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Francesa dopada por marido e estuprada por desconhecidos denuncia 'sociedade machista que banaliza o estupro'

19/11/2024 16h47

Nesta terça-feira (19), dois discursos opostos marcaram o último dia de debates do julgamento do caso: o da vítima, Gisèle Pelicot, denunciando uma sociedade "machista e patriarcal", e o de seu ex-marido, Dominique Pelicot, considerado o mentor dos abusos, que alegou ser movido pela "fantasia sexual" de "submeter uma mulher que não se submetia". "É hora de mudarmos nosso olhar sobre o estupro", declarou Gisèle, no tribunal criminal de Vaucluse, em Avignon.  

Para Gisèle Pelicot, o julgamento do ex-marido e de dezenas de homens que ele conheceu pela internet, aos quais ela foi entregue durante dez anos para ser estuprada, sedada com ansiolíticos, simboliza o processo de uma "sociedade machista e patriarcal que banaliza o estupro". "É o julgamento da covardia", repetiu a vítima três vezes. Diante dela, no banco dos réus, Dominique Pelicot permanecia de cabeça baixa.  

"Desde o início deste julgamento, ouvi muitas justificativas, mas nenhuma faz sentido", insistiu Gisèle Pelicot, de 71 anos, que se tornou um ícone feminista desde o início do julgamento, no dia 2 de setembro, ao rejeitar que o processo ocorresse a portas fechadas.  

"Ouvi dizer: 'fui manipulado', ouvi dizer: 'bebi um copo d'água, fui drogado'. Mas em que momento não perceberam? Eles estupraram! E agora ouço este senhor dizer: 'um dedo não é estupro'. Que ele reflita!", afirmou, com indignação.  

"Um demônio"  

O último dos 51 réus a depor, na manhã de terça-feira, antes de Gisèle tomar a palavra, foi Philippe L., de 62 anos. Ele se defendeu dizendo que estava "sob ordens" de Dominique Pelicot, a quem descreveu como um "demônio", e alegou acreditar, na noite de junho de 2018, que estava participando de um jogo sexual consensual de um casal liberal, onde a mulher "fingia estar dormindo".  

Acusado de "estupros com agravante", Philippe, que vive de pequenos trabalhos como jardineiro, pode ser condenado a até 20 anos de prisão, assim como os outros 50 acusados, com idades entre 26 e 74 anos.  

Confrontada pelos advogados de defesa, alguns chegando a sugerir que ela teria consentido, Gisèle Pelicot relatou, durante quase duas horas, ter vivido "sob domínio" ou "manipulada" ao longo dos 50 anos de casamento com Dominique. "Absolutamente nada me fez suspeitar", afirmou.  

"Eu nunca vou perdoar", declarou. "Pelicot tinha muitas fantasias sexuais que eu não podia satisfazer. (...) Como eu me recusava a frequentar clubes de swing, ele decidiu me dopar! Perdi 10 anos da minha vida que nunca vou recuperar. Nunca! Nunca essa ferida vai se fechar", desabafou, visivelmente emocionada.  

A vítima também expressou sua raiva contra os outros réus, que "em nenhum momento denunciaram os crimes". "Eles vieram para satisfazer seus impulsos sexuais e, só depois, perceberam que havia algo errado naquele quarto", lamentou.  

"Alguns me pediram desculpas, e consigo olhar para eles com um pouco mais de dignidade. Mas todos cometeram um crime", acusou. "Eu terei que conviver com isso pelo resto da vida. Com o fato de que homens me sujaram. Isso será para sempre", disse. 

"Você morrerá na mentira!"  

Dominique Pelicot tentou justificar a década de estupros referindo-se a uma "fantasia sexual", o desejo de "submeter uma mulher insubmissa, por puro egoísmo", mas alegou que seria "sem fazê-la sofrer".  

Ele também negou veementemente qualquer abuso incestuoso contra sua filha, Caroline Darian, cujas fotos nuas e aparentemente adormecida, algumas vestindo roupas íntimas da mãe, ele havia compartilhado nas redes sociais.  

"Caroline, eu nunca fiz nada com você", declarou, sendo imediatamente interrompido por sua filha.  

"Você morrerá na mentira! Sozinho, sozinho na mentira, Dominique Pelicot! Que pena você não ter vergonha", gritou ela, referindo-se a ele apenas como "genitor".  

Os advogados de defesa buscaram ainda obter detalhes sobre outros dois casos em que Dominique continua sendo investigado, um assassinato com estupro em Paris, em 1991, que ele nega, e uma tentativa de estupro em Seine-et-Marne, na região parisiense, em 1999, que ele admitiu após ter sido identificado por seu DNA. No entanto, se recusou a comentar.  

Na quarta-feira (20), o julgamento entra em uma nova fase com as alegações finais das partes civis, antes de uma pausa até segunda-feira (25), quando começará a acusação final do Ministério Público. O veredicto é esperado, no máximo, até 20 de dezembro.  

(Com AFP)

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