A proposta de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para reduzir o atual limite de jornada semanal de seis dias de trabalho por um descanso (jornada 6x1), sem cortes salariais, ainda não começou a tramitar no Congresso, mas o debate sobre suas vantagens, desvantagens e viabilidades já avançou bastante.
De tudo o que se disse e escreveu sobre o tema, o que é possível concluir foi resumido pelo secretário de Política Econômica, do Ministro da Fazenda, economista Guilherme Melo, em entrevista na qual foram divulgadas as projeções atualizadas para os principais indicadores da economia brasileira, nesta segunda-feira (18):
"Qualquer pessoa que venha colocar de maneira cristalina, com certezas graníticas do que vai acontecer com eventual mudança, acho que está vendendo uma crença, não um fato". Guilherme Melo, secretário de Política Econômica, do Ministério da Fazenda.
Bem-estar físico e mental
Há, de fato, argumentos, alguns mais sólidos do que outros, para concluir que uma redução de jornada possa tanto beneficiar quanto prejudicar a atividade econômica e a qualidade das relações de trabalho. A determinação do eventual argumento correto esbarra na multiplicidade de fatores envolvidos no tema.
Um único consenso, ou pelo menos o ponto sobre o qual ninguém até aqui levantou dúvidas, diz respeito à melhora do bem-estar físico e mental dos trabalhadores, com uma jornada menos extensa.
Múltiplas variáveis
A dificuldade para definir se será melhor também para a economia reduzir o limite de horas trabalhadas por semana, das atuais 44 horas para 40 horas ou mesmo as 36 horas pretendidas na PEC da deputada Erika Hilton (PSOL-SP) deriva do fato de que a discussão envolve um grande número de variáveis.
Não existe um único tipo de empresa, setor de atividade, estrutura de mercado e porte dos negócios que possa servir de parâmetro para análises conclusivas. Além de ser diferente o que pode resultar da redução de jornada, quando considerados em separado cada um desses aspectos da questão, há ainda o fato de que também as relações trabalhistas não são homogêneas no mercado de trabalho.
É imenso, por exemplo, o número de trabalhadores informais no mercado de trabalho brasileiro. Embora, na prática, as regras definidas em lei acabem influenciando as relações informais, os que trabalham sem carteira assinada, ou seja, sem obediência às leis e regras trabalhistas, chegam a 40% da população ocupada. De todo modo, em teoria, essa parcela de trabalhadores não seria alcançada pela redução da jornada.
Ainda assim, a redução de jornada alcançaria, diretamente, uma multidão de trabalhadores. Levantamento da Lagom Data, empresa de análise de dados do jornalista Marcelo Soares, para a revista Carta Capital, com base em informações da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) e no Caged (Cadastro de Empregados e Desempregados), localizou 32 milhões de trabalhadores com carteira assinada trabalhando mais de 40 horas semanais. Esse contingente representa um terço da população ocupada.
Lista de "prejuízos"
A lista dos "prejuízos" da redução de jornada é conhecida e tem sido invocada historicamente pelos que resistem a mudanças nas relações trabalhistas. Agora com argumentos "técnicos" mais contemporâneos, é, na essência, a mesma lista de perdas pessoais, econômicas e sociais apresentada na abolição da escravatura, na implantação da jornada de 48 horas semanais, em meados do século 20, na adoção do 13º salário, em 1962, e na limitação da jornada em 44 horas por semana, na Constituição de 1988.
Na avaliação dos contrários à redução da jornada, a reforma implicaria em aumento nos custos da mão de obra, inflação, desemprego, redução de salários, fechamento de empresas, menos crescimento econômico — ou seja, em lugar de uma ilusória melhoria nas condições de trabalho e na vida das pessoas, a ideia descambaria para o exato inverso, resultando em piora generalizada para a sociedade.
Jornadas extensas
Exceto o aumento nos custos do trabalho, que, sem dúvida cresceria num primeiro momento — mas apenas, vale notar, no primeiro momento —, os outros custos dependeriam de uma ampla gama de combinação de fatores para se tornarem verdadeiros.
Tem sido um tanto negligenciado no debate da proposta de abolição da jornada 6 x1 o fato de que os custos do trabalho no Brasil são relativamente baixos. Não passam de um quarto do que é pago por hora trabalhada nos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), ocupando a trigésima posição, num grupo de 46 economias.
Também não se fala muito de extensão da jornada, no mercado brasileiro. Na comparação com o mesmo grupo de países da OCDE, a média anual de horas trabalhadas no Brasil é a quarta maior, ficando 40% acima da média anual na Alemanha.
Produtividade
Mesmo com jornadas maiores, a produtividade do trabalho no Brasil é baixa e tem se mantido baixa por um longo período. Alega-se que, se a produtividade fosse maior, os impactos negativos de uma redução de jornada seriam mais facilmente contornáveis.
A alegação é verdadeira, mas as razões normalmente apresentadas para explicar a produtividade insuficiente são parciais e incompletas. Costuma-se martelar que o problema deriva da baixa instrução da mão de obra, com origem no problema crônico da educação de má qualidade oferecida no Brasil.
Mas, se é fato que a educação deixa a desejar, é mais fato ainda que as condições de trabalho são as principais determinantes da baixa produtividade. Há estudos suficientes para permitir a conclusão de que a imensa maioria dos trabalhadores que adquiriram formação não trabalha em áreas para as quais estudaram.
Implantação gradual
A verdade é que a educação insuficiente se combina com baixo investimento em inovação e modernização de equipamentos e processos para determinar a baixa produtividade. Incertezas econômicas permanentes, ao lado de políticas de incentivo mal desenhadas, fazem com que seja igualmente baixo o investimento produtivo em inovação e em máquinas e processos mais modernos e eficientes.
Quando, enfim, se confronta com honestidade essa multiplicidade de fatores operando ao mesmo tempo, salta aos olhos a necessidade de reduzir a jornada, mas com gradualismo e flexibilidade para os muitos casos específicos.
Aproximar a jornada de trabalho das já praticadas em países de economia mais madura é uma necessidade civilizatória. Mas, a exemplo do que foi proposto e aprovado na reforma tributária, a redução da jornada deveria ser implantada aos poucos, num dado espaço de tempo, em prazos que permitam testes e adaptações.
Não é possível saber de antemão, em resumo, como todos os elementos vão se mover e acomodar. Por isso, melhor desconfiar de quem chega nesse debate com respostas prontas e definitivas.