'Nada está perdido': o discurso de Bolsonaro 1 dia após mensagens golpistas
O ex-presidente Jair Bolsonaro elogiou atos golpistas e pediu fé a apoiadores em discurso no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, em 9 de dezembro de 2022 — pouco mais de um mês após reconhecer a derrota para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas.
Apenas um dia antes, o general Mario Fernandes informou o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, que o então presidente teria autorizado a tentativa de golpe até 31 de dezembro de 2022. Também foi Fernandes que teria levado, em 9 de novembro, o documento com o plano para matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, do Palácio do Planalto até o Alvorada, onde Bolsonaro morava.
Relembre o que disse Bolsonaro
Elogio aos protestos e atos golpistas
O que aconteceu? Aconteceu algo que a gente não esperava em condições normais. O que aconteceu eu nunca vi no mundo. O povo ir à rua para um presidente ficar. Eu só vi, ao longo de 67 anos, o povo ir às ruas para tirar presidente, nunca vi para ficar.
Um dia antes do discurso de Bolsonaro, o general Fernandes disse a Mauro Cid que as manifestações iriam "esmaecer ou recrudescer". Ele afirmou que não poderiam "perder oportunidades", já que perderam outras "tantas" e que seria importante que Bolsonaro sinalizasse ao Ministério da Justiça que a ação da PF em relação aos manifestantes fosse contida.
Foi nesta mesma conversa que ele confirmou ao ajudante do presidente que Bolsonaro havia dado o sinal verde para o golpe — menos de 24 horas antes de o presidente reforçar sua satisfação com os atos.
Legitimação das ações das Forças Armadas como 'responsáveis pela liberdade'
Tenho certeza que entre as minhas funções garantidas na Constituição é ser o chefe supremo das Forças Armadas. As Forças Armadas são essenciais em qualquer país do mundo. Sempre disse ao longo desses quatro anos que as Forças Armadas são os últimos obstáculos para o socialismo. As Forças Armadas, tenho certeza, estão unidas, e devem, assim como eu, lealdade ao nosso povo, respeito à Constituição e são um dos grandes responsáveis pela nossa liberdade.
Um mês antes do discurso, em 9 de novembro, o Ministério da Defesa enviou ao Tribunal Superior Eleitoral um relatório sobre o resultado das eleições. O documento não apontou indício de fraude nas urnas, mas afirmou que a análise "não foi efetiva para atestar o correto funcionamento do sistema". Ou seja, a conclusão dos militares não serviu para desmobilizar as manifestações de apoiadores que acreditavam que Bolsonaro venceu a eleição.
Chamado para a fé
Se estou aqui é porque, primeiro, acredito em Deus e segundo lugar porque devo lealdade ao povo brasileiro.
Não foi apenas Bolsonaro que ligou sua posição à providência divina. Em 18 de novembro, com o presidente ainda recluso após a derrota, o general Braga Netto foi o primeiro a falar com os manifestantes.
No Alvorada, ele pediu aos apoiadores: "Vocês não percam a fé, tá bom? É só o que eu posso falar para você agora". Foi na casa do general (e candidato a vice de Bolsonaro) que aconteceram as reuniões para discutir o golpe, segundo a PF.
Missão difícil e vitória à vista
O que aconteceu? Por que chegamos a esse ponto? Demoramos a acordar? Nunca é tarde para acordamos e sabemos da verdade. Logicamente, quanto mais tarde você acorda, mais difícil é a missão. Não é 'eu autorizo', não. É o que eu posso fazer pela minha pátria. Devemos ver o que aconteceu em outros países.
[...] Exatamente os mesmos erros, nada está perdido. O final somente com a morte.
Vamos vencer, se manifestando de acordo com as nossas leis, vocês são cidadãos de verdade. Está na hora de parar de ser tratado como outra coisa aqui no Brasil. Acredito em vocês, vamos acreditar em nosso país. Se Deus quiser, tudo dará certo no momento oportuno.
Em 6 de dezembro, Fernandes voltou a imprimir o plano "Punhal verde amarelo", para assassinar Lula, Alckmin e Moraes, no Palácio do Planalto. Bolsonaro estava no local. No dia 8, um dia antes de Bolsonaro discursar, o general Mario Fernandes disse a Mauro Cid que o presidente citou que "o dia 12, pela diplomação do vagabundo [Lula], não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa, pode acontecer até 31 de dezembro e tudo".
O dia da diplomação de Lula foi marcado pela depredação da sede da PF por bolsonaristas. Três dias depois, o plano para matar Moraes também chegou a ser parcialmente executado, mas acabou interrompido.