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Brigas internas, ameaças de demissão e benefícios intocáveis atrasam cortes

O presidente Lula (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Gabriela Biló /Folhapress
O presidente Lula (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad Imagem: Gabriela Biló /Folhapress
do UOL

Do UOL, em Brasília

13/11/2024 05h30

O debate sobre o corte de gastos pelo governo federal já se arrasta pela terceira semana em meio a reuniões com brigas internas, ameaças de demissão e exigências do presidente Lula (PT).

O que aconteceu

Pressionado pelo setor financeiro, o Executivo tem discutido um pacote para diminuir gastos desde o fim de outubro. O debate ficou mais intenso na semana passada, com três dias de reunião entre o presidente e a cúpula governista, sem chegar a um acordo.

De consenso, na verdade, só para o lado oposto: ministros alegam em uníssono que não têm mais de onde tirar. Ainda assim, esperam-se cortes em pelo menos seis pastas, quase todas com os orçamentos mais robustos, após um longo empurra-empurra que inclui uma reclamação organizada para que a Defesa, inicialmente fora, entrasse no bolo. Não que os militares tenham gostado.

Lula tampouco é um entusiasta da medida. Refratário a acatar "pressão do mercado", o presidente não esconde que não vê o arrocho com bons olhos e segue repetindo que alguns tipos de despesas, como os programas sociais, não são gasto, são investimento.

As medidas só dizem respeito ao Orçamento de 2026. Em julho, também sob pressão do mercado, a equipe econômica já havia anunciado o congelamento de R$ 15 bilhões em gastos para este ano e mais R$ 25,9 bilhões para 2025.

Empurra-empurra

Diferentemente do ajuste proposto para 2024 e 2025, o corte não será geral. Apesar de o presidente cobrar (e garantir) que a medida não afetará apenas os mais pobres, para 2026 estima-se que o aperto seja feito nas pastas de Saúde, Educação, Previdência, Trabalho, Desenvolvimento Social e Defesa.

O gosto é de insatisfação geral. Ainda sem definição sobre o número de ministérios afetados ou a quantia total, a única certeza é que esta métrica será atingida depois de muito empurra-empurra. Nas sugestões feitas à equipe econômica, os ministros queriam repassar o corte para colegas, com as pastas com maior orçamento, como Saúde e Educação, como maior alvo.

Ninguém queria o aperto para si. Inicialmente convocados em separado, ministros e secretários-executivos tinham a tarefa de propor possibilidades de corte em suas abas, mas todos começavam com a ressalva de que já estavam enxutos demais e não tinham de onde tirar.

A Defesa, inicialmente de fora da proposta, foi alvo desses questionamentos. Ministros ligados à ala social do governo questionaram se os cortes iriam atingir investimentos que impactam diferentes classes sociais, por que não os militares?

José Múcio, da Defesa, rebateu que também não tem de onde tirar. Ele é um dos ministros que mais têm falado abertamente que sua pasta precisa de mais investimentos e que cortar o que já é escasso é vilipendiar a segurança, em especial nas fronteiras.

Não teve jeito. Para acalmar ânimos, não só de colegas como da opinião pública, os militares também terão de dar a sua parte. Outro ministro que tem reclamado por mais dinheiro —não menos— é Ricardo Lewandowski, da Justiça e Segurança Pública, que aparentemente deve ser poupado nesta rodada.

Ameaças de demissão

As propostas de cortes fizeram com que ministros ameaçassem entregar o cargo. Ação rara no governo Lula, que estimula disputa internas, mas nunca pela imprensa, pelo menos dois ministros da área social reclamaram do aperto proposto inicialmente e sugeriram —tanto para Lula quanto publicamente— que poderiam deixar a gestão se não fossem ouvidos.

Carlos Lupi, ministro da Previdência Social, disse que "não tem como ficar no governo" se cortassem benefícios de aposentados. "A média salarial das pessoas é R$ 1.860. Vou fazer o que com isso? Tirar direito adquirido? Não conte comigo. Vou baixar o salário? Não conte comigo", disse, em entrevista ao jornal O Globo.

Luiz Marinho, do Trabalho e Emprego, adotou tom semelhante. Em reunião ministerial na semana passada, disse que não seguiria no cargo caso fossem incluídas mudanças em benefícios trabalhistas como seguro-desemprego e multa por demissão por justa causa.

Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, enviou uma nota à imprensa descartando cortes no BPC (Benefício de Prestação Continuada) e no Bolsa Família. Mais comedido, não chegou a colocar o cargo à disposição, mas o informe se deu à revelia da equipe econômica, que ainda não fechou a proposta.

Lula chamou os três, separadamente, na última terça (12). Na presença de Fernando Haddad (Fazenda), o presidente tentou apaziguar a situação, em vez de dar uma bronca explícita nos ministros. Como também não é fã dos cortes, dizem aliados, Lula tem se mostrado compreensivo com as revoltas.

Limites de Lula

O próprio presidente impôs seus limites. Segundo pessoas ligadas ao Planalto, é de Lula, não dos ministros, o descarte em corte no BCP ou a desvinculação da Previdência com o salário mínimo.

O presidente repete as histórias de origem sindical que costuma falar em público para descartar mexer em alguns direitos. Em entrevistas e discursos, ele tem questionado se só as classes sociais mais baixas deveriam arcar com os cortes, e não o Congresso e o empresariado.

Todo o debate tem deixado o presidente de mau humor. Segundo pessoas que trabalham no Planalto, Lula não tem vivido os dias mais animados, confrontando todas as promessas de investimentos que o governo fez nesses quase dois anos com a imposição de diminuir aplicações.

"Tudo eu, tudo eu"

Sobra para a equipe econômica. Em meio ao empurra-empurra e barreiras impostos por Lula, cabe a Haddad e às ministras Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação) arrumarem propostas e soluções para acomodarem a todos.

Haddad ganhou um companheiro inusitado: o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, tem se colocado ao lado da Fazenda neste debate. Responsável pelo Novo PAC (Programa de Aceleração ao Crescimento), ele geralmente se coloca contra diminuir investimentos, mas desta vez tem apontado os impactos da indecisão nas altas do mercado como argumento para resolver a situação o quanto antes, por mais que seja dolorido.

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