Juiz que votou a favor de irmão de prefeito recebe aluguel da prefeitura
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, José Gonçalo de Sousa Filho, julgou um caso do irmão do prefeito de São Luís (MA), Eduardo Braide (PSD), cinco meses após a esposa do desembargador fechar, com dispensa de licitação, um contrato de aluguel com a prefeitura no valor de R$ 889,5 mil por um ano.
O que aconteceu
TRE-MA julgou ação que acusava chapa de fraude em cotas de gênero. Ação movida em 2022 pelo PSD e pelos suplentes Inácio Melo (PSDB) e Edson Araújo (PSB) apontava existência de candidaturas femininas fictícias na chapa do PSC para a Assembleia Legislativa do Maranhão na eleição daquele ano.
Fernando Braide, irmão do prefeito de São Luís, foi eleito deputado estadual em 2022 pelo PSC. O caso foi julgado pelo TRE-MA em abril deste ano, cinco meses após a prefeitura da capital maranhense fechar o contrato com a esposa do presidente do tribunal.
José Gonçalo era o relator do processo e votou pela improcedência da ação. Apesar de sua família receber dinheiro da prefeitura, ele não se declarou impedido ou suspeito e votou contra a ação que poderia ter levado à cassação de Fernando Braide. O desembargador, porém, acabou derrotado. Por cinco votos a dois, o TRE-MA julgou a ação procedente e determinou a cassação de todos os eleitos pela chapa. A decisão seguiu um entendimento da Justiça Eleitoral de que, caso ocorra fraude à cota mínima de 30% de candidaturas femininas nas eleições proporcionais, toda a chapa deve ser cassada.
Fernando Braide e outros atingidos pela decisão recorreram ao TSE. O caso chegou em 4 de outubro ao gabinete do ministro André Mendonça, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e ainda não tem previsão de ir a julgamento. Enquanto o TSE não julga o processo, os deputados estaduais eleitos pelo PSC continuam em seus mandatos.
Sem licitação
Em novembro do ano passado, a Prefeitura de São Luís fechou um contrato de aluguel, com dispensa de licitação. O município alugou um imóvel da esposa do desembargador José Gonçalo para funcionar como sede da Secretaria Municipal da Criança e Assistência Social. O contrato tinha duração inicial de um ano, até o dia 15 de novembro passado. O valor total foi de R$ 889,5 mil, ou R$ 74 mil mensais. No dia 12 de novembro, porém, a prefeitura prorrogou por mais um ano o contrato e reajustou o valor mensal do aluguel, que passou para R$ 77,2 mil por mês.
Caso foi denunciado por empresário. Um empresário do Maranhão denunciou em janeiro a situação ao próprio TRE, ao TSE e ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Na denúncia, são citados outros episódios, como supostas manobras do desembargador para adiar o julgamento e também a relação dele com outro político julgado em outra ação sob sua relatoria.
Denúncia tem documento com assinatura do magistrado como proprietário do imóvel alugado. Apesar de o aluguel ter sido fechado em nome da esposa, a carta proposta de locação apresentada à prefeitura é assinada por José Gonçalo, que se coloca como proprietário do imóvel.
Nas representações, foi solicitado o afastamento do desembargador do processo que envolve Fernando Braide. Nenhuma das denúncias, porém, foi adiante.
CNJ e TSE arquivaram caso. Decisões dos órgãos, que são as instâncias superiores responsáveis por avaliar as denúncias contra magistrados, consideraram que o tipo de representação apresentada não seria apropriada para avaliar eventual suspeição do desembargador.
Nesse contexto, registre-se, primeiramente, que os procedimentos disciplinares não constituem a via adequada para discutir eventual suspeição e impedimento de magistrado, que devem ser oportunamente arguidos no âmbito judicial, por meio dos instrumentos processuais cabíveis. Por essa razão, a alegação de suspeição do desembargador José Gonçalo de Sousa Filho para atuar como relator nas mencionadas AIJEs não é passível de aferição neste processo administrativo.
Decisão do ministro Raúl Araújo, então corregedor-geral do TSE, ao arquivar representação em agosto deste ano
As alegações de atuação irregular pelo magistrado em ações de investigação judicial eleitoral não encontram respaldo nas provas contidas nos autos. Ainda, a via adequada para eventual discussão a respeito da condição de suspeição ou impedimento de magistrados não é a da apuração disciplinar.
Decisão do ministro Luis Felipe Salomão, então corregedor do CNJ, ao arquivar representação em agosto deste ano
Outro lado
Reportagem questionou TRE-MA sobre o contrato de aluguel. Presidente da Corte eleitoral, porém, não deu explicações sobre o contrato e a falta de licitação nem comentou sobre o fato de ter se apresentado como proprietário do imóvel para a prefeitura. Assessoria do tribunal afirmou que se tratava de assunto de "cunho pessoal".
Corte eleitoral afirmou não haver "circunstância que o desqualificasse" para atuar no caso. Na nota encaminhada à reportagem, a assessoria do tribunal afirmou que o desembargador José Gonçalves atuou "em conformidade com as disposições legais e em estrita observância às normas processuais".
Quanto à participação do desembargador presidente no julgamento desta Aije, não houve qualquer impedimento ou circunstância que o desqualificasse para atuar no caso, pois o mesmo atuou em conformidade com as disposições legais e em estrita observância às normas processuais aplicáveis.
Nota da assessoria do TRE-MA
Eduardo Braide e Prefeitura de São Luis não responderam aos contatos da reportagem. O UOL enviou perguntas para o município sobre o contrato de aluguel em 23 de outubro, mas nunca obteve resposta. A reportagem também tentou contato com o assessor do prefeito, que não respondeu, assim como a defesa de Eduardo Braide no TSE.
A reportagem não conseguiu contato com o empresário que apresentou a denúncia contra o desembargador. O contrato mencionado na representação, porém, é público e está disponível no Diário Oficial da prefeitura.