acesso aos enterros sociais gratuitos foram dificultados" e, para serviços como exumação, "os valores chegam a mais de 10 vezes o valor anterior à privatização".
Agências funerárias viraram "lojas". "No dia 7 de março, entrou a privatização [dos serviços funerários] na cidade de São Paulo. Até o dia 6, haviam 10 agências funerárias na cidade administradas pelo serviço funerário da Prefeitura. No dia 7, passou para 21, e passaram a se chamar 'lojas', onde os funcionários viraram vendedores de produtos", diz João Batista.
Nessa situação, infelizmente, tudo virou produto, até o cadáver. Isso as pessoas sentiram na pele. Os preços [dos enterros pós-privatização] são exorbitantes, isso sem falar nos outros serviços funerários. (...) Por isso, a decisão do ministro do STF é importantíssima. Com ela, as empresas vão ter de diminuir completamente a sua margem de lucro e retomar o patamar do que eram os serviços prestados antes das concessões. Essa decisão faz justiça ao povo de São Paulo. João Batista Gomes, dirigente do Sindsep, ao UOL
Levantamento mostra que preços de sepultamentos mais que triplicaram após concessão de cemitérios à iniciativa privada. De acordo dados do Sindsep, até o início das privatizações, em março de 2023, um pacote na categoria "popular" para enterro de uma pessoa custava a partir de R$ 428,04. Já depois da privatização, o piso dos mesmos serviços passou para R$ 1.494,14. Os preços atuais, porém, mesmo considerando o valor mínimo dos pacotes mais baratos, podem chegar a mais de R$ 5.000, segundo apurado pelo UOL.
Sindicato também denuncia descaso e violações por parte das empresas. "O Sindsep recebeu dezenas e dezenas de denúncias desde a privatização (...) O objetivo dessas empresas não é fazer um serviço público, mas ter lucro. Não visam o bem-estar da população. É uma situação degradante", diz Batista. Entre os problemas listados pela entidade estão:
- Ameaça de despejo de túmulos perpétuos pelas concessionárias;
- desaparecimento de ossadas de familiares;
- cobrança de exumação de corpos de vítimas da Covid-19;
- cobrança de uso de capelas;
- desabamentos de muros e falta de asseio e limpeza nos cemitérios;
- cremações sendo realizadas em cidades do interior por concessionárias sonegando arrecadação na cidade.
O que diz a decisão do STF
Ministro do STF atendeu em parte a um pedido feito pelo PCdoB. Em decisão proferida no último domingo (24), Flavio Dino atendeu parcialmente uma ação movida pelo partido, que questiona a privatização dos cemitérios e usa como base reportagens sobre o tema, que apontam preços altos e outros problemas enfrentados pela população paulistana na contratação de serviços funerários.
Ministro determinou que a cobrança dos serviços respeitem um teto. Pela decisão, os valores cobrados devem respeitar o limite dos preços anteriores à privatização atualizados pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Dino considerou tema urgente e entendeu que problemas apontados na ação do partido representam "graves violações" a direitos básicos. Para embasar a decisão, o ministro chegou a mencionar o caso de uma família que não conseguiu enterrar uma criança recém-nascida, pois a empresa responsável pelo cemitério cobrava R$ 12 mil pelo serviço. O caso foi revelado em audiência pública na presença do presidente da SP Regula, órgão responsável por fiscalizar serviços privatizados, no último dia 12, na Câmara Municipal de São Paulo.
O caminho trilhado até agora possui fortes indícios de geração sistêmica de graves violações a diversos preceitos fundamentais, entre os quais, a dignidade da pessoa humana, a obrigatoriedade de manutenção de serviço público adequado e plenamente acessível às famílias. Decisão do ministro Flávio Dino, do STF, no domingo (24)
Alteração de preços deve passar a valer imediatamente. Segundo a assessoria do ministro Flávio Dino, a decisão judicial deve ser cumprida a partir do momento em que a Prefeitura de São Paulo fosse notificada, o que ocorreu na segunda-feira (25).
Ação será analisada em plenário virtual. Os demais ministros do STF darão seus votos sobre o caso em plenário virtual, com julgamento marcado para começar no próximo dia 6 de dezembro e seguir até o dia 13 do mesmo mês.
"Decisão formidável", avaliou dirigente do Sindsep. "A ação se utiliza da Constituição Federal que prevê o respeito à dignidade humana. Imagine que você não pode enterrar o seu ente por um preço justo e é achacado na hora de enterrá-lo. De fato, isso é uma afronta à dignidade humana. Então, consideramos a medida acertadíssima e esperamos que o STF mantenha a decisão e, depois, julgue o fim da concessão, que é maléfica aos munícipes de São Paulo", afirmou Batista.
O que diz a Prefeitura
Prefeitura classificou decisão do STF como "retrocesso". Em nota, a administração municipal sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB) informou que a determinação do Supremo "elimina o desconto de 25% do funeral social garantido pela nova modelagem" e "provoca perda de benefícios". "Vale ressaltar ainda que a ação foi baseada em reportagens já contestadas pela prefeitura após publicação de valores equivocados ou incomparáveis", informa nota enviada ao UOL.
Nunes disse que ministro "deve ter sido levado a algum erro". O prefeito de São Paulo negou, após agenda pública na segunda-feira (25), que a privatização tenha aumentado o preço dos serviços funerários e disse que a regra da concessão leva em conta valores aplicados em 2019. Ele também afirmou que entrou em contato com Dino para tentar reverter a decisão. "Só pode ter sido levado a erro", declarou Nunes em coletiva de imprensa.
"Qualquer manifestação por parte do prefeito ou da prefeitura precisam ser feitas nos autos", disse assessoria de Dino. Segundo a decisão do ministro, a gestão de Nunes tem o prazo de dez dias, a partir da última segunda, para se manifestar sobre a ação.
Para Sindsep, prefeitura tem "investido em esconder fatos". Em nota, o sindicato divulgou: "A gestão do prefeito Ricardo Nunes tem investido pesadamente em esconder os fatos de que houve a supressão das opções de sepultamentos e cremações mais populares presentes nas tabelas utilizadas pelo Serviço Funerário Municipal de São Paulo até o dia 6 de março de 2023 [para efeito de comparação com os valores cobrados após a privatização]".