Descoberta excepcional de 'cabeça de Cristo' antecede reabertura da catedral Notre-Dame de Paris
Mil fragmentos da parede esculpida que separava o coro da nave foram desenterrados durante escavações arqueológicas antes da reabertura de Notre-Dame, que foi devastada por um incêndio em 2019. Uma descoberta que passou quase despercebida, talvez para não interferir no ritmo acelerado das obras de reconstrução, segundo informações desta quinta-feira (21) do site do jornal Libération.
Mil fragmentos da parede esculpida que separava o coro da nave foram desenterrados durante escavações arqueológicas antes da reabertura de Notre-Dame, que foi devastada por um incêndio em 2019. Uma descoberta que passou quase despercebida, talvez para não interferir no ritmo acelerado das obras de reconstrução, segundo informações desta quinta-feira (21) do site do jornal Libération.
Recostado sobre o lado esquerdo, um Cristo morto talhado na madeira secular tem os olhos fechados. De tamanho modesto, a cabeça esculpida é comovente em sua expressão. "Há uma serenidade impressionante nela", declarou o arqueólogo Christophe Besnier, responsável pela descoberta em 2022 na catedral de Notre-Dame, em Paris, ao Libé.
A barba da escultura é delicadamente trabalhada, o cabelo ondulado, realçado pela policromia. "A impressão é de que seus olhos estão prestes a se abrir", afirmou Damien Berné, curador de patrimônio e responsável pelas esculturas no Musée de Cluny, também em Paris. Ele destaca que a escultura ainda preserva o nariz, reto e de formato perfeito. "Isso é muito raro. Normalmente, as esculturas perdem os narizes [com o tempo]", explica.
A exposição Faire parler les pierres, sculptures médiévales à Notre-Dame, em cartaz no Musée de Cluny, apresenta ao público, pela primeira vez, trinta fragmentos esculpidos, incluindo o "Cristo Adormecido", resultado da incrível descoberta realizada pelos arqueólogos na catedral após o incêndio.
Obra-prima da escultura do século 13
Durante as escavações realizadas há dois anos e meio, foram encontrados vestígios de parte do arco medieval, uma obra-prima da escultura do século 13, colocada por volta de 1220-1230 para separar o coro da nave da catedral. "Essa obra era admirada por príncipes de toda a Europa. Naquela época, as oficinas de escultores em Paris eram a referência", ressalta Damien Berné, curador da exposição.
Pouco se falou sobre essa descoberta extraordinária até o momento. Em 2 de fevereiro de 2022, uma equipe do Institut National de Recherches d'Archéologie Préventive (Inrap) trabalhava intensamente em Notre-Dame. Antes de instalar 600 toneladas de andaimes de cem metros para a reconstrução da torre destruída pelo incêndio de 2019, foi necessário colocar uma laje de concreto no cruzamento do transepto.
Consultado previamente, o departamento regional de arqueologia enviou uma equipe para escavar uma área de pouco mais de cem metros quadrados, com até 40 centímetros de profundidade. "Se não realizássemos a escavação, sabíamos que todos os vestígios arqueológicos naquela profundidade seriam destruídos", explicou Christophe Besnier, responsável pelas operações.
Sob a pavimentação, os arqueólogos inicialmente encontraram uma estrutura usada para estabilizar a superfície. Nesse ponto, o subsolo era atravessado por uma rede de dutos e aquecedores instalados por volta de 1860, durante a restauração de Eugène Viollet-le-Duc em Notre-Dame. A equipe logo desenterrou um pequeno tesouro: um caixão antropomórfico de chumbo, uma descoberta revelada algumas semanas depois durante uma visita à catedral feita pela Ministra da Cultura da França, Roselyne Bachelot.
Cold case literário
Os pesquisadores ainda não sabem a identidade da pessoa, mas é evidente que se tratava de uma figura importante, já que ser enterrado perto do coro de uma catedral era um privilégio reservado à elite. O caixão e seu ocupante foram transferidos para o instituto médico forense de Toulouse, especializado nesse tipo de pesquisa.
Dois anos depois, em uma coletiva de imprensa realizada em setembro de 2024, o Inrap sugeriu que o corpo encontrado poderia ser o do poeta renascentista Joachim du Bellay, que, sabe-se, foi enterrado em Notre-Dame.
A idade do cadáver, o fato de a pessoa ter montado a cavalo e os vestígios de trepanação (Du Bellay sofria de meningite) dão alguma credibilidade à hipótese. É uma teoria atraente, quase um cold case literário, diz Libération.
No entanto, cientificamente, a especulação não é muito sólida. Mesmo assim, a possibilidade de que o corpo seja de Joachim du Bellay acabou ofuscando a principal descoberta das escavações: os mil fragmentos do arco medieval encontrados, uma monumental parede de pedra esculpida que estava desaparecida há três séculos.
Embaraçoso
"Por que ouvimos tão pouco sobre essa redescoberta?", pergunta o jornal francês. A explicação poderia ser simples: o caso acabou sendo embaraçoso e sua revelação poderia comprometer o cronograma apertado da obra e colocar em risco a promessa do presidente de reconstruir Notre-Dame, em apenas cinco anos, especula Libé.
A reabertura da Notre-Dame deveria ter sido adiada até a Páscoa de 2025, por exemplo, para permitir a exumação completa de todo o complexo? Ninguém se atreveu a sugerir isso publicamente, diz o jornal.
Durante as escavações, Besnier identificou outros elementos esculpidos na seção transversal. "Eles estão lá, adormecidos", declarou o arqueólogo. O importante agora é garantir que esses fragmentos não sejam destruídos", defendeu.
A partir de 8 de dezembro, a catedral voltará a ganhar vida. Ninguém sabe, no entanto, quando o gigantesco quebra-cabeça será finalmente remontado na catedral mais famosa do mundo.