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'Sobrevivi a uma tentativa de sequestro do 'Homem do Saco' em SP'

Emerson Luiz da Silva diz ter sobrevivido a tentativa de sequestro de maníaco em Rio Claro nos anos 1990 - Arquivo pessoal
Emerson Luiz da Silva diz ter sobrevivido a tentativa de sequestro de maníaco em Rio Claro nos anos 1990 Imagem: Arquivo pessoal
do UOL

Do UOL, em São Paulo

19/11/2024 05h30

Emerson Luiz da Silva tinha 17 anos e trabalhava em um terreno de um amigo em Rio Claro (SP) quando foi abordado por um homem mais velho, pedindo ajuda em um barracão no fim da rua. No momento, Emerson suspeitou da situação e conseguiu se desvencilhar.

Mas o homem retornou dias depois e, desta vez, foi necessário planejar uma fuga. Foi só anos mais tarde que ele descobriu quem era aquele senhor: Laerte Patrocínio Orpinelli, um serial killer de crianças que ficou conhecido como "Maníaco da Bicicleta" e "Homem do Saco".

Hoje, aos 44 anos, Emerson lembra a história com apreensão. Apesar de ter sobrevivido sem nenhum arranhão de uma possível tentativa de assassinato, o episódio deixou marcas profundas em sua memória. Ao UOL, ele contou sua história.

'Senti que devia mentir'

"Tinha 17 anos na época. Um amigo estava montando um viveiro e precisava de alguém para ajudar na manutenção. Estava aguardando ser chamado para uma cirurgia em Ribeirão Preto e, nesse meio tempo, ficava ajudando esse amigo. Eu tinha um problema na perna —uma era 7 cm maior do que a outra. Por isso, tinha dificuldade para andar e não conseguia correr.

O lugar ficava em uma área alta, numa rua bem vazia. Um dia, quando estava lá enchendo sacos de terra, apareceu um senhor, caminhando a pé. Não dei bola e, tempos depois, ele me chamou no alambrado que cercava o terreno.

Começou a conversa dizendo que tinha marcado com um rapaz para ajudá-lo em alguns serviços em um barracão ali perto, mas que o cara tinha dado bolo. Então, ele perguntou se eu poderia ajudá-lo. E, nisso, começou a fazer muitas perguntas sobre minha vida.

Na hora, senti que deveria mentir. Ele perguntou minha idade, e eu disse que tinha 12 anos, porque realmente aparentava isso na época. Também falei que naquele dia não poderia ajudá-lo, só no dia seguinte.

Ao chegar em casa, contei a história para a minha mãe e decidimos ir à delegacia. Naquele momento, não sabia do passado dele, nunca o tinha visto, mas sentia que algo estava errado.

'Vi sombra grande no chão'

A delegada da época mandou investigadores no local no dia seguinte para observar, mas o homem não veio. Ele só reapareceu dias depois. Percebi que havia uma sombra grande no chão. Era ele —que já havia entrado no terreno.

Ele estava bastante agitado, dizendo para eu ir com ele. Na rua, não passava ninguém e não tinha ninguém na casa ao lado. Ele tirou um bolo de notas de dinheiro para que eu o acompanhasse e chegou a colocar o membro dele para fora.

Fiquei assustado e tentei tirar o máximo de informações sobre quem ele era, onde morava. Ele sabia tudo sobre mim: onde eu morava, que horas começava a trabalhar.
Emerson Luiz da Silva

Minha mochila estava no alambrado e disse para ele que iria buscá-la. Ali, tinha um cutelo [faca de açougueiro] e, assim que tive oportunidade, joguei na direção dele. Só vi ele caindo do barranco e gritando.

Então, saí de lá e fui para a delegacia. Os policiais não o encontraram e não voltei ao terreno. Logo depois, liberaram minha cirurgia. Fiquei um bom tempo afastado.

'Notícias de crianças desaparecidas'

Enquanto estava em reabilitação, começaram as notícias de crianças desaparecidas. Até então, não fazia ligação com o que tinha ocorrido comigo. Depois, veio a notícia de que o 'homem da bicicleta' responsável pelos desaparecimentos havia sido preso.

Mas foi só em janeiro de 2000 que o reconheci.

Durante um programa na televisão, mostraram imagens do Laerte em ação. Ele estava com a barba feita, o cabelo cortado e fez um gesto com a mão que era igual ao do homem que tinha tentado me atacar. Ali, aos 20 anos, soube que era a mesma pessoa.

No dia seguinte fui à delegacia novamente para falar sobre o caso. Não tinham muitas provas concretas e ele podia ser solto por isso. Chamei uma policial e conversei com a delegada. Disse tudo o que tinha acontecido comigo, expliquei a história do cutelo e ela confirmou que ele tinha uma cicatriz nas costas.

Quando fui fazer o reconhecimento, ele ficou transtornado. E eu, em estado de choque. Não queria vê-lo.
Emerson Luiz da Silva

emerson - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Trecho do Jornal Cidade que fala sobre ida de Emerson à delegacia para depôr contra Orpinelli
Imagem: Arquivo pessoal

Naquele dia, um delegado queria que eu fosse ao terreno onde ele me atacou. Na minha cabeça, achei que era alguém da polícia científica —mas não era. Infelizmente, era para um jornal sensacionalista de São Paulo que queria repetir tudo outra vez. Isso me causou muito mal. No dia seguinte eu era capa de tudo quanto é jornal e revista. Tive síndrome do pânico.

Até aquele momento, não tinha noção da história, do risco, do que ele já tinha feito e do que estava fazendo. Até cair a ficha de tudo é um processo lento. E se recuperar disso também.

'Existem pessoas maldosas'

Quando completei 30 anos, fui morar em São Paulo, e não lembrava do que tinha acontecido. Fiquei dez anos na capital e quando voltei, retornaram os pensamentos.

Acho que falar que tudo foi superado é uma mentira porque sempre vai ficar uma marca. Hoje tenho muito menos gatilhos para tudo isso, mas quando vejo pais que deixam as crianças à vontade, as perdendo de vista, fico muito ansioso. Digo que não é para fazer isso. Já chamei atenção de pais várias vezes para não perder o filho de vista porque existem pessoas maldosas.

Quando ele morreu, recebi a ligação de um amigo e minha única reação foi sentir alívio. Senti que era uma criatura maldosa a menos na Terra.

Atualmente, trabalho como motorista de aplicativo e às vezes as pessoas acabam comentando sobre a história dele no carro, dizendo que é lenda urbana. Às vezes, fico quieto, mas em outras vezes eu digo que a história é real. E que eu sou um sobrevivente."

Quem era Laerte

Laerte Patrocínio Orpinelli - Ernesto Rodrigues/Folhapress - Ernesto Rodrigues/Folhapress
Laerte Patrocínio Orpinelli preso na delegacia de Rio Claro, em 2000
Imagem: Ernesto Rodrigues/Folhapress

Laerte Patrocínio Orpinelli foi um serial killer que tinha como vítima crianças no interior de SP. Ele ficou conhecido como "Homem do Saco", em uma referência a uma figura fictícia disseminada nas crenças populares que rapta crianças. Também foi chamado de "Maníaco da Bicicleta", por abordar as vítimas em uma bicicleta vermelha. Os crimes ocorreram entre 1970 e 1990.

Ele disse ter matado 100 crianças —mas jornais citam a confirmação da morte de 10. As polícias de cidades do interior do estado tentaram buscar informações se ele estava envolvido com o desaparecimento de crianças nas décadas anteriores. As vítimas tinham entre 3 e 11 anos.

Em alguns casos, as crianças eram violentadas sexualmente. Na época, Orpinelli confessou à polícia que cometia os crimes por raiva. Apesar dos indícios de violência sexual, ele disse que não estuprava as vítimas por ser impotente, segundo reportou a Folha de S.Paulo em 2000.

Laerte foi preso em janeiro de 2000 e morreu em 2013, dentro da cela. Ele tinha 61 anos e as causas da morte foram naturais.

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