Cúpula do G20 começa com recuo da Argentina, guerras nos discursos e indefinição sobre o clima
A cúpula de líderes do G20 começou nesta segunda-feira (18) com uma sinalização positiva da Argentina, que acabou aderindo à Aliança Global contra a Fome e Pobreza, a principal iniciativa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na presidência do grupo das maiores economias do mundo. Depois de criar dúvidas sobre sua adesão, o presidente argentino, Xavier Milei, acabou cedendo, mas apenas após o anúncio oficial do líder brasileiro.
Vivian Oswald, correspondente daRFIno Rio de Janeiro e AFP
A Aliança Global contra a Fome e Pobreza conta, ao todo, com 148 membros fundadores, incluindo 82 países, a União Africana, a União Europeia, 24 organizações internacionais, nove instituições financeiras internacionais e 31 organizações filantrópicas e não governamentais. Os países signatários anunciaram compromissos para reduzir a fome e a pobreza ? a maioria, no âmbito nacional.
Ao abrir a primeira sessão plenária da cúpula no Rio, Lula afirmou que mundo piorou nos 16 anos que se passaram após a primeira reunião de líderes do G20, convocada em Washington no contexto da crise financeira de 2008 da qual participou.
"Temos o maior número de conflitos armados desde a Segunda Guerra Mundial e a maior quantidade de deslocamentos forçados já registrada. Os fenômenos climáticos extremos mostram seus efeitos devastadores em todos os cantos do planeta. As desigualdades sociais, raciais e de gênero se aprofundam, na esteira de uma pandemia que ceifou mais de 15 milhões de vidas", insistiu para a plateia."O símbolo máximo na nossa tragédia coletiva é a fome e a pobreza. Segundo a FAO, em 2024, convivemos com um contingente de 733 milhões de pessoas ainda subnutridas. É como se as populações do Brasil, México, Alemanha, Reino Unido, África do Sul e Canadá, somadas, estivessem passando fome", disse.
Segundo Lula, em um mundo que produz quase 6 bilhões de toneladas de alimentos por ano, isso é inadmissível. Em um mundo cujos gastos militares chegam a US$ 2,4 trilhões, isso é inaceitável. O brasileiro afirmou que a fome e a pobreza são "produto de decisões políticas, que perpetuam a exclusão de grande parte da humanidade.
"A Aliança nasce no G20, mas seu destino é global. Que esta cúpula seja marcada pela coragem de agir", ressaltou.
Na sexta-feira, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) anunciou uma contribuição financeira de até US$ 25 bilhões (cerca de R$ 144 bilhões) para apoiar programas "para acelerar o progresso na luta contra a fome e a pobreza entre 2025 e 2030". Outros aportes dos fundadores estão em estudo.
Milei cria surpresa
Ainda na primeira sessão da cúpula, Javier Milei também fez seu pronunciamento. Foi em tom professoral e bem menos confrontador do que se imaginava. Milei defendeu o multilateralismo, apesar dos sinais de alinhamento ao presidente eleito dos EUA, Donald Trump, defensor do nacionalismo econômico. A expectativa, agora, é a de que os argentinos devam embarcar na declaração final da cúpula, que segue sendo negociada pelas delegações.
Durante a manhã, havia a suspeita de que a Argentina não iria aderir à aliança e sequer participar da chamada foto de família dos chefes de Estado e de governo. Mas Milei mudou de ideia. A imagem registrada, aliás, deve ser a foto oficial do encontro. Existe uma polêmica em torno da tradicional foto de fim de cúpula neste G20, pois os líderes não querem aparecer ao lado do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov.
Xi Jinping fala em 'grandes mudanças'; Biden pede apoio à Ucrânia
Embora o Brasil quisesse evitar, as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza marcaram os debates no primeiro dia de declarações na cúpula.
O presidente americano, Joe Biden, em fim de mandato, pediu apoio à soberania da Ucrânia, um dia depois de autorizar Kiev a usar mísseis americanos de longo alcance contra alvos militares russos.
"Os Estados Unidos apoiam fortemente a soberania e a integridade territorial da Ucrânia. Todos nesta mesa deveriam fazer o mesmo", disse Biden no seu discurso, na presença do ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov. A Rússia realizou, no fim de semana, um dos piores ataques dos últimos meses em solo ucraniano.
Biden também pediu maior pressão para que o Hamas aceite um cessar-fogo em Gaza, algo que o movimento islamista "atualmente rejeita", para pôr fim ao conflito com Israel.
Um pouco antes da abertura da sessão plenária, o chinês Xi Jinping disse que "o mundo está entrando em um novo período de grandes mudanças", ao se reunir com o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer.
Clima
O texto final do G20 "já está fechado, mas alguns países querem abrir alguns pontos sobre as guerras e o clima", explicou nesta segunda-feira uma fonte do Itamaraty.
Os líderes das principais economias, que representam 85% do PIB global e 80% das emissões de carbono, buscam desbloquear pontos como o financiamento da luta contra a mudança climática e a transição das energias fósseis para energias limpas.
No domingo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, instou-os a fazer "concessões" para permitir "um resultado positivo na COP29", que acontece em Baku (Azerbaijão).
"O fracasso não é uma opção", disse Guterres, enquanto o mundo caminha para um novo recorde de temperatura global este ano.