Refugiados LGBTQ+ na França enfrentam longo e acidentado percurso burocrático
Ao fugir de seus países por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero, muitos refugiados LGBTQ+ esperavam finalmente viver com liberdade. Porém, apesar dos avanços na França em relação a esses grupos, as sucessivas reformas na política de imigração fragilizam trajetórias que já são marcadas pela persistência da discriminação contra pessoas LGBTQ+.
Por Aurore Lartigue, da RFI
Vestindo uma camisa preta justa, Djimmy começa a contar uma história que já narrou dezenas de vezes desde o início de sua trajetória. "Sou gay desde a infância, mas sempre escondi isso da minha família, da sociedade, da religião muçulmana", explica ele com uma voz calma. Ele descreve os anos vivendo com uma "máscara", até mesmo aceitando uma noiva. A humilhação de ser preso pela polícia com seu namorado, ele, um cirurgião renomado. E, por fim, a decisão de partir, apesar do medo de perder tudo, no dia do seu aniversário de 40 anos, após mais uma pressão da família: "Eles diziam que eu acabaria como um cachorro, sozinho."
Assim como para Djimmy, Patrick, Javier ou Ashley, a França soava como uma promessa de liberdade. Mas o caminho revelou-se uma longa jornada de obstáculos. Porque, se o exílio nunca é fácil, os desafios enfrentados por refugiados gays, lésbicas ou trans são ainda mais numerosos. As discriminações e violências, às quais estão especialmente expostos, somam-se à situação de vulnerabilidade e precariedade.
"Consigo contar sem chorar, mas nem sempre foi assim." Seis anos após sua chegada à França, Javier, agora na casa dos 30 anos, ainda recebe acompanhamento psicológico. Fugindo de seu país natal, a Colômbia, ele queria escapar da violência: das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que o obrigaram, junto com sua família, a abandonar sua casa; dos paramilitares que mataram sua irmã quando ele era criança; de seu próprio pai e de uma sociedade que o atormentava. Javier conseguiu sair de sua realidade por meio dos estudos, tornou-se advogado e passou a trabalhar na reintegração de ex-membros das FARC após a assinatura dos acordos de paz. Mas foi ameaçado por causa de seu engajamento e de sua homossexualidade.
Para ele, a França era "o país da liberdade, do amor, uma utopia". Foi lá que ele decidiu se estabelecer. Hoje, ele fala de sua "total desilusão".
Quantos pedem asilo na França anualmente devido à sua orientação sexual ou identidade de gênero? É difícil saber, já que não há estatísticas oficiais disponíveis sobre refugiados LGBTQ+. Uma coisa é certa: o Escritório Francês de Proteção a Refugiados e Apátridas (Ofpra), assim como associações especializadas, relata um aumento significativo desses casos, em um contexto em que a homossexualidade continua criminalizada, às vezes com pena de morte, em cerca de 60 países. Além disso, Estados, especialmente na África, mas também como a Rússia, adotaram leis mais restritivas contra essas populações nos últimos anos.
Pedido de asilo
Chegando à França com um visto normal em 2021, Djimmy descobriu na internet que podia solicitar asilo como gay, mais especificamente com base em perseguições ou temores de perseguições devido à orientação sexual ou identidade de gênero (OSIG). "Mas nem todos sabem que isso existe", ressalta Florent Chossière, pesquisador membro do Institut Convergence Migrations, que estudou as minorias sexuais no contexto das migrações.
June Lucas, advogada da associação Acceptess-T, que defende os direitos das pessoas transgênero, confirma: "A maioria das pessoas que atendemos não sabe que pode pedir asilo por serem trans."
A falta de informação pode ter consequências graves, atrasando o pedido de asilo e, consequentemente, todo o processo. Desde a Lei de Asilo e Imigração de 2018, o prazo para registrar o pedido foi reduzido para 90 dias após a chegada à França. Após esse período, os requerentes de asilo podem perder o acesso às "condições materiais de acolhimento" fornecidas pelo Escritório Francês de Imigração e Integração (Ofii), como hospedagem e a alocação para requerentes de asilo (ADA), essenciais para sobreviver enquanto aguardam a concessão do status de refugiado.
Djimmy, que chegou da Argélia em 2020, sofreu intensamente com o isolamento relacionado ao seu status de refugiado LGBT.
Entre os desafios iniciais, encontrar um lugar para dormir foi um dos mais difíceis. O alojamento é o principal problema relatado por todas as pessoas entrevistadas. Djimmy relata que foi colocado em um abrigo com um colega de quarto hostil, que acabou por expulsá-lo.
Depois, foi "isolado" em um apartamento com jovens afegãos, sem uma língua comum, em uma área remota da periferia de Paris.
Hayet e sua namorada, que chegaram com um visto de turista da Argélia, foram vítimas de um golpe de uma mulher que alugou para o casal um quarto e sala em Saint-Denis, nos arredores de Paris, por € 1.500 (sem despesas incluídas), quase três vezes o valor do mercado.
Existem "algumas centenas" de vagas específicas para LGBTQ+ nos Centros de Acolhimento para Solicitantes de Asilo (Cada) em todo o território francês, segundo a direção do Ofii. E outras 30 são geridas pela associação Le Refuge, que tem um convênio específico. A Associação para o Reconhecimento dos Direitos de Pessoas Homossexuais e Trans na Imigração e na Estadia (Ardhis) estima em torno de 200 essas vagas. No entanto, o número é insuficiente.
A vulnerabilidade das pessoas trans
A questão das violências relacionadas à transfobia é ainda mais crítica para pessoas em transição, já que é mais difícil esconder sua identidade de gênero. Quando chegou da Arábia Saudita em 2015, Ashley, cujo estado civil ainda indicava seu nome e gênero de nascimento - masculino -, foi colocada em um abrigo com homens. "Eu ficava fora até a noite e entrava quando eles já estavam dormindo", explica ela. Nesse aspecto, houve avanços, segundo June Lucas: "Faz tempo que não vejo uma mulher trans ser orientada para um abrigo masculino."
Essa situação destaca a importância para pessoas trans de obter rapidamente a alteração de seu estado civil. Porém, atualmente, o processo precisa passar pelo sistema judicial, e apenas o tribunal de Paris é competente para isso. "Sem a alteração do estado civil, quando a aparência de uma pessoa não corresponde ao que está nos documentos, o risco de enfrentar discriminações é maior", comenta June Lucas. Essas dificuldades são agravadas por "erros" administrativos, como quando o Ofpra emite um documento de nascimento - essencial para muitas formalidades - com o "dead name" do refugiado, ou seja, o nome anterior à transição.
Entrevista para convencer que são gays
Três semanas após o pedido de asilo - o prazo médio -, os solicitantes enfrentam uma nova etapa: a entrevista no Ofpra (Escritório Francês de Proteção aos Refugiados e Apátridas). O objetivo é convencer as autoridades de que são homossexuais ou trans e que correm riscos em seus países por isso. "A questão é que acreditem em você em um contexto de desconfiança em relação aos solicitantes de asilo", comenta Florent Chossière. Segundo ele, diferentemente de outros casos de asilo, é difícil apresentar provas concretas além do caso de ativistas, já que essas histórias são pessoais e íntimas, frequentemente escondidas devido a ameaças.
Desde 2013, com a transposição de uma diretiva europeia, o Ofpra criou grupos de referência para atender pessoas vulneráveis, incluindo um voltado para orientação sexual e identidade de gênero. Isso trouxe avanços, como formações para os responsáveis pelas entrevistas e ações de sensibilização para intérpretes. Adrienne Rodriguez Cruz, chefe do grupo, explica que antes as perguntas sobre "a descoberta da orientação sexual" eram feitas de forma abstrata, dificultando a expressão dos solicitantes. Agora, utiliza-se uma abordagem cronológica e contextualizada, permitindo que os solicitantes relatem suas histórias de maneira mais concreta e acessível.
Dilemas e traumas
Apesar dessas melhorias, o exercício ainda é desafiador. Pessoas com pouca escolaridade, ou que passaram por traumas psicológicos, frequentemente encontram dificuldades. June Lucas, da associação Acceptess-T, relata casos de solicitantes obrigados a reviver episódios traumáticos durante as entrevistas. Muitos entram em colapso emocional após o pedido de asilo, comparando a experiência a "um jogo de peças desabando".
Há também lacunas na formação para tratar questões trans. Na instância de recurso, a Corte Nacional do Direito de Asilo (CNDA), a desigualdade no tratamento dos casos é grande, pois não há treinamento obrigatório para os juízes.
Exposição ao risco de exploração sexual
Solicitantes LGBTQ+ são particularmente vulneráveis a explorações sexuais, alerta Thomas Ologo, presidente da associação Arc Essentiel. Ele cita casos de chantagem por moradia, como o de um jovem que foi sequestrado e obrigado a manter relações sexuais em troca de abrigo. Quatro dos cinco entrevistados para o artigo relataram ter sofrido agressões em suas trajetórias.
Espera e precariedade
O tempo de espera é outro ponto crítico. Embora o prazo médio para análise dos pedidos tenha diminuído para 127 dias em 2023, muitos casos enfrentam atrasos. Djimmy esperou oito meses; Javier, que chegou à França em 2018, obteve o status de refugiado apenas em 2020. Durante a espera, sem poder trabalhar, muitos caem em situações de extrema precariedade. Javier, por exemplo, acabou recorrendo à prostituição para sobreviver.
Após a aprovação do asilo, novos desafios surgem. A falta de suporte pós-asilo e a burocracia deixam muitos desamparados. Para trans e outras pessoas LGBTQ+, discriminações adicionais dificultam o acesso ao mercado de trabalho e à estabilidade.
Busca por liberdade e reconhecimento
Apesar das dificuldades, muitos refugiados LGBTQ+ relatam alívio ao obter o status de refugiado. Djimmy, após enfrentar discriminação e dificuldades profissionais, conseguiu um emprego estável e planeja pedir a naturalização francesa para romper definitivamente com a estigmatização do rótulo de "refugiado". Para ele, a liberdade plena só virá quando se tornar cidadão francês.
Hayet, por sua vez, realizou o sonho de viver com sua namorada fora da Argélia, mas enfrenta desafios de integração e dependência econômica. Apesar disso, ela não se arrepende: "Eu encontrei minha liberdade e sei que um dia terei a vida que desejo."
Reflexão final
A jornada de refugiados LGBTQ+ evidencia um "duplo exílio". Além de deixarem seus países de origem, muitas vezes precisam se afastar de suas comunidades, onde enfrentam a mesma homofobia e transfobia de que fugiram. Embora existam avanços na proteção e nos direitos LGBTQ+, as políticas de asilo na França frequentemente precarizam a vida desses indivíduos, criando obstáculos adicionais em sua busca por liberdade e dignidade.