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Exclusivo, mas inseguro: o bairro no RJ onde famosos convivem com o tráfico

É possível encontrar na internet imóveis de luxo à venda no bairro, por preços que variam de R$ 1,1 milhão a R$ 15 milhões - Reprodução/Google Maps
É possível encontrar na internet imóveis de luxo à venda no bairro, por preços que variam de R$ 1,1 milhão a R$ 15 milhões Imagem: Reprodução/Google Maps
do UOL

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

14/11/2024 05h30

Com casas de luxo, IPTU elevado e natureza exuberante, o Itanhangá, no Rio de Janeiro, enfrenta um contraste entre o charme do bairro e o aumento da violência, que impacta a segurança e a valorização de suas propriedades.

O que aconteceu

Moradores do Itanhangá vivem em alerta constante. A escalada da violência entre milícia e tráfico transformou o bairro de luxo, antes pacífico, em uma zona de conflito. Quem mora ali há décadas relata tiroteios frequentes e uma rotina cada vez mais tensa.

O bairro é conhecido por suas mansões e contato com a natureza. Localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, o Itanhangá atrai pela proximidade ao verde e por suas casas de alto padrão. Anitta, Marcelo Adnet, Tatá Werneck e Xamã estão entre as celebridades que vivem em áreas nobres do bairro. Contudo, o aumento da violência ameaça a tranquilidade dos moradores, entre janeiro e outubro, o Disque Denúncia registrou 242 chamadas denunciando a atuação de grupos criminosos.

O mercado imobiliário no Itanhangá ainda apresenta valores elevados. Segundo a Invexo Luxury, o metro quadrado custa entre R$ 5.000 e R$ 6.000 nas áreas mais valorizadas. Anúncios recentes em agregadores de busca de imóveis mostram casas que variam entre R$ 1,1 milhão e R$ 15 milhões, dependendo da área e da localização. Porém, por estar situado entre regiões disputadas pela criminalidade, como Tijuquinha e Muzema, os valores estão caindo.

Desvalorização acontece devido à insegurança que cerca o bairro. Segundo uma corretora de imóveis de luxo que atua no bairro, antes do surgimento de comunidades como a do Morro do Banco, por exemplo, os imóveis eram comercializados por valores até 40% mais altos do que os praticados hoje.

Uma antiga moradora, que pediu para não ser identificada, confirmou a diminuição do valor da sua casa, adquirida com investimento elevado. "Eu paguei uma grana alta pela minha casa e, hoje, não consigo nem o valor investido nas obras de reforma que fiz", desabafa. Ela menciona que o IPTU também é elevado, como o de outros imóveis da região, ultrapassando R$ 20 mil em alguns casos.

A propriedade da moradora é um exemplo da grandiosidade do Itanhangá: um terreno de 3.000 metros quadrados, com duas piscinas e uma casa linear, cercada pelo verde e integrada à natureza. "Minha casa é um projeto do arquiteto Carlos Porto, premiada e com jardim original do paisagista Burle Marx", revela. A violência, porém, torna o dia a dia dos moradores mais tenso. "É totalmente constrangedor quando começa um tiroteio. Meus amigos todos começam a ligar, minha mãe fica em pânico".

Maria Lucia Mascarenhas, presidente da Associação de Moradores, vive no bairro há décadas e sente falta da tranquilidade de antes. Ela relembra um tempo em que o Itanhangá era um "paraíso", livre de violência. "A comunidade do Morro do Banco era pequena e o bairro era um paraíso. Mas, aos poucos, a marginalidade foi se instalando", conta.

Hoje, os tiroteios e assaltos geram medo nos moradores. Maria Lucia afirma que ouvir tiros a qualquer hora do dia se tornou comum, assim como relatos de assaltos em áreas específicas. "É assustador. As pessoas pagam caro pelo IPTU e vivem com medo", afirma.

Como presidente da Associação de Moradores, Maria Lucia tem atuado para reforçar a segurança. Ela participa de reuniões no Conselho Comunitário de Segurança (CCS), solicitando aumento no policiamento e mais viaturas para patrulhas contínuas. "Precisamos de policiamento regular, e não apenas em momentos de crise", destaca.

Disputa por território

O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor dos Santos, explica que existe naquela região da cidade uma disputa por território. Em entrevista ao UOL, ele afirmou que o conflito entre milícia e Comando Vermelho tem como alvo principal a região de Rio das Pedras, um ponto estratégico para ambas as facções. "A milícia mais antiga do estado do Rio nasceu em Rio das Pedras e sempre houve um desejo do Comando Vermelho de invadir a área", diz.

O Comando Vermelho visa ampliar suas fontes de renda. Segundo Santos, os traficantes passaram a vislumbrar novas — e mais lucrativas — formas de gerar receita, além da venda de drogas, que é um mercado restrito. E passaram a copiar os milicianos, cobrando por serviços como água, luz e internet. "Território é sinônimo de receita", afirma o secretário, ressaltando o interesse econômico por trás das disputas.

A Secretaria de Segurança reforçou o policiamento ostensivo na região. Com base em inteligência, foram detectadas tentativas de invasão de Rio das Pedras pelo Comando Vermelho, mobilizando ações policiais. "Massificamos o policiamento para evitar que o povo fique no meio do fogo cruzado," explica Santos.

Secretário diz que limitações da ADPF 635 (conhecida como ADPF das Favelas) dificultam ações policiais em comunidades. A medida, pedida pelo PSB em 2019 ao STF, limita operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, permitindo-as apenas em casos excepcionais, com comunicação ao Ministério Público e protocolos de segurança para áreas como escolas e unidades de saúde. Santos afirma que, apesar de garantir proteção adicional aos moradores e evitar confrontos desnecessários, a ADPF também acaba burocratizando ações policiais, dificultando respostas rápidas e aumentando o risco de vazamento de informações sobre operações.

A ADPF criou uma burocracia que dificulta nossa atuação nessas áreas. A excepcionalidade para o uso da força não pode ser estendida para tudo. Se tem barricada numa rua, para mim, isso é excepcional. Se tem alguém com arma numa laje, o Estado precisa agir. O monopólio da força é do Estado, não do traficante ou do miliciano.
Victor dos Santos

ADPF das Favelas

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (13) a ação conhecida como ADPF das Favelas, o processo que trata da letalidade policial no Rio de Janeiro.

A modalidade de julgamento foi criada pelo presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso. O ministro se inspirou na Suprema Corte dos Estados Unidos, onde os juízes ouvem as sustentações das partes envolvidas no processo antes de apresentar os votos na sessão.

Com a ADPF, a Corte obrigou o uso de câmeras corporais nas fardas dos policiais e nas viaturas, além da determinação de aviso antecipado das operações para autoridades das áreas de saúde e educação, a fim de proteger escolas e unidades de saúde de tiroteios entre policiais e criminosos.

Segundo a nota técnica elaborada em julho deste ano pelo Supremo, as decisões liminares, que foram tomadas a partir de 2020, contribuíram para a diminuição da letalidade, conforme dados do Ministério Público do Rio.

Em 2020, 1,2 mil pessoas morreram durante intervenções policiais. No ano passado, o número passou para 871. Nos primeiros quatro meses de 2024, foram registrados 205 óbitos.

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