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"Impressiona a ousadia, mas não a intenção", diz analista sobre plano de golpe e assassinato no Brasil

21/11/2024 16h03

O RFI Convida conversou com o professor e cientista político Cláudio Couto, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, sobre as revelações da Polícia Federal acerca de um plano que incluía golpe de Estado, assassinato de ministro do Supremo Tribunal Federal e da chapa vencedora nas eleições de 2022. Detalhes, como o arsenal bélico, até o que teria sido uma tentativa abortada de sequestrar o ministro Alexandre de Moraes, renderam muitas repercussões não só no Brasil, mas também na mídia internacional.

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília

"Impressionou sim, mas não surpreendeu. É muito impressionante realmente a ousadia que tiveram esses militares ligados ao governo Bolsonaro, especificamente esse grupo de militares que integra uma tropa de elite do Exército Brasileiro, que são chamados Kids Preto. Eles mais do que planejaram, chegaram a iniciar uma ação para sequestrar o ministro do STF que também presidia o TSE. Uma tentativa que foi abortada na hora por uma mudança de agenda. Se a pauta do tribunal não tivesse sido alterada, talvez Alexandre de Moraes tivesse sido sequestrado. Então, o que realmente impressiona é essa ousadia. Mas não chega a surpreender a ideia de fazer alguma coisa desse tipo porque se tratava mesmo de um grupo golpista."           

Para o analista político, outros episódios já davam mostras de que a manutenção de poder era o principal objetivo: "Nós vimos uma série de outras iniciativas voltadas para esse fim. Por exemplo, no segundo turno da eleição, as ações da Polícia Rodoviária Federal no sentido de tentar impedir que eleitores da região nordeste, onde o candidato Lula tinha mais intenções de voto, pudessem chegar aos locais de votação.

Há muitas dúvidas que ainda precisam ser respondidas pelas investigações, como quem participou e quem sabia do plano que estava sendo traçado e que chegou a ter versões impressas, inclusive se o então presidente Jair Bolsonaro, na época já derrotado na reeleição, tinha ciência do que era tramado por pessoas de sua confiança.

"Eu acho muito improvável que ele não soubesse do que ocorria. Há indícios fortes, com essa última investigação da Polícia Federal, inclusive de que o plano desse magnicídio, para matar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral e os candidatos eleitos à presidência da República, que isso foi impresso na sala ao lado da sua no Planalto. Seria muito estranho imaginar que ele não soubesse de nada."

Muito se debate se a tentativa de sequestro foi mais exibição de amadorismo do que tática militar. Cláudio Couto afirma que o plano de prisão e execução de autoridades e candidatos poderia sim ter resultado em tragédia, mas para ele claramente era amadora a visão das consequências de um golpe como esse para o futuro do país.                    

"Aquele plano até poderia ser eficaz, ele poderia levar à prisão e assassinato dessas autoridades. Agora, me parece que faltou foi pensar no que poderia vir no dia seguinte, quer dizer, existe amadorismo no que se refere ao cálculo do cenário mais amplo. Como é que ficaria o país após um ato dessa natureza? Como é que nós ficaríamos, inclusive, num contexto tanto regional como global? Nesse sentido, a gente está falando claramente de gente muito despreparada."                                                                                                                                                                      

E para o analista tal avaliação se torna preocupante ao tratar de militares de alta patente. "São pessoas tão obcecadas pelas suas convicções ideológicas, pelo seu autoritarismo que não conseguem fazer esse tipo de cálculo. E quando você tem militares incapazes de perceberem esse cenário mais amplo, a gente tem um motivo de preocupação, tanto porque eles podem continuar conspirando dentro do país, como porque talvez eles não sejam suficientemente confiáveis caso a gente precise se defender de agressões externas. Se isso vier acontecer, será que eles são gente capaz realmente de entender o que está acontecendo? Se for contar com grupos como esse, eu tenho lá minhas dúvidas."

Forças Armadas

O especialista também comentou a visão que tem das Forças Armadas hoje e como vê o eco democrático dentro da caserna. "Eu não apostaria que a democracia é um valor acolhido pela maioria das Forças Armadas no Brasil, até pelo histórico militar desde o início da República. Eu acho que há sim alguns indivíduos ali que têm essa preocupação e outros que, na realidade, não quiseram embarcar numa aventura golpista por receio do que pudesse vir como consequência. Há uma fala que é atribuída a um desses generais de que ele não queria ter 20 dias de glória para depois ter 20 anos de sofrimento. O que é glorioso quando você destrói a democracia? A preocupação dele não era com a ruptura. Então, sou muito cético quanto a esse apego democrático, mas às vezes se não for por amor que seja por temor. Maquiável já dizia que o príncipe quando não pode ser amado é bom que seja temido. Acho que com a democracia pode ser a mesma coisa. Se não pode ser amado, é bom que pelo menos o Estado de Direito seja temido."                                                                                             

Diante dessas investigações que vieram à tona, Cláudio Couto avalia que, por enquanto, fica na geladeira a ideia de anistiar quem participou os atos golpistas de oito de janeiro, bem como do ex-presidente Bolsonaro, que está inelegível

"Acho que nesse momento uma anistia fica postergada. Agora, isso não quer dizer que não possa ser retomado mais adiante. E nós temos exemplos, inclusive ao nosso lado aqui na Venezuela, de como perdão a golpistas é perigoso. Hugo Chávez tentou um golpe de Estado em 1992, foi malsucedido, foi preso, mas poucos anos depois foi perdoado pelo presidente Rafael Caldeira. Isso permitiu que Hugo Chávez retornasse à condição de ator político relevante, disputasse a presidência, se elegesse e, a partir dali, começou um processo de erosão da democracia venezuelana, com apoio dos militares que ele lotou em postos importantes em seu governo".

Defesa da democracia

Para o professor da FGV, punir todos os citados na tentativa de golpe é arma crucial em defesa da democracia. "É fundamental que todos os que são responsáveis por essas tentativas de ruptura institucional, de golpe de Estado, de magnicídio, que todos eles sejam devidamente responsabilizados perante a lei. E se aqueles que foram lá, os bagrinhos, a bucha de canhão que foi lá invadir os prédios dos Três Poderes em 8 de janeiro pegaram penas de cerca de 17 anos de prisão, quantos anos não devem pegar esses que foram os artífices do processo? Acho que esses têm que ter sentenças muito duras e que sejam exemplares mesmo, porque talvez não haja coisa mais grave do que tentar romper com o estado de direito. Porque afinal de contas, todos os crimes para serem combatidos, precisam ter o estado de direito em pé."

Cláudio Couto também comentou o retorno de Trump em meio a um cenário político ainda polarizado no Brasil: "Acho que a volta de Trump à presidência nos Estados Unidos é também um fator preocupante para a democracia, porque ele claramente é uma liderança política de vocação autoritária. Se a gente observar as primeiras indicações para compor o seu governo, são todas figuras muito radicais dentro do Partido Republicano. Imaginemos o que teria sido no Brasil o processo eleitoral de 2022 com um governo como o de Trump nos Estados Unidos. Certamente a gente não teria o mesmo apoio que houve a democracia brasileira por parte do governo Biden, que várias vezes mandou emissários ao Brasil, inclusive seu secretário de defesa, para se dirigir diretamente aos militares brasileiros, os dissuadindo de qualquer ação."

Agora isso não significa que a vitória de Trump tem poder de influenciar os processos judiciais por aqui. "Então, é claro que a presença de uma liderança de vocação autoritária num país com a importância que têm os Estados Unidos, isso é tremendamente preocupante. Mas é um fator que por si, acredito eu, não seja suficiente para derrubar a democracia ou salvar a pele dos nossos golpistas por aqui. Acho que muitos deles estão se fiando nisso, de que Trump volta e eles quase que por automatismo vão ser perdoados daquilo que fizeram. Não acho que é assim que funciona, estamos num país soberano e que pode levar adiante o cumprimento das leis."

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