Disfarce perfeito: gangue de falsos judeus ataca prédios em área rica de SP
Uma gangue atacou ao menos sete prédios de luxo em um intervalo de um mês em Higienópolis, bairro nobre da região central de São Paulo, usando o que a Polícia Civil classificou como "disfarce perfeito".
De camisas brancas de manga comprida, calça social e peruca, eles se apresentam nas portarias como moradores e, segundo a investigação, parecem ter informações privilegiadas sobre a rotina desses condomínios.
Em alguns casos, aparecem em vídeos de câmeras de segurança com talit e quipá, o xale e a pequena touca usada por judeus ortodoxos. A vestimenta é o disfarce do bando, já que o bairro tem forte presença judaica.
Em outras abordagens, usam apenas bonés e roupas despojadas, como se fossem adolescentes de classe média alta.
O objetivo é sempre o mesmo: se misturarem entre os moradores para arrombar apartamentos, roubando milhares de reais em joias e em dinheiro vivo.
Os membros dessa quadrilha sabem se camuflar, como se fizessem parte do ambiente. Quando andam de quipá em um bairro judaico em uma região nobre de São Paulo, evitam despertar suspeitas até da polícia. Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Ainda segundo a Polícia Civil, as ações são ousadas e com uma certa dose de exibicionismo. Após invadir apartamentos desocupados usando uma chave de fenda, os integrantes do grupo tiram selfies com relógios de ouro, correntes e outras joias furtadas quando ainda estão no local.
As imagens são compartilhadas pelo WhatsApp com os comparsas em tempo real.
Um dos assaltantes tirou foto em frente ao espelho do elevador de um prédio logo após invadir o imóvel de uma das vítimas, mostrando um maço de cédulas na bolsa que carregava.
A Polícia Civil obteve essas imagens após cumprir um mandado de busca e apreensão em 5 de novembro, na casa onde moram dois irmãos suspeitos de integrar o grupo, no centro da capital paulista. Lá, apreendeu uma arma de fogo falsa, uma caixa de relógio Rolex, um porta-talit de veludo com escritos em hebraico e até a peruca usada como disfarce pelos criminosos.
Os irmãos, de 21 e 22 anos, não têm anotações criminais, mas foram apreendidos na adolescência por furtos de celular. Um terceiro integrante da quadrilha também já foi identificado.
Com base nos dados extraídos do celular de um dos suspeitos, os investigadores verificaram que um dos assaltantes comprou um carro avaliado em mais de R$ 100 mil, valor incompatível com a condição social deles, de acordo com a Polícia Civil.
Os investigadores agora buscam comprovar que o dinheiro para comprar o veículo foi obtido com os bens furtados nas invasões aos prédios de luxo de Higienópolis, que incluem relógios Rolex, joias de ouro, bolsas de luxo e dinheiro vivo, inclusive em moeda estrangeira.
A Polícia Civil quer indiciar os suspeitos por furto por associação criminosa. O trio identificado já é investigado por furto.
Eles se comportam como se fossem da comunidade para não chamar atenção. Em alguns casos, se vestem como jovens judeus. E, assim, conseguem passar despercebidos, sem que ninguém desconfie — nem mesmo o policial militar de patrulha ou o segurança da rua. Gabriel Sabino Corrêa, delegado do 4º DP
Fuga com agressões a porteiro
Vídeos dos locais atacados pelo grupo mostram ações com furtos, agressões e fugas ousadas.
Um veículo com dois suspeitos aparece nas câmeras de segurança de um prédio da Rua Maranhão, na madrugada de 2 de novembro.
Minutos depois, dois jovens com trajes judaicos descem de outro carro.
Na portaria, identificam-se como novos moradores para acessar o local. Às 3h47, entram no prédio e fingem usar o elevador, como mostram as imagens, mas acabam acessando o local pela escadaria aos fundos.
Eles tentam arrombar a porta de um dos apartamentos, mas desistem após o barulho acordar um morador, que aciona a portaria. Menos de 15 minutos depois, as imagens das câmeras de segurança registram a fuga.
O porteiro não libera a saída. Após uma discussão, um deles se equilibra por uma estreita estrutura de metal e pula a porta de entrada com cerca de 2,50 m. O outro assaltante não consegue sair e cai após ser atingido por um soco do porteiro.
O comparsa então volta à cena do crime com outros dois suspeitos que davam cobertura do lado externo. Um deles usa uma barra de ferro para quebrar o portão do prédio. O grupo agride o porteiro e consegue escapar, como mostram as imagens.
A Polícia Civil acredita que os membros da quadrilha estudaram anteriormente a rotina do prédio, já que um apartamento estava desocupado e recebeu visitas de interessados na locação nos últimos meses.
Essa dupla atacou o prédio apenas uma semana depois de o imóvel ter sido alugado. Eles só conseguiram entrar porque se identificaram como os novos inquilinos. Como o porteiro ainda não os conhecia, acabou deixando que entrassem. Severino Barbosa da Silva, zelador do prédio
O mapa dos ataques
Com base nos registros e em dados da investigação da Polícia Civil, o UOL verificou que o grupo agiu em um perímetro de 3 km para atacar os prédios, seguindo uma rota própria (veja no mapa abaixo).
O primeiro ataque ocorreu na rua Ceará, às 18h de 4 de outubro, quando dois suspeitos usando bonés disseram ser sobrinhos de uma moradora. Após esperarem alguns minutos na portaria, desistiram de entrar e foram embora.
O segundo caso ocorreu na rua Itacolomi, por volta das 16h de 11 de outubro, a apenas 600 m da ação anterior.
As imagens registraram o momento em que um dos criminosos entrou no prédio, enquanto outros dois ficaram observando do lado de fora.
O invasor deixou o local uma hora depois, levando joias e relógios de luxo —bens avaliados em cerca de R$ 280 mil.
O grupo voltou a agir uma semana depois, em 18 de outubro. Por volta das 17h20, um membro da quadrilha tentou entrar em um prédio na rua Piauí. "Percebi que ele não era morador e disse que iria chamar a polícia. Aí, ele foi embora", contou o zelador.
O mesmo criminoso percorreu apenas 130 m até a portaria de outro prédio na rua Rio de Janeiro e mais uma vez se identificou como morador, mas também não conseguiu entrar.
Depois, caminhou até outro prédio na rua Pernambuco, a apenas um quarteirão dali, e acessou o prédio pela porta da frente, aproveitando a distração de uma moradora. Um vídeo de câmera de segurança mostra o jovem acelerando o passo, enquanto a mulher segura a porta para ele entrar.
Em pouco mais de três horas, o criminoso roubou dois apartamentos, levando joias e dinheiro.
O UOL foi ao local após o episódio e verificou que havia um aviso na portaria: "Atenção: reforçamos o pedido para que todos fechem os portões de pedestres ao entrarem e saírem do edifício e não deixem o portão aberto para outros, mesmo que pareçam conhecidos".
Em um ataque ocorrido no dia 27 de outubro em um prédio na rua Doutor Veiga Filho, nas imediações do Shopping Pátio Higienópolis, um suspeito de integrar a quadrilha invadiu um apartamento.
Segundo o boletim de ocorrência, ele levou cerca de R$ 25 mil em joias, R$ 5 mil em dinheiro vivo e artigos religiosos judaicos.
Câmeras de vigilância registraram a entrada do suspeito, que se identificou como morador. As imagens também mostraram a participação de um comparsa, que monitorava o ataque do lado externo do prédio.
Minutos depois de o proprietário do imóvel furtado acessar a garagem do prédio de carro, o suspeito de integrar o grupo apareceu na portaria. Desta vez, com boné e uma mochila nas costas.
Como o porteiro não abriu, ele acabou pulando uma grade de cerca de 2,5 m para poder sair.
Como o grupo tem usado vestimentas religiosas, o UOL tentou entrar em contato com representantes da comunidade judaica, mas sem sucesso.