'Ore por mim': vizinhos relatam últimos dias de autor de ataque em Brasília
O chaveiro Francisco Wanderley Luiz, autor das explosões na praça dos Três Poderes, em Brasília, mudou sua rotina poucos dias antes de realizar os ataques, contaram vizinhos e comerciantes com quem o UOL conversou.
O que aconteceu
Segundo vizinhos, Luiz, o "Tio França", era uma pessoa alegre. De acordo com um deles, ele sempre fazia piadas como "não gosto do meu nome na boca de Matilde", com sotaque catarinense. No entanto, faltando três dias para o crime, teria mudado de comportamento.
"Ore por mim", teria dito a vizinho. A mudança de comportamento ocorreu entre domingo (10) e quarta-feira (13), dia do atentado. Amigos e vizinhos dizem ter percebido que Luiz ficou calado e recluso. O autor do ataque teria pedido a um vizinho, que ia para a igreja à noite, que orasse por ele.
Na segunda (11), ele estava quieto. Normalmente, Luiz saía todo dia com uma bicicleta amarela pequena pelas ruas de Ceilândia até o centro da cidade, na periferia do Distrito Federal. Também frequentava sempre uma rede de supermercados nas proximidades. Quase todo dia passava lá, segundo os funcionários, sempre cordial e tranquilo.
Bicicleta e pássaro "desapareceram". Mas, naquele dia, a bicicleta desapareceu do condomínio de quitinetes em que ele morava. Um passarinho amarelo, semelhante a um curió, que cantava bastante na vizinhança, também sumiu. "Ele deve ter dado um jeito de se livrar da bicicleta e do passarinho", disse um conhecido, que conversou com o UOL, mas não quis ser identificado.
Calado, ele não saiu da quitinete. Ficou o tempo todo em casa mexendo no celular, segundo os relatos.
Na segunda, almoçou a refeição preparada por uma vizinha. Segundo o relato, Luiz estava quieto. Todos os dias ele pagava a ela R$ 15 por um prato de comida caseira e outro valor para o café da manhã. Quando não necessitava de alimento por ter algum compromisso, avisava com antecedência.
Na terça, um dia antes do crime, abriu um sorriso. Apesar de continuar calado, ele elogiou o almoço: tilápia frita, arroz, feijão, alface e salada. "Que peixe, hein?", teria dito, segundo a vizinha.
Ele não avisou que dispensaria alimentação no dia seguinte, quando causou as explosões em Brasília.
Dia do crime
Na quarta, Luiz saiu bem cedo de casa, às 6h da manhã. Pegou seu carro, um Kia Shuma ano 1999, que trouxe de Rio do Sul (SC), onde morava com a família. Segundo os vizinhos, Luiz chegou em julho ao conjunto de quitinetes alugado de Ceilândia. Mas foi embora e voltou depois das eleições municipais.
Luiz dirigiu até estacionamento ao lado do Anexo 4 da Câmara, no Plano Piloto de Brasília. Deixou o veículo ao lado de um trailer que havia alugado. Esses veículos são usados para vender comida, mas o chaveiro não fazia isso. Lá, guardava explosivos que comprava em vários locais, como em uma casa de fogos de artifício de Ceilândia.
Ele saiu do carro e entrou na Câmara dos Deputados. Luiz passou pelo detector de metais do Anexo 4, às 8h15, conforme revelaram as câmeras de segurança da Casa. Ele estava sem bolsas ou outros objetos. Então, colocou o que aparenta ser um relógio na bandeja escaneada pelo aparelho e saiu pelo outro lado sem ser abordado. Foi ao banheiro e logo saiu.
'Sou feio'
Abordagem a jornalista de televisão. Não se sabe ainda o que aconteceu no período em que ele saiu da Câmara, pela manhã, e o início da noite. Mas, pouco tempo antes das 19h30, horário do crime, Luiz abordou uma jornalista que fazia uma transmissão ao vivo na Praça dos Três Poderes.
Estávamos nos preparando para entrar ao vivo quando o homem se aproximou e ficou realmente do nosso lado.
Manuela Castro, repórter da TV Brasil
Eu não vou passar na frente da câmera porque eu sou muito feio.
Francisco Wanderley Luiz para repórter, minutos antes do crime
Ele prometeu não atrapalhar o trabalho da reportagem. Ele estava com um objeto na mão, usava um guarda-chuvas e tinha uma calça estampada e colorida. O chaveiro disse que não iria atrapalhar a transmissão ao vivo da equipe. Reportagem da TV Brasil reproduziu o relato da jornalista. Veja abaixo:
Quando a transmissão começou, às 19h, chaveiro foi para trás da câmera. Ele caminhou nos fundos do vídeo com seu guarda-chuva em direção à estátua da Justiça, em frente ao prédio do STF (Supremo Tribunal Federal). "Hoje, tive a noção do perigo, do risco que minha equipe teve com aquele homem tão próximo com aqueles explosivos na cintura", disse Manuela em depoimento na quinta-feira (14).
Após 30 minutos, as explosões começaram. Primeiro, fogos de artifício com tijolos explodiram de dentro do porta-malas do carro de carro de Luiz. A PF diz que ele acionou os disparos com um controle remoto.
Depois, ele se aproximou da estátua e foi abordado por um vigilante. Então, jogou um objeto no monumento. A ideia era tentar entrar no STF, disse a vice-governadora do DF, Celina Leão.
Sequência do ataque até a sua morte. O chaveiro arremessou um objeto em direção ao STF, mas nada aconteceu. Em seguida, lançou outro, e uma bomba explodiu. Mais seguranças acompanharam a ação. Ele exibiu os dispositivos explosivos no corpo para os vigilantes, deitou no chão da praça, colocou um deles sob a cabeça, detonou a bomba e morreu.
Polícia passou horas isolando área
Equipe desarmou as bombas naquela madrugada. A equipe antibombas do Batalhão de Operações (Bope) da Polícia Militar do DF passou a noite de quarta e a madrugada de quinta retirando as bombas ao redor do corpo de Luiz. As demais forças de segurança federais e estaduais davam apoio ao trabalho.
Bope então localizou o endereço da casa de Luiz. Era uma quitinete em Ceilândia Norte. O Grupo Antibombas da PF acompanhou os outros policiais até a casa. Lá, um cachorro da PM entrou na quitinete do chaveiro. O animal detectou, pelo cheiro, que havia explosivos guardados.
Havia um artefato explosivo em um móvel da quitinete. Em seguida, um policial do Bope, devidamente vestido contra possível explosão, fez uma segunda verificação e confirmou a presença de bombas em uma gaveta. Ele deixou o local.
Robô da PF entrou em ação para abrir a gaveta e detonar a bomba. O estrago foi grande. A quitinete possui marcas de cinza por todos os lados, conforme o UOL constatou.
PF vê extremismo de direita
A PF investiga o caso por meio de seu departamento anti-terrorismo. A investigação aponta que ele atuava como extremista de direita.
Ele colocou mensagens na casa usada como base para o crime, em Ceilândia. Há referências aos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 na estátua do STF, a mesma atacada por ele na quarta-feira e vandalizada no ano passado por militantes frustrados com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais.
Ele queria matar ministros do Supremo Tribunal Federal, segundo uma de suas ex-mulheres, que afirmou que ele só falava de política. "Quando Bolsonaro perdeu [em 2022], ele enlouqueceu", contou outra ex-mulher dele.
Ex-candidato a vereador pelo PL em 2020, "ele sentiu muito a derrota do [Jair] Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais", de acordo com o ex-presidente do Partido Liberal em Rio do Sul (SC), Eduardo Marzall.