Eleições, guerra, pandemia: o que já provocou grandes altas do dólar
O dólar superou a marca dos R$ 6 por volta das 11h20 desta quinta-feira (28), enquanto o mercado absorvia o impacto do pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo federal.
Na quarta-feira (27), a moeda norte-americana fechou no maior valor nominal da história: R$ 5,913, alta de 1,81%. Tensão eleitoral, guerra, pandemia e crises fiscais marcaram altas históricas do dólar no Brasil.
O que aconteceu
A crise financeira global de 2008 é um exemplo clássico de como o dólar se valoriza em momentos de instabilidade. André Vasconcellos, professor da Trevisan Escola de Negócios, explica que o colapso do banco Lehman Brothers desencadeou uma aversão global ao risco, com investidores buscando refúgio em ativos seguros, como o dólar. "O dólar se valorizou cerca de 22% em relação a outras moedas, e isso afetou profundamente economias emergentes, levando a recessões e à desaceleração do comércio internacional".
Outro evento marcante foi o referendo do Brexit em 2016, que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia. "Essa decisão gerou instabilidade política e econômica, com o dólar se valorizando até 3% em relação a outras moedas no dia seguinte ao referendo. Isso mostra como eventos políticos podem impactar de forma imediata e significativa as taxas de câmbio", complementa Vasconcellos.
A guerra comercial entre Estados Unidos e China, que começou em 2018, também foi responsável por uma valorização expressiva do dólar. Alexandre Miserani, professor de economia e administração da UniArnaldo, lembra que o ambiente de incerteza gerado pelas retaliações comerciais entre as duas maiores economias do mundo fez com que investidores buscassem segurança na moeda americana. "O dólar se beneficia diretamente de cenários de instabilidade global, e isso tem um impacto severo nas moedas de mercados emergentes, como o real."
O professor também destaca o papel da guerra na Ucrânia em 2022, que desestabilizou mercados financeiros globais. "Conflitos geopolíticos aumentam a percepção de risco, levando investidores a buscar ativos considerados mais confiáveis, como o dólar. Isso pressiona moedas locais, principalmente em países emergentes."
Questões internas
Cenários eleitorais no Brasil têm historicamente causado grandes oscilações no câmbio. Em 2002, durante a campanha que levou Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, o dólar ultrapassou R$ 4 devido à desconfiança do mercado sobre a política econômica do novo governo. Em 2018, a instabilidade política também elevou a volatilidade cambial. "A eleição de Jair Bolsonaro (então PSL, hoje PL) trouxe muitas incertezas, especialmente em 2019, quando desastres econômicos sucessivos, culminando com a pandemia, pioraram o cenário para o real", analisa Miserani.
Além das tensões eleitorais, questões fiscais internas desempenham um papel crítico. "Quando os investidores percebem que o governo não está ajustando as contas públicas, eles retiram capital do país, aumentando a demanda por dólares e desvalorizando o real. Foi exatamente o que vimos nos últimos dias, com o atraso na apresentação de um pacote fiscal detalhado", explica Marcela Kawati, economista-chefe da Lifetime Asset Management.
A valorização de agora também reflete tensões geopolíticas globais e o ambiente de juros elevados nos Estados Unidos. Isso aumenta a demanda por ativos denominados em dólar. Esses elementos ecoam padrões históricos em que crises e incertezas, internas e externas, pressionam o câmbio.
Kawati enfatiza que o impacto vai além do câmbio. "A desvalorização do real encarece produtos importados, aumentando a inflação, enquanto o governo, pressionado pela dívida, tem menos recursos para investir em áreas essenciais, como saúde e educação."
A pandemia de covid-19 foi um marco na história recente do câmbio brasileiro. Em 2020, o dólar superou a marca de R$ 5 pela primeira vez, impulsionado pela busca global por ativos seguros. Kawati aponta que, além da crise sanitária, a resposta tardia do Brasil à pandemia agravou a percepção de risco, aprofundando a desvalorização do real.
A alta do dólar no Brasil é resultado de uma combinação de fatores externos, como crises financeiras e tensões geopolíticas, e internos, como instabilidades fiscais e políticas. Para Miserani, "esses episódios mostram como o dólar reflete não apenas a confiança na economia global, mas também a capacidade de gestão econômica de cada país".
Vasconcellos complementa que, em momentos de crise, o dólar se torna o porto seguro dos investidores. Isso amplia sua valorização frente a moedas emergentes. No entanto, Kawati alerta: "Sem previsibilidade fiscal e reformas estruturais, o Brasil continuará vulnerável a esses choques, com impactos diretos na inflação e no poder de compra da população".
Episódios de alta do dólar em ordem cronológica
Eleições no Brasil de 2002
Motivo: incertezas sobre a política econômica do governo Lula.
Alta: de R$ 2,30 para mais de R$ 4.
Crise financeira global de 2008
Motivo: colapso do Lehman Brothers e aversão global ao risco.
Alta: dólar valorizado globalmente em cerca de 22%.
Flash crash (queda instantânea) de 2010
Motivo: oscilações bruscas nos mercados financeiros.
Alta: dólar subiu cerca de 3% contra outras moedas em poucas horas.
Crise do teto da dívida dos EUA em 2011
Motivo: impasse político sobre o teto da dívida nos EUA.
Alta: valorização do dólar frente a moedas de mercados emergentes.
Brexit em 2016
Motivo: instabilidade política no Reino Unido.
Alta: valorização de até 3% em relação a outras moedas em um único dia.
Eleições no Brasil de 2018
Motivo: instabilidade política e incertezas econômicas.
Alta: dólar atingiu picos de cerca de R$ 4,20.
Guerra comercial EUA-China em 2019
Motivo: retaliações comerciais entre EUA e China.
Alta: oscilações significativas no dólar globalmente.
Pandemia de covid-19 em 2020
Motivo: busca global por ativos seguros.
Alta: dólar chegou a R$ 5 no Brasil.
Guerra da Ucrânia em 2022
Motivo: conflito geopolítico e fuga para ativos seguros.
Alta: dólar apresentou valorização global.
Pacote fiscal do Brasil em 2024
Motivo: forma como anúncio foi feito gerou frustração no mercado.
Alta: dólar superou a marca dos R$ 6 nesta quinta-feira (28).