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OPINIÃO

Para o mercado, pacote de cortes já deu errado antes mesmo de ser anunciado

do UOL

Colunista do UOL

27/11/2024 18h05

Antes mesmo do anúncio do tão esperado pacote de ajuste fiscal, previsto para a noite desta quarta-feira (27), em rede de rádio e TV, em pronunciamento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o mercado financeiro já reprovou a iniciativa do governo.

Prova disso: a cotação do dólar fechou na máxima histórica nominal, acima de R$ 5,90, enquanto o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira recuava mais de 1,5%, e a curva de juros futuros dava uma empinada de mais de 40 pontos, acima de 13% ao ano.

Não está previsto um detalhamento das medidas de contenção de gastos, nos sete minutos da mensagem de Haddad. Isso deverá ficar para a manhã desta quinta-feira (28).

Mas o vazamento da informação de que a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil mensais entrou de última hora no conjunto de medidas a serem anunciadas e foi suficiente para que os operadores do mercado financeiro disparassem ordens de compra de dólares, se desfizessem de ações no pregão da B3 e empurrassem as taxas de juros para o teto.

Dependendo de como seja desenhada a isenção, a arrecadação pública pode perder algo em torno de R$ 60 bilhões por ano, segundo variadas estimativas.

Aparecer com uma isenção deste porte num pacote de contenção de gastos não parece mesmo fazer muito sentido. Essa perda de receita, com a qual o governo tenta transmitir a ideia de que vai tirar benefícios sociais de um lado e compensar os prejudicados de outro, poderia sem dúvida ficar para outro momento, como, até há algumas horas, era o previsto.

Além do risco de isentar o IR até R$ 5 mil, mas com quebras nas parcelas dedutíveis que evitam saltos nos extremos das faixas de renda — o que também será criticado, neste caso, pela derrubada da escadinha progressiva da tabela do tributo —, a inclusão da isenção do IR tende a funcionar como elemento auxiliar na conclusão prévia de que o resultado do conjunto de medidas será insuficiente para estancar os desequilíbrios fiscais e a explosão da dívida pública.

Dada a animosidade não disfarçada do mercado financeiro em relação ao governo Lula, e sua adesão, ainda que menos escancarada, a um tipo de "bolsonarismo moderado", era pedra cantada que os cortes de gastos propostos pelo governo seriam considerados, fossem o que fossem, incapazes de melhorar as expectativas dos agentes econômicos em relação à política econômica.

O filme que vai começar a passar, depois do anúncio das medidas de contenção de gastos e adequação ao arcabouço fiscal, provavelmente terá um enredo parecido ao que acontecia com a política cambial, nos anos 70 do século passado, quando o país vivia crises externas e aumentar exportar era crucial.

Sempre que o governo promovia algum ajuste da cotação do dólar para cima, líderes do empresariado, à frente empresários de empresas exportadoras — destaque para o presidente da Volkswagen, Wolfgang Sauer, e o da Duratex, Laerte Setúbal — reclamavam que o dólar continuava sempre 30% abaixo da cotação desejável.

Nos próximos dias, é quase certo que veremos os Sauer e os Setúbal do mercado financeiro e do ajuste fiscal radical pelo lado dos gastos reclamando de que os cortes de gastos promovidos pelo governo, não serão suficientes para equilibrar as contas públicas, permitir juros baixos e crescimento sustentado da economia.

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