Livro com pinturas da etnia Kadiwéu presenteadas a Lévi-Strauss tem vendas suspensas na França
Um livro com 30 ilustrações inéditas de mulheres Kadiwéu, presenteadas ao antropólogo, sociólogo e filósofo francês Claude Lévi-Strauss, teve sua comercialização suspensa antes do lançamento previsto para 15 de novembro. A edição seria um suplemento a "Tristes Trópicos", obra seminal de Lévi-Strauss, livro que comemora 70 anos em 2025.
Patrícia Moribe, de Paris
Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas, em 28 de novembro de 1908 e morreu em Paris, cem anos depois. Entre 1935 a 1939, Lévi-Strauss lecionou sociologia na recém-criada?Universidade de São Paulo. Durante o período, o jovem acadêmico fez expedições a regiões centrais do Brasil e publicou o relato dessas e outras viagens no que se tornou um dos livros mais conceituados do século 20, "Tristes Trópicos".
As pinturas em questão foram encontradas por Monique Lévi-Strauss após décadas esquecidos no arquivo pessoal do filósofo. Ela resolveu confiar as obras para a editora Seuil, que preparou uma edição batizada de "Peintures Caduveo - Supplements à Tristes Trópiques", cuja comercialização estava prevista a partir de 15 de novembro.
A informação sobre o lançamento iminente do livro chegou ao povo Kadiwéu, que conseguiu fazer com que uma carta aberta chegasse à editora, que entrou em contato com a etnia e resolveu suspender a comercialização do livro por tempo indeterminado.
"Nós, do povo Ejiwajegi Kadiwéu, que somos descendentes das mulheres que fizeram os desenhos dados a Lévi-Strauss, vimos com espanto a falta de diálogo com o nosso povo durante esse processo. Em nenhum momento fomos consultados acerca do nosso posicionamento acerca dessa publicação", diz a carta aberta do povo indígena. "Tendo em vista que esses desenhos são patrimônio do povo Ejiwajegi Kadiwéu, que são fruto de um conhecimento que é transmitido de geração a geração, acreditamos que nosso posicionamento é essencial para o lançamento de uma publicação que se refere a esses desenhos.
Benilda Vergílio, representante das mulheres Kadiwéu, disse à RFI que estava na aldeia Alves de Barros, no município de Porto Murtinho (MS), quando um contato em Paris a informou sobre o livro. "Contei o que estava acontecendo e todos acharam que tínhamos que ser pelo menos comunicados, porque esses grafismos eles são dos nossos ancestrais".
"A representante Kadiwéu acrescentou a editora entrou em contato com o seu povo e que discussões estão em andamento.
Monique Lévi-Strauss, que tem 98 anos, expressou à RFI frustração com o ocorrido. "Eu gostaria que fossem publicados, porque sem isso, Deus sabe o que vai acontecer. Veja, eles estão na minha casa, podem ser perdidos, queimados, roubados. Então, pensei que a melhor maneira de os preservar seria publicá-los. Meu marido tinha o maior respeito pelos indígenas no Brasil, e 'Tristes Trópicos' mostra isso. Ele certamente teria ficado muito feliz em ver os desenhos publicados".
A RFI entrou em contato com a editora Seuil, que não respondeu até o momento do fechamento desta reportagem. O link referente ao livro foi retirado do ar nesta sexta-feira (22).