Plano de golpe: cronologia mostra passos ensaiados de entorno de Bolsonaro
Tentativa de assassinato dos integrantes da chapa eleita e de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), monitoramento de rotas e uso de recursos bélicos para montar um plano golpista após as eleições de 2022. O quebra-cabeça da tentativa de golpe de Estado investigada pela Polícia Federal recebeu novas peças com a operação deflagrada na última terça-feira (19).
A investigação levou a prisão de quatro militares e um policial federal. O UOL produziu uma cronologia cruzando informações do relatório da PF com fatos políticos a partir 1º de novembro de 2022 até 9 de janeiro de 2023.
1º de novembro de 2022
Após 44 horas de silêncio, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) fez o primeiro pronunciamento após ser derrotado nas urnas por Lula (PT). No discurso, ele não reconheceu, entretanto, a vitória do petista.
Bolsonaro classificou os protestos golpistas como "movimentos populares". A única crítica que fez contra as manifestações foi em relação ao "direito de ir e vir" que, segundo ele, deveria ser preservado.
O silêncio do então presidente serviu de munição para a continuidade dos bloqueios feitos por caminhoneiros bolsonaristas. Em grupos de mensagens, eles defendiam a continuidade dos atos afirmando que, "se o presidente disser para pararmos, ele quer que continuemos" e "não é para ninguém desistir".
9 de novembro de 2022
A investigação da Polícia Federal afirmou que o general Mario Fernandes imprimiu o documento que detalhava o plano para assassinar Lula, Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes. Depois disso, Fernandes levou o material até Bolsonaro, no Palácio da Alvorada, onde morava à época.
O plano, denominado "Punhal verde amarelo", continha detalhes do monitoramento feito sobre o ministro Moraes. Havia também uma espécie de passo a passo para executar o plano golpista.
18 de novembro de 2022
Com Bolsonaro recluso após a derrota, o general Braga Netto foi o primeiro a falar com os manifestantes. No Alvorada, ele pediu aos apoiadores que tivesse "fé". "Vocês não a fé, tá bom? É só o que eu posso falar pra você agora", disse.
Uma apoiadora se aproximou e disse que enquanto estavam "na chuva e no sol", o presidente permanecia em silêncio. "Tem que dar um tempo", disse o general, que foi candidato à vice naquele ano. Os aliados de Bolsonaro diziam que ele estava deprimido com a derrota, mas as investigações da PF apontam que enquanto isso o ex-presidente fazia mudanças na minuta golpista.
4 de dezembro de 2022
Na data em questão, Carlos Bolsonaro (PL-RJ) publicou uma foto da perna do seu pai com erisipela. O vereador afirmou, na época, que imagem era de "poucos dias atrás". Reportagem do UOL já mostrou que as internações do ex-presidente coincidem com crises pessoais e na família.
6 de dezembro de 2022
O plano, denominado "Punhal verde amarelo", é novamente impresso pelo general Fernandes. Desta vez, no Palácio do Planalto e no momento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro estava no local. Os militares Mauro Cid e Rafael Oliveira, que teriam participado do planejamento, combinaram de chegar ao Planalto quando Bolsonaro já estivesse no prédio. A informação consta na investigação da Polícia Federal.
8 de dezembro de 2022
Em uma conversa com Mauro Cid, o general Fernandes diz que as manifestações iriam "esmaecer ou recrudescer". Ele afirma que não poderiam "perder oportunidades", já que perderam outras "tantas".
O general afirma para Cid que teria conversado com o ex-presidente, que teria dado o aval para um golpe de Estado até o dia 31 de dezembro de 2022. A informação consta no relatório da Polícia Federal divulgado na terça (19).
Pô, a gente tem procurado orientar tanto o pessoal do agro como os caminhoneiros que estão lá em frente ao QG. E hoje chegou para a gente que parece que existe um mandado de busca e apreensão do TSE, não, do Supremo, em relação aos caminhões que estão lá. Então, isso seria importante, se o presidente pudesse dar um input ali para o Ministério da Justiça para segurar a PF ou para a Defesa alertar o CMP [Comando Militar do Planalto].
General Mario Fernandes em conversa com Mauro Cid
9 de dezembro de 2022
Um dia após Fernandes demonstrar preocupação com a desmobilização dos atos golpistas, Bolsonaro fez seu primeiro discurso aos manifestantes no Alvorada. "Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vão as Forças Armadas são vocês, para onde vai a Câmara e o Senado são vocês também", disse o então presidente.
Na ocasião, Bolsonaro elogiou os protestos antidemocráticos e adotou um discurso dúbio. "Se algo der errado é porque eu perdi a minha liderança, eu me responsabilizo pelos meus erros. Mas peço a vocês: não critiquem sem ter certeza absoluta do que está acontecendo", afirmou.
12 de dezembro de 2022
Um grupo de bolsonaristas queimou carros e depredou a sede da Polícia Federal em Brasília após a prisão do líder indígena José Acácio Serere Xavante, conhecido como cacique Serere. Ele foi preso por suspeita de ameaça de agressão e perseguição contra Lula. O líder indígena era figura constante em protestos que pediam intervenção militar.
Na época, a secretaria de segurança do DF chegou a reforçar a segurança nas imediações do hotel em que o presidente eleito Lula estava hospedado. Na mesma data ocorreu a diplomação do petista. A operação de segurança foi monitorada pelos militares presos pela PF. Eles também sabiam o passo a passo de Moraes nesse dia.
15 de dezembro de 2022
A investigação da Polícia Federal apontou que os militares chegaram a colocar em prática um dos planos para executar o ministro do STF Alexandre de Moraes, mas o cancelaram de última hora. Eles utilizaram técnicas avançadas do treinamento militar, posicionando agentes perto do STF e da casa do ministro, mas cancelaram a ação porque o julgamento da Corte terminou mais cedo que o previsto.
No dia em questão Moraes participou no STF de uma votação sobre o orçamento secreto. O julgamento foi suspenso quando o placar estava em 5 a 4 — o ministro já havia votado, e os militares suspeitos monitoravam o julgamento por reportagens na imprensa.
Na mesma data, o ministro autorizou uma megaoperação em oito estados contra atos antidemocráticos. Moraes emitiu mandados de prisão e de busca e apreensão, quebra de sigilos bancários, bloqueio de perfis nas redes sociais, dentre outras ações. Na época, bolsonaristas que não aceitavam o resultado das eleições protestavam em frente a quartéis pedindo intervenção militar.
Lula participava do evento Natal dos catadores, no centro da capital paulista. Depois, seguiu para um churrasco no Instituto Lula, na zona sul da cidade. Já Geraldo Alckmin (PSB) ficou em Brasília, no evento Pacto pela Aprendizagem.
24 de dezembro de 2022
Na véspera do Natal, um artefato explosivo foi montado próximo ao aeroporto de Brasília. Um homem confessou à polícia a ação e disse que seu objetivo era chamar a atenção de outros apoiadores de Bolsonaro contra a eleição de Lula.
8 de janeiro de 2023
Bolsonaristas invadiram e depredaram os prédios dos Três Poderes em Brasília. Os atos antidemocráticos ocorreram após apoiadores do ex-presidente ficarem em frente a quarteis do Exército por meses pedindo intervenção militar. Muitos deles foram presos e condenados, alguns respondem até hoje pelos crimes cometidos na data em questão.
9 de janeiro de 2023
Um dia após a invasão da Praça dos Três Poderes, o ministro Alexandre de Moraes determinou a desocupação de todos os acampamentos montados nos quartéis do Exército pelo país. O ex-presidente Bolsonaro estava no Estados Unidos durante os atos antidemocráticos.
*Colaborou Fabíola Perez, do UOL, em São Paulo